Este artigo foi escrito na quinta-feira, 28.10.2010, antes, portanto, de qualquer resultado eleitoral.
Mais mediocridade ainda?
Marcelo de Paiva Abreu*
O Estado de São Paulo, segunda-feira, 1.12.2010
Vai haver muita celebração pós-eleitoral, tanto da vitória na eleição de ontem quanto do espetáculo da terceira maior democracia do mundo em ação. Mas o fato é que as eleições presidenciais levaram muitos eleitores ao desalento. Boa parte do eleitorado se viu obrigado a escolher o candidato menos insatisfatório. As campanhas foram de baixo nível, centradas na troca de acusações. O processo eleitoral foi marcado por inaceitável interferência do presidente da República, sob os olhares complacentes da Justiça Eleitoral. Somada à também inaceitável indefinição jurídica cercando a questão dos candidatos sem ficha limpa, produziu um balanço algo melancólico quanto à atuação do Poder Judiciário no processo eleitoral.
Houve lamentável nivelamento por baixo de propostas demagógicas. Para os dois candidatos, privatização virou pecado mortal e a ação do Estado passou a ser eficiente por definição. Ambos se equipararam quanto à irresponsabilidade fiscal. A candidata da situação por ter a sua candidatura imersa em verdadeira farra fiscal promovida pelo governo com nítidos objetivos eleitoreiros. O candidato da oposição, ventilando promessas irresponsáveis em relação a salários, aposentadorias e ao programa Bolsa-Família.
Ainda mais grave foi a falta de programas de governo minimamente detalhados pelos dois candidatos. Omissão surpreendentemente endossada, com algum entusiasmo, por significativos representantes das elites do País. O presidente de um dos maiores bancos do País, por exemplo, criticou quem defendia urgência na realização de reformas estruturais tais como a tributária, a trabalhista e a previdenciária, pois o custo seria muito grande, "o País pararia". Reformas "pontuais" resolveriam a questão e permitiriam que o Brasil crescesse 7% ao ano. Talvez mais do mesmo possa ser satisfatório do ponto de vista do clima de negócios no curto prazo, mas há muitos que consideram imprudente adiar as reformas necessárias à remoção dos obstáculos que estrangulam o crescimento econômico e a melhoria das condições de vida no Brasil.
A reiterada eleição de lideranças políticas de qualidade insatisfatória apenas sublinha quão crucial é a reforma política como objetivo de longo prazo. Qualquer esforço sustentado quanto ao controle da corrupção, em todas as suas manifestações, requer, como condição necessária, a recuperação da abalada reputação do Congresso Nacional e a redução do escopo para as práticas fisiológicas hoje predominantes.
Embora haja, naturalmente, divergências quanto ao resultado final das grandes reformas, cabem poucas dúvidas quanto ao cardápio básico. Reforma do regime tributário e redefinição da política de gastos públicos devem assegurar a redução da participação do crédito público nos financiamentos de longo prazo, frear o aumento contínuo da carga tributária e viabilizar o aumento gradual da poupança pública, elemento essencial para que se expandam os investimentos sem aumento da vulnerabilidade externa. Isso possibilitará a redução da taxa de juros de referência, sem ameaça aos objetivos de estabilização, e aliviará as pressões para a apreciação do real.
É essencial a reversão da mudança de postura do governo Lula, no seu segundo mandato, quanto a gastos públicos e que se recupere a credibilidade dos indicadores relativos a finanças públicas, hoje abalada pelo uso reiterado de truques pueris. E é importante, também, ir mais além, enfrentando o espinhoso rearranjo das finanças previdenciárias, inclusive do setor público, para que se abra espaço para a sustentação das políticas de transferência de renda.
A discussão sobre o papel do Estado na economia deve levar em conta critérios objetivos, e não ser baseada em declarações peremptórias de patriotismo. Isso inclui exorcizar o diagnóstico rudimentar de que privatizar é necessariamente impatriótico. As carências da infraestrutura são gritantes e requerem a mobilização efetiva do setor privado. Tão importante quanto assegurar a eficiência da ação do Estado, inclusive no terreno econômico, é regular a concorrência, por meio da ação de agências reguladoras. Segmento em que certamente houve retrocesso significativo nos últimos oito anos.
O desafio em relação ao aumento de produtividade afeta não apenas a provisão de serviços essenciais ao bem-estar do cidadão, tais como saúde, educação e justiça, mas também o uso de incentivos adequados à inovação no setor privado e a reavaliação da eficácia da provisão de crédito público subsidiado.
Aos políticos cabe negociar a distribuição de recursos tendo em vista objetivos conflitantes, dadas as limitações orçamentárias. Afinal de contas, governar é escolher. Mas o que vem à lembrança é a história contada por Churchill sobre a discussão a respeito de quantos encouraçados seriam construídos para a Marinha Real, em 1909: "Os almirantes queriam seis; os economistas, quatro; finalmente, concordou-se em construir oito." O que se vislumbra no futuro parece ter muito mais que ver com "pau na máquina" do que com "governar é escolher".
*Doutor em Economia pela Universidade de Cambridge, é professor titular do Departamento de Economia da PUC-Rio
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário