terça-feira, 2 de novembro de 2010

Derrota de Serra: uma explicacao humoristica (ou capilar)

Carecas de saber
JOÃO PEREIRA COUTINHO
Folha de S.Paulo, 2/11/2010

Para ganhar essa eleição, alguém deveria ter dito a José Serra duas palavras: "implante" ou "peruca"

SOU PORTUGUÊS, mas tenho vivido no Brasil nas últimas semanas. E o mais engraçado é que nem sequer cheguei a sair de Lisboa.
A culpa é das eleições brasileiras, que comentei para a televisão portuguesa. Isso implicou trabalho: semanas e semanas e semanas de leituras esotéricas sobre candidatos, sistema eleitoral, indicadores econômicos. Sem falar de telefonemas ruinosos para amigos paulistanos: gente do PT, gente do PSDB. E até cartomantes, que acertaram mais que as pesquisas no primeiro turno.
Tornei-me especialista no assunto e todas as noites sonhava com Dilma, ou com Serra, ou com Marina. E com o palhaço Tiririca, é claro. Pior do que já estou, não fico.
Mas sinto culpa. Uma culpa profunda, porque nunca disse a verdade sobre o pleito eleitoral. Sim, nas minhas intervenções públicas, falava do óbvio. As interferências de Lula na campanha, impróprias de um país civilizado.
A polêmica do aborto, que em condições normais teria liquidado Dilma. O caso Erenice e a quebra do sigilo fiscal da família Serra, uma vergonha em qualquer hemisfério.
E quando o âncora de serviço me perguntava sobre a possível derrota de Serra, eu preparava minha voz de tenor, meu rosto de sabedoria e repetia o que toda gente repete: é difícil combater a popularidade de Lula; é difícil combater o peso de um Estado assistencialista que praticamente comprou os pobres todos do Brasil; e Serra, coitado, não conseguiu encontrar o tom certo na campanha.
Nem sequer soube combater a acusação de que tencionava privatizar a Petrobras (uma acusação assassina, como se viu com Alckmin em 2006).
Inútil. Tudo isso foi inútil. Se eu fosse corajoso, e não esse covarde que se olha ao espelho, teria dito a verdade ao vivo, na TV, e calado os meus colegas. Faria cara de enfado, retiraria o microfone do blazer e diria: "Serra vai perder porque é careca, meninos". E depois abandonaria o estúdio, com passos triunfais, perante o choque geral.
É a verdade. E Simon Carr, o grande jornalista britânico, concorda comigo. Carr não escreveu sobre Serra, mas seu último artigo para a revista "Intelligent Life" (o título diz tudo) é brutal e certíssimo: a partir da década de 60, os carecas desapareceram da política ocidental.
O leitor é um apreciador de Winston Churchill? Esqueça. O monumental estadista que venceu a Segunda Guerra jamais seria reeleito hoje: careca, gordo, fumante, politicamente incorreto -seria trucidado em qualquer eleição.
Escreve Carr que, a partir da década de 60, houve um colapso da autoridade na política. O eleitorado, para lá da competência, passou a valorizar uma outra qualidade: a juventude. Ou, pelo menos, a aparência de juventude. E não existe maior símbolo de juventude que o cabelo.
Na Grã-Bretanha, Alec Douglas-Home foi o último premiê careca. Em 1963. Depois dele, nunca mais houve carecas em Downing Street.
E os que tentaram (como William Hague ou Duncan Smith, ambos conservadores) foram desfeitos pelos trabalhistas. David Cameron quebrou o enguiço, mas cuidado, avisa Carr: Cameron está a perder cabelo; o seu índice de popularidade está a baixar também.
Simon Carr não aplica sua análise a outros países. Aplico eu. Nos Estados Unidos, o último presidente calvo foi Dwight Einsenhower. Em 1953. Gerald Ford é um caso discutível, mas Ford assumiu a presidência depois da demissão de Nixon. Sem passar pelas urnas.
De então para cá, tivemos Carter, Reagan, Bush (pai), Clinton, Bush (filho) e agora Obama. É preciso dizer o que essa gente toda tinha em comum?
Mesmo na Europa, e até em Portugal, a tese de Carr confere: em Portugal, nos últimos anos, jamais tivemos um premiê ou mesmo um presidente da República calvo.
E, na Europa, Berlusconi poderia ser exceção da regra. Isso se Berlusconi não tivesse sofrido as agruras do inferno para implantar cabelo. "Fiz isso por respeito a Itália e aos italianos", disse ele, em comunicação célebre. Itália agradeceu.
O Brasil, não: elegeu Dilma, ou seja, a única candidata com juba de leão. Em 2006 foi a mesma coisa entre Lula e Alckmin.
Para ganhar essa eleição, alguém deveria ter dito a José Serra duas palavras: "implante" ou "peruca". Em política, não é dos carecas que as urnas gostam mais.

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