Qual é o futuro da oposição? Sair do armário. Ou não tem futuro.
Reinaldo Azevedo, 1.11.2010
Começo este texto pela ressalva: qualquer comentário que não leve em conta a truculência oficial no processo eleitoral será sempre manco. Nunca se viu uso tão descarado da máquina pública em favor de uma candidatura. O desassombro com que o presidente Lula renunciou a qualquer resquício de decoro, à tal liturgia do cargo, para se entregar ao bate-boca eleitoral é certamente inédito. Nunca se viu uma agenda administrativa tão colada à agenda eleitoral e partidária. Até mesmo o anúncio de uma possível nova reserva gigante de petróleo no pré-sal - que pode conter “x” bilhões de barris ou “5x” - se fez de acordo com as exigências do calendário político: dois dias antes da eleição. E assim se fez quando a peça da resistência da campanha eleitoral petista era justamente a suposta, porque falsa, intenção dos tucanos de privatizar a Petrobras e o pré-sal. A ressalva se estende por mais um parágrafo ainda, antes que retome o fio da primeira linha.
Nunca antes nestepaiz se viu tanta sujeira numa campanha. Já na largada, descobriu-se um verdadeiro bunker montado em Brasília destinado à produção de dossiês. Constatou-se, o que endossou as acusações de Serra, que o sigilo fiscal de tucanos e de familiares do candidato havia sido violado. Em todos os casos, as digitais do petismo se fizeram presentes. No bate-boca eleitoral, atribuiu-se, com a colaboração de setores da imprensa - o que é fabuloso -, o jogo bruto à vítima. Isso também é inédito Feitas as ressalvas, retomemos o fio.
Há pelo menos oito anos, esta que se chama hoje oposição é refém da narrativa que o PT inventou para ela. As três campanhas eleitorais tucanas - 2002, 2006 e 2010 - mostraram-se incapazes de responder à vaga de desqualificação do petismo. Nem mesmo se pode dizer que consegue ser apenas reativa porque nem a isso chega. Ao contrário até: faz um enorme esforço para mudar de assunto. E a estratégia tem falhado reiteradamente. Disputou com candidatos ruins? De jeito nenhum! José Serra e Geraldo Alckmin eram personagens eleitoralmente viáveis. O problema é de outra natureza. Parece haver um erro básico de leitura da realidade.
Tenho pra mim que há três eleições pelo menos os tucanos se tornaram reféns também de pesquisas qualitativas: em 2002, o fantasma era a “impopularidade” de FHC, o que fez com que a campanha da oposição tentasse se descolar do governo - governo que tinha, sim, passado pela crise energética em 2001, mas que reunia méritos gigantescos, muitos deles então frescos na cabeça do eleitor. Mas as pesquisas diziam: “Não toquem no nome de FHC pelo amor de Deus!”. E o governo que havia estabilizado a economia, domado a inflação, tirado muitos milhões da miséria, inaugurado os programas sociais que viraram o Bolsa Família, bem, aquele governo parecia um anátema.
Em 2006, com Geraldo Alckmin candidato, o PSDB insistiu no mesmo erro básico - medo de sua história. Às mistificações do lulo-petismo, respondeu com o que chamo “maximização do mínimalismo administrativista”, erro, entendo, reiterado desta vez. O fantasma da privatização, brandido de novo pelo petismo, é um bom emblema. O marketing tucano caiu duas vezes no mesmo truque, tropeçou duas vezes na mesma pedra, permitiu que João Santana risse duas vezes da mesma piada.
Ora, é falso, mentiroso, mistificação barata, sustentar duas coisas, a saber: a) que a concessão de áreas para a exploração de petróleo seja privatização; b) que os tucanos queriam privatizar a Petrobras e o pré-sal. Mas qual foi a reação, TARDIA, da propaganda do PSDB na TV? Agasalhar a tese de que concessão é privatização; tomar a privatização com um malefício e depois devolver a acusação: “Quem fez, sei lá, 108 ‘privatizações’ foi a Dilma”. Ou seja: tentou falar a linguagem do inimigo, aderir à sua racionalidade vigarista, para tentar inverter o jogo. Em nenhum momento os programas eleitorais do PSDB se lembraram de INFORMAR aos eleitores que, quando FHC chegou ao poder, o Brasil produzia 700 mil barris de petróleo por dia; quando ele deixou o governo, em 2002, o país produzia 1,4 milhão de barris - o dobro. No governo Lula, o aumento da produção foi de 50%.
Não quero me ater neste texto aos muitos erros do horário eleitoral. Até porque esses poucos que citei servem apenas para ilustrar uma tese: se quer voltar ao poder federal, a oposição terá, em primeiro lugar, de se tonar senhora de sua própria história, recolocando os fatos em seu devido lugar. E terá de enfrentar o lulo-petismo sem receio - terá de enfrentar, inclusive, o mito do “Lula intocável”. Porque os números,ao contrário do que rezam as aparências, demonstram que isso também é falso, o que fica para outro texto.
Desde já
Se as atuais oposições pretendem voltar ao poder em 2015, vencendo, pois, as eleições de 2014, têm de começar a enfrentar o governo desde já - ou, vá lá, a partir de 2 de janeiro de 2011.Assim se faz nas grandes democracias do mundo. Barack Obama estava no poder havia 15 dias, e o odiado Dick Cheney deu o grito de guerra. Alguns chegaram a dizer que ele estava enterrando o Partido Republicano. É mesmo? Pois os republicanos estão prestes a tomar de Obama a maioria no Senado e na Câmara. E olhem que, em matéria de mito, o presidente americano dá surra em qualquer um.
De fato, foram oito anos de quase não-oposição - essa é a verdade. E não se consegue despertar para esse mister nos quatro ou cinco meses que antecedem uma eleição. Nesse tempo, o PT contou a história como bem quis. “Então você sugere que os tucanos digam ‘não’ ao governo mesmo quando a proposta é boa, seguindo o modelo petista?” Não! Eu sugiro que os tucanos, democratas e quantos se oponham ao PT - desde que não seja optando pela extrema esquerda, claro! - tentem apresentar sempre propostas MELHORES. E que não tenha receio de ter a sua agenda. É difícil? Claro que sim! Mas precisa ser feito.
Dilma, agora, vai procurar a conciliação. É da natureza do jogo. A conversa é a de sempre: “Os interesses do país pedem etc e tal”. O próprio Lula se lembrará de ser um “conciliador”, convocando os homens que querem o bem do Brasil… Até a próxima disputa. Se os oposicionistas caírem na conversa da tal “agenda comum”, serão jantados de novo daqui a pouco.
Agenda comum?
Como sempre, o começo do governo será pautado pela urgência da reforma política, da reforma tributária, da reforma trabalhista - as reformas, enfim, que todos dizem querer fazer e que acabam não sendo feitas. O governo Dilma terá maioria esmagadora na Câmara e no Senado. Mas sabemos todos que essa maioria nominal não diz muita coisa a depender do tema. Sim, a oposição tem de ter as suas próprias propostas e brigar muito por elas no detalhe, comparecendo para o debate.
Quem quer que vá liderar esse trabalho tem de se mostrar como uma alternativa de poder, não como linha auxiliar do governo, o que o PSDB demonstrou ser muitas vezes. Isso não impediu, como se viu em 2006 e 2010, o eficiente trabalho de satanização promovido pelo PT. Considerados os governos dos estados, e ainda escreverei mais a respeito, as oposições governarão praticamente a metade da população e, vou fazer as contas, mais de 60% do PIB. Têm um base formidável para traçar as coordenadas de seu futuro. E, curiosamente, o seu futuro tem de começar por não ter medo do seu passado, que tem de ser libertado do cativeiro em que o prendeu o PT.
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