segunda-feira, 1 de novembro de 2010

A segunda analise do quadro pos-eleitoral

Foi a política que fez a oposição encurtar a distância; logo, faltou ainda mais política
Reinaldo Azevedo, 1.11.2010

Como escrevo em outro texto — e jamais vou perder isso de vista —, assistimos nessa campanha a uma truculência inédita do poder federal. Lula aviltou as instituições para eleger a sua criatura eleitoral. Isso não nos deve impedir, no entanto, de apontar erros essenciais na campanha do PSDB, em especial no horário eleitoral.

Comecemos do básico: Lula será mesmo esse demiurgo, que pode eleger quem bem entender — daí a necessidade de a oposição fazer uma campanha que evite o confronto, abstendo-se tanto de falar bem de si mesma como de falar mal do governo? Pois é. Estamos diante de uma doxa. Contra todas as evidências aparentes, a resposta é “não”. Querem ver?

Em 1989, quase um terço dos eleitores que foram às urnas votou na esquerda: 16,08% em Lula e 14,45% em Brizola. Em 1994, a mesma coisa: 27,04% em Lula e 3,18% em Brizola. Em 1998, idem (31,71% em Lula). Em 2002 e 2006, com discurso novo e política agressiva de alianças, o PT saiu daquele terço tradicional: Lula obteve, respectivamente, 46,44% e 48,61% no primeiro turno, índice quase igual ao de Dilma em 2010: 46,91%.

A seqüência de números nos indica algumas coisas: um terço do eleitorado pertence à esquerda e ponto final. Um terço vota contra a esquerda e ponto final. E é sempre aquele terço intermediário que está em disputa. Qualquer que fosse o candidato do PT, com ou sem as bênçãos de Lula, esse potencial está garantido. O resto tem de ser conquistado. Por três eleições seguidas, o PT fez a sua maioria naquele grupo — desta vez, bem menos do que nas duas anteriores.

O eleitorado brasileiro tem 135 milhões de pessoas — e é nessa base que os institutos avaliam a popularidade do presidente. Se ela for mesmo de 83%, estamos falando na aprovação de quase 113 milhões de pessoas. Dilma se elegeu presidente com 55,7 milhões de votos. Compareceram às urnas 106.050.082 pessoas, 78,55% do eleitorado. O candidato da esquerda levaria um terço disso ainda que fosse um poste — logo, não haveria por que Dilma não levar: 35,35 milhões.  O real poder de transferência de votos de Lula é, pois, de 20,35 milhões de pessoas no máximo — 15% do eleitorado total, ou, contando com generosidade, 19% do que compareceu para votar. É rigorosamente disso que se trata. É histórico e é matemático.

Medos
Foi com medo desses 15% ou 19%, na prática, que a campanha da oposição — e sempre se deve relevar o jogo sujo, reitero — tomou o caminho errado, repetindo, diga-se, o erro de 2006. Alguém dirá: “Pô, mas somem-se esses 15% ou 19% àquele terço, e se tem praticamente mais da metade, Reinaldo”. Pois é. Eu me referi ao potencial máximo de transferência. Não quer dizer que ele se realizasse fatalmente e que pessoas desse grupo não pudessem ser convencidas. Mais ainda: a abstenção passou de 20%. É gente pra chuchu, que tem de ser chamada a votar. Como?

Eis o busílis. O PSDB passou boa parte do primeiro turno dedicado à maximização do minimalismo administrativista, sem uma mensagem política clara aos eleitores. Aquele que é sabidamente o homem público mais preparado do país — e isso não é chavão ou clichê, mas fato — foi convencido, deixou-se convencer ou foi tragado pelo argumento de que a política era um mau caminho: o confronto haveria de se dar no terreno da administração, da gestão, da comparação de biografias (a dele é infinitamente mais rica) e das obras realizadas. A questão seria esta: “Quem é mais competente para dar seqüência à obra de Lula: a Dilma ou o Zé?” A intenção de voto murchava.

Não por acaso, esse era a escolha do PT. Também o partido de Lula deixou a política de lado — a não ser para fazer comparações falsas, vigaristas, entre os oito anos do PT e os oito anos do PSDB. Obreirismo contra obreirismo, o do PT se mostrava mais festivo; promessa contra promessa, o lulismo será sempre imbatível.

Quem politizou?

A diferença entre Dilma e Serra é bem menor do que apostavam os petistas. Não tenho dúvida de que ela se deve à politização havida na reta final do primeiro turno, que QUASE teve seqüência no segundo. E é bom deixar claro: não foi uma escolha do PSDB, não! Foi uma escolha da sociedade. Questões como o aborto e a liberdade de expressão — às quais Dilma se viu obrigada a se referir em seu primeiro pronunciamento — serviram para aproximar mais o PT de si mesmo; criaram uma justa sombra desconfiança. Justa porque ninguém atribuía ao partido e à candidata nada que não fosse de sua natureza e de sua história. A sociedade levou a disputa para o segundo turno. E a primeira pesquisa  feita depois do dia 3 indicava uma diferença de apenas 8 pontos entre os dois candidatos — acabou sendo de 12.

Aquela primeira semana era decisiva. As ruas respiravam um certo clima de virada — e se esperava que ao cruzado no queixo se seguissem outros golpes firmes da oposição. A PT ficou visivelmente aparvalhado. Antes mesmo que pudesse se reorganizar, a campanha do PSDB, reiniciada na sexta seguinte, dia 8, voltava a oferecer aquele mais do mesmo do primeiro turno: a tal maximização do minimalismo administrativista, em que o homem preparado para ser estadista se dedicava a propostas pontuais para resolver a saúde, a educação, o transporte. Em vez de a campanha embarcar na onda que estava nas ruas, quase fez o contrário: mandou todo mundo pra casa para esfriar a cabeça.

Privatização
No seu segundo programa na TV, o PT decidiu partir, ele sim, para a politização aberta e para o escracho. Não só passou a acusar os tucanos de desvios éticos por causa de Paulo Souza — se isso contou, contou pouco — como passou a pespegar nos adversários a pecha de privatistas, inventando a mentira de que, se eleito, Serra privatizaria o pré-sal e a Petrobras. A reação tucana, como escrevo num texto abaixo, foi tardia e falha. Exibiu as suas reais conquistas na área de telefonia quase com preguiça e praticamente aderiu à tese do PT de que concessão em petróleo corresponde a privatização, tentando inverter a acusação. Ora, quem consegue ser mais verossímil, mesmo mentindo, ao atribuir este suposto “defeito” ao adversário? É evidente que o caminho era outro. O PSDB foi vítima duas vezes da mesma vigarice, da mesma patacoada. Teve uma reação errada em 2006. Teve uma reação errada agora. Na segunda semana da campanha do segundo turno, o PT havia estancado o que poderia ser a sangria de votos de Dilma Rousseff.

Temas essenciais para os brasileiros — cito um óbvio: a baderna que o MST promove no campo, por exemplo — entraram na campanha na reta final, como mera ilustração de uma crítica que Serra fez ao MST em um dos debates. A politização tinha levado ao segundo turno e àquele clima de virada. E a possibilidade de vitória estava em oferecer mais política, não menos, como se fez. O administativismo tinha quase conduzido à derrota no primeiro turno. Era improvável que ajudasse a conquistar a vitória no segundo.

Para encerrar
Lula, Tarso Genro e Marco Aurélio Top Top Garcia comentaram o resultado das eleições — o presidente ainda antes do fim da votação. Foram brutais, como de hábito. Para eles, Serra perdeu porque partiu para o ataque. Bem, se é petista falando sobre tucano, então deve ser o contrário. Faltou dureza e faltou política, issso, sim! O presidente dos 83% de popularidade ganhou uma disputa, num eleitorado de quase 136 milhões de habitantes, por uma diferença pouco superior a 12 milhões de votos: menos de 9%!

Ele não imbatível, intocável ou incriticável. Com mais política, desde o começo, talvez se tivesse conseguido chegar lá. Teria chegado fatalmente? Como é que eu vou saber.  Sei o que a política fez em benefício da democracia: levou as eleições para o segundo turno e deu às oposições um oceano de votos.  Dilma e o PT já  perceberam isso. O seu discurso da vitória já incorporou o recado das urnas (comentarei a seua fala). Que a oposição tenha claro: sempre será a política!

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. No dia em que o PSDB tomar vergonha na cara, se reescrever e fizer uma oposição coerente com suas conquistas, quem sabe o Brasil pare de andar na marcha ré!

    Daqui até lá, vamos nos contentar em ver seus parlamentares alisando suas excelentíssimas cadeiras parlamentares, à custa da miséria dos miseráveis analfabetos que os sustentam...

    Porque enquanto o PT instala sua Social Ditadura Trabalhista, o PSDB se regala em seus projetos pessoais alijando-se os deveres!

    Um exemplo claro: o PNDH-3, tão combatido por vários seguimentos da sociedade, está passando embaixo de seu nariz!

    Só agora, em época de eleições, o PSDB lembrou que o SOCIAL existe... além do chavão de seu nome!

    E que decide eleições...!

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