sexta-feira, 27 de novembro de 2009

177) Campanha eleitoral clandestina (ou aberta?)

Lula e Dilma inauguram obra inacabada
Chico de Gois
O Globo, 27.11.2009

Num palanque em clima de campanha, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva inaugurou, ao lado da ministrachefe da Casa Civil e pré-candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, o gasoduto Urucu-Coari-Manaus, da Petrobras — obra que só funcionará plenamente em setembro do ano que vem. Com capacidade para transportar 5,5 milhões de metros cúbicos de gás por dia, ontem apenas 77 mil metros cúbicos, o equivalente a 1,6%, começaram a ser aproveitados.

Em junho de 2006, Lula acompanhou o início das obras do gasoduto.

Depois esteve lá em setembro de 2008, para visitar aos obras. Ontem, inaugurou o gasoduto, ainda não totalmente em operação, e já marcou nova visita para outubro de 2010, quando se espera que estará operando com sua capacidade total.

Na hora de descerrar a placa de inauguração do gasoduto, Lula fez questão de levar Dilma para o lado dele, e o nome da ministra foi gritado pela claque organizada, que a aplaudiu muito. Em discurso, Dilma defendeu com ênfase a continuidade do governo Lula. Destacou o que chamou de avanços de seu governo, como redução da pobreza e o acesso a universidades por estudantes que antes não tinham condições de pagar uma faculdade particular. A ministra foi recebida pela plateia, composta, em sua maioria, por sindicalistas e funcionários da Petrobras, aos gritos de “Dilma, Dilma, Dilma”.

— Sabemos que o governo do presidente Lula significa uma mudança no caminho que o Brasil vinha trilhando no passado — discursou, sem citar nomes de ex-presidentes.

— E nós todos juntos temos a missão, a obrigação e o dever de fazer esse projeto continuar.

O gasoduto tem 661 quilômetros de extensão. Faltam ser construídas tubulações para levar o gás às termelétricas, além da troca de motores das usinas. No total, oito usinas vão utilizar o gás em substituição ao diesel e ao óleo combustível para geração de energia. A conversão da troca da matriz energética deve ser concluída até setembro, de forma gradual.

Lula, ao dizer que voltará a Manaus em setembro do ano que vem para inaugurar o término da substituição do óleo diesel pelo gás nas usinas da região, lembrou que Dilma, que deverá ser candidata, não poderá estar ao lado dele.

— O Eduardo (Braga, governador do Amazonas) não vai estar, porque é candidato, o Alfredo (Nascimento, ministro dos Transportes) não vai estar, porque acho que é candidato, a Dilma não vai estar, porque acho que é candidata. Mas eu não sou candidato, estarei aqui para apertar o botão de todas as empresas, usando gás na energia elétrica deste estado.

O presidente Lula também voltou a atacar os adversários.

— O dado concreto é que é importante dizer, em alto e bom som, aos descrentes deste país, aos que passam a vida inteira torcendo para as coisas não darem certo: mais uma vez conseguimos vencer aqueles que apostam no retrocesso deste país — afirmou, sem citar nomes. — Tem gente que é tão azeda, tão invejosa, tem gente que torce tanto para as coisas não darem certo, que é como se fosse um casal que não tem filhos, em vez de procurar um médico para se tratar, ficam olhando o casal vizinho e, quando o casal vizinho tem um filho, eles falam: “tudo bem, nasceu, mas nem falar, fala, só chora. Não sabe nem se limpar sozinho, tem que a mãe limpar ele quando faz suas necessidades”.

O discurso de Lula foi uma resposta ao fato de a obra inaugurada por ele ontem ainda não funcionar plenamente. Lembrou que o gás foi descoberto em 1986, mas a obra do gasoduto só começou 20 anos depois, em seu governo.

— Com essa obra, está acontecendo a mesma coisa. É como se fosse um filho meu, do Eduardo Braga, do Gabrielli, da Dilma. E quem não conseguiu, em um parto normal, parir esse gasoduto, está do lado de fora morrendo de inveja e querendo fazer todas as críticas.

Presidente promete que voltará a visitar obra no ano que vem A obra faz parte do Programa de Aceleração do Crescimento e tem sete ramais para atender as cidades de Coari, Codajás, Anori, Anamã, Caapiranga, Manacapuru e Iranduba, com 140 quilômetros de extensão. Só as termoelétricas que atendem Manaus têm consumo anual de 1,2 bilhão de litros de óleo combustível e óleo diesel.

Ontem, depois de dizer que voltará lá em outubro do ano que vem para inaugurar o resto da obra, Lula cobrou dos empresários a conclusão até setembro.

— Eu quero deixar claro aqui, aos meus queridos companheiros da Petrobras, aos da Eletrobrás, que não venham no dia 1ode outubro dizer que não deu para fazer a mudança, porque vai ter que mudar de óleo combustível para gás até setembro — afirmou. — Portanto, não é uma coisa voluntária, é uma decisão do governo.

E estocou os empresários, dizendo que já ganharam muito dinheiro: — Estou avisando, e quero ser claro e objetivo, para ninguém dizer que tenho duas caras. Certamente, alguns companheiros empresários ganharam muito dinheiro com o óleo combustível, e talvez não tenham mais interesse.

Quero reafirmar que não é interesse pessoal de nenhum empresário, é interesse estratégico do Estado.

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Dilma age como candidata em Manaus
Raymundo Costa
Valor Econômico, 27.11.2009

No momento em que o tucano José Serra desencadeou uma ofensiva para consolidar sua posição de favorito à indicação do PSDB, a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) virtualmente assumiu sua candidatura a presidente ontem, na inauguração do gasoduto Urucu-Coari-Manaus - 661 quilômetros de tubulações incrustadas em meio à densa selva amazônica.

Fazia um calor de 41 graus quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva acionou a válvula que levará o gás de Urucu a Manaus e já chega a oito cidades amazônicas por meio de uma rede de 140 quilômetros de ramais. Mas só 1,6% da produção (77 mil m3/dia), inicialmente. Em janeiro de 2010 é que serão alcançados 253 mil m3/dia.

O gasoduto tem capacidade inicial para transportar 4,1 milhões de m3/dia e deve chegar a 5,5 milhões em setembro de 2010, quando terão sido transformados os motores das termelétricas a diesel que atualmente abastecem a região. É pouco, portanto, o uso imediato de Urucu. Mas a inauguração do gasoduto é uma das primeiras grandes obras inauguradas pelo presidente Lula - começada e terminada em seu mandato. Além disso trata-se de uma obra da Petrobras, empresa que teve Dilma Rousseff no comando, quando a atual chefe da Casa Civil era ministra das Minas e Energia. Panfletos que circularam em Manaus sob o título O Gás é Nosso - referência à campanha nacionalista do petróleo nos anos 50 - destacavam o papel que a ministra desempenhou para a execução de uma obra prometida e nunca cumprida por quatro presidentes da República - José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, em seus dois mandatos.

Dilma vestia uma camiseta branca adequada ao forte calor, enquanto Lula secava repetidamente o rosto. A ministra fez um discurso tecnocrático, mas que encadeava as ideias de modo a comparar as duas últimas gestões que passaram pelo Planalto - a de Lula, atual, e a dos oito anos de FHC - de modo a permitir o desfecho com a apresentação de sua candidatura: Nós sabemos que o governo do presidente Lula significa um mudança no caminho que o Brasil vinha trilhando no passado, disse Dilma, após falar de outros temas que nada tinham em comum com o gasoduto, como educação e a rede de segurança social. E nós todos juntos temos a missão, a obrigação e o dever de fazer esse projeto continuar, de fazer esse projeto avançar.

Dilma agiu com a desenvoltura de candidato. Cumprimentou os convidados da Petrobras para o evento, recebeu cartas e bilhetinhos da plateia e enumerou uma a uma as autoridades presentes no palanque, inclusive, nominalmente, os sete prefeitos da região beneficiada pela obra que estavam presentes. Permitiu-se inclusive a uma troca de beijinhos protocolares com o prefeito de Manaus, Amazonino Mendes, um ex-pefelista agora no PTB (partido aliado) que, na véspera, escapara da perda do mandato por compra de votos em um julgamento por apenas um voto de diferença O presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, também atribuiu à determinação da ministra a conclusão da obra já prometida por outros presidentes, no passado. O governador do Amazonas, Eduardo Braga (PMDB) classificou a ministra de uma brasileira especial. A cada uma dessas intervenções Dilma era aplaudida pelos convidados e populares presentes.

O presidente Lula disse que voltará em setembro de 2010 a Manaus para inaugurar o efetivo uso de gás pelas termelétricas amazônicas, uma das grandes responsáveis pela emissão de gases responsáveis pelo efeito estufa. E fez questão de lembrar que nem o governador Eduardo Braga nem o ministro Alfredo Nascimento estariam presentes porque serão candidatos a cargos eletivos - Braga ao Senado, e Nascimento, provavelmente, ao governo estadual.

O Eduardo não vai estar, porque é candidato, o Alfredo não vai estar, porque acho que é candidato, a Dilma não vai estar, porque acho que é candidata. Mas eu não sou candidato, esta rei aqui para apertar o botão de todas as empresas, usando gás na energia elétrica deste Estado, disse o presidente. Nas viagens-comícios que tem realizado com Dilma o presidente Lula sempre fez referência à candidatura de sua ministra. Mas esta foi a primeira vez que a própria Dilma falou com ênfase sobre o projeto sucessório do PT e tratou de se comportar como candidata em campanha, no limite permitido pela legislação. Como candidata bem treinada, Dilma conseguiu sair a contento de situações constrangedoras. Uma delas: agora no PTB, o prefeito Amazonino Mendes é um aliado do governo federal. Durante o ato de inauguração foi sistematicamente vaiado e chamado de mentiroso pela plateia, que além de funcionários da Petrobras e populares, tinha também uma trupe do PCdoB.

Um coro de não dá não se seguiu a um pedido de Amazonino por verbas para Manaus. Quando falou, Dilma apenas fez referência à parceria com a prefeitura da cidade. E ouviu a vaia que se seguiu a Amazonino, impassível, sem mover um músculo. Lula também ironizou Caetano Veloso quando usou a expressão en passant, durante seu discurso -o Caetano deveria ouvir eu dizer isso - e por mais de uma vez falou dos invejosos que não querem que o país dê certo, uma alusão nada velada ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Quem não conseguiu, de forma saudável, em um parto normal, parir esse gasoduto, está do lado de fora morrendo de inveja e querendo fazer todas as críticas possíveis e impossíveis.

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