sexta-feira, 17 de julho de 2009

31) A maneira moderna de fazer politica...

Os compadres
Editorial Folha de São Paulo, 16 de julho de 2009, p. A2

NEM TUDO saiu dentro do previsto na passagem do mandatário da República por Palmeira dos Índios, Alagoas.
O helicóptero da Presidência era muito grande para pousar próximo à barragem da qual parte uma adutora financiada pelo PAC. Aboliu-se o desembarque porque, como explicou o presidente, podia dar problema.
O plano alternativo também falhou. A ideia era demonstrar ao vivo as maravilhas da adutora a ser inaugurada. A torneira que traria água até o palanque, porém, não foi instalada. Lamentavelmente, não deu tempo de a gente fazer a obra, e a torneira não pôde chegar aqui, justificou Lula, na terra outrora governada pelo autor de Vidas Secas, Graciliano Ramos.
Dadas as circunstâncias um tanto restritivas, o presidente resolveu inaugurar algo mais abstrato: Um outro jeito de fazer política no nosso país. Antes dele, discursou, as decisões do governo eram tomadas na base do compadrio; prevalecia a política dos amigos. Lula valeu-se do fato de inaugurar obra ao lado de um governador do PSDB, Teotonio Vilela Filho, para persuadir de que os tempos mudaram.
O presidente exagerou. Todos os que já se sentaram na sua cadeira se viram compelidos a alargar seus horizontes político-partidários. A atitude faz parte do instinto de sobrevivência de todo governante e é necessária para que a democracia funcione. Mas a generosidade de Lula nesse aspecto tem sido maior que o seu helicóptero.
Ainda em Alagoas, o presidente rasgou elogios a uma notória dupla de congressistas. Quero aqui fazer justiça ao comportamento do senador Collor e do senador Renan, que têm dado uma sustentação muito grande aos trabalhos do governo no Senado. Dias antes, Lula fizera justiça ao ex-presidente José Sarney e expusera o PT a mais um vexame histórico.
O presidente da República torna-se o fiador do que há de mais retrógrado na política brasileira. Abençoa de bom grado o compadrio -bem como sua matriz, o patrimonialismo- que displicentemente afirma combater. O uso de contratos, cargos e dinheiro públicos para beneficiar amigos e parentes é o roteiro monótono do interminável escândalo do Senado. Alguns de seus protagonistas gozam da proteção de Lula.
Os modernistas inventaram a metáfora da antropofagia para designar a sua plataforma estética. Cabia devorar a tradição, como os caetés devoraram o bispo Sardinha, para dar à luz algo novo e vigoroso -no caso, uma cultura nacional. Na relação entre Lula e os velhos oligarcas, não se sabe ao certo quem é devorado e quem devora.
Parecem todos desfrutar do mesmo banquete de privilégios e mandonismo. No século 21, o presidente Lula e seus compadres dão sobrevida ao Brasil decadente retratado por Graciliano Ramos -um mundo que já deveria estar sepultado.

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Os caras... de pau
Eliane Cantanhêde
(FSP, 16.07.2009)

BRASÍLIA - Cada um tem o cara que merece. O de Barack Obama é Lula. O de Lula agora é Collor, disputado a tapa entre governo e oposição, entre Lula e os senadores José Agripino e Arthur Virgílio, nesses tempos de CPI da Petrobras. Mais uma vez, Lula não está sendo educativo, não leva em conta o efeito de suas palavras e seus atos sobre milhões, consolidando a percepção cada vez mais generalizada de que a política é uma farsa e os políticos são todos farsantes.
Os ataques contra Lula na eleição de 1989, em que até filha entrou no meio, foram uma farsa? Os ataques contra Collor nas CPIs de 1992, em que um Fiat Elba virou símbolo de escândalo, também? Tudo não passa de jogo político, de um vale-tudo sem ética, sem moral, para vencer e aniquilar o adversário?
Desvios? Corrupção? Bobagens, meros instrumentos contra adversários, peças a serem sacadas quando convém e logo esquecidos? Ídolos não precisam só fazer gols, chegar primeiro, pular mais alto, nadar mais rápido, encaçapar mais bolas, cortar mais forte nem administrar bem municípios, Estados, países. Ídolos precisam também dar exemplos. Com seus 80% de popularidade, Lula é um ídolo.
E um muito especial, que foi retirante nordestino, metalúrgico, líder sindical contra a ditadura e um dos criadores do PT -partido cujo marketing é/era ser o mais puro do país, quiçá do planeta.
Por isso, não dá para entender a teimosia de Lula, que insiste em defender o indefensável. Renan Calheiros, depois José Sarney, depois o governador que viaja para Paris com a sogra em avião pago com dinheiro público. Sem falar nos mensaleiros, aloprados, fabricantes de dossiês.
O governo Lula acaba, mas o legado dele fica. E se dissemina, como aula e como exemplo para milhões de brasileiros. Para o bem ou para o mal. Ele deveria refletir sobre isso. Para que todo o purismo dos tempos de oposição não esfarele como a mais reles farsa.

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É de embrulhar o estômago
Cláudia Lamego e Adauri Antunes Barbosa
O Globo, 16 de julho de 2009

Decepcionante. Triste. Desconfortante. Uma facada. Uma traição. Nojo.

Em poucas palavras, representantes da geração que foi às ruas em 1992 pedir o impeachment do então presidente Fernando Collor resumiram seus sentimentos ao ver nos jornais, ontem, a foto do presidente Lula abraçando o antigo adversário.

Caras-pintadas como o escritor Marcelo Moutinho, que era militante do PT à época, se disseram indignados com os elogios de Lula ao senador Collor, 17 anos depois: — É de embrulhar o estômago.

Hoje (ontem), quando vi a primeira página do GLOBO, encontrei mais um motivo para desacreditar na política. Não que fique surpreso, porque concessões, em nome do pragmatismo, até são compreensíveis. Mas há imagens simbólicas, e essa é uma delas. Pragmatismo tem limite. Há concessões que vão além do pragmático: são uma facada na própria biografia dele (Lula), e em quem acreditou nele, por consequência.

Anteontem, em Alagoas, Lula abraçou Collor e disse que precisava fazer justiça com o ex-presidente e o líder do PMDB, Renan Calheiros, que “têm dado sustentação muito grande ao governo no Senado?.

Moutinho lembra que, na época das passeatas do Fora Collor, ele tinha o cuidado de, mesmo como petista, pedir aos colegas de faculdade que não usassem o broche do partido nas manifestações.

— Meu argumento era de que aquilo não era um movimento de um só partido, mas de indignação de toda a sociedade — diz Moutinho, que tinha 20 anos em 1992.

O historiador Renato Motta Rodrigues da Silva, hoje com 38 anos, também ficou decepcionado.

Embora admita que votaria em Lula outra vez, se tivesse oportunidade, ele disse que se sente desconfortável ao ver o presidente apoiando pessoas como Collor.

— Fizemos muita mobilização pelo impeachment de Collor, que era o contraponto da nossa utopia de mudar o Brasil. Foi a última grande manifestação estudantil e política no Brasil. Ver o presidente Lula ao lado dele é muito decepcionante — diz Renato, que é carioca, mas mora atualmente em Recife e é arquivista da Universidade Federal Rural.

Para a atriz Inês Viana, que afirma ter votado “a vida inteira em Lula?, o gesto do petista é uma traição aos seus eleitores.

— Eu me sinto traidíssima e fico completamente decepcionada. O Brasil não pode esquecer tudo o que Collor fez. Dá até pânico pensar que ele pode voltar a ser eleito, e com apoio do Lula, que não precisa disso. O nosso presidente tem apoio de 80% da população, e é triste que esteja fazendo esse papel — disse a atriz, que, em 1992, estava começando a fazer teatro no Rio e integrava uma companhia dirigida por Aderbal Freire Filho.

A hoje escritora Thalita Rebouças tinha 17 anos, estava no terceiro ano do ensino médio e foi a muitas passeatas, algumas com o pai.

— Eu vestia uma camisa do Brasil, pintava a cara e ia feliz. Fui cara-pintada empolgada, e tive o maior orgulho de ir para a rua gritar pelo que eu achava ser o melhor para o país. Naquela época, acreditava que Lula podia mesmo fazer a diferença.

Quanta ingenuidade! Hoje, ao ver a foto dele com Collor nos jornais, além de revolta e nojo, eu senti uma enorme impotência.

Muito triste.

Líder dos caras-pintadas no colégio Mater Dei de São Paulo em 1992, Alexandre Sayad disse que achou a foto “bárbara?: — Ela é muito simbólica do que acontece hoje na política.

Também com 17 anos na época, o carioca Carlos Zambrotti analisou: — Em Alagoas, o Lula tinha que elogiar o Collor. Acho que ele até ficou um pouco constrangido.

Mas isso mostra que não existe aquela coisa de direita e de esquerda que tinha antes.

O que existe é a briga pelo montinho, quem vai ficar com o montinho.

Segundo ele, que tem 34 anos, todos de sua família votavam em Collor na época, o que não o desanimou a participar do movimento dos caras-pintadas, uma experiência que considerou fundamental em sua vida.

Procurado, o hoje prefeito de Nova Iguaçu, o petista Lindberg Farias, um dos líderes dos caras-pintadas na época, não retornou as ligações do GLOBO.

No dia 13 de dezembro de 1994, os jornais estamparam a repercussão da absolvição de Collor pelo STF — ele já tinha sido afastado pelo impeachment no Congresso. Lula, que tinha sido derrotado por Collor, dizia: “Como cidadão brasileiro que tanto lutou para fazer a ética prevalecer na política, estou frustrado, possivelmente como milhões de brasileiros. Só espero que, na esteira da maracutaia da anistia para Humberto Lucena (ex-presidente do Senado envolvido em caso de impressão irregular de panfletos na gráfica da instituição), não apareça um trambiqueiro querendo anistiar Collor da condenação imposta pelo Senado?.

COLABOROU: Marita Boos

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