Vacina democrática
Antonio Machado - Brasil S/A
Correio Braziliense, Sexta-feira, 27 de novembro de 2009
Ninguém é maluco para recusar o desconto ou a desoneração do IPI que o governo tem aplicado sobre o preço final de alguns produtos, como carro, geladeira, máquina de lavar, material de construção e agora móveis. Embora necessários, impostos provocam engulhos.
Não por acaso, a arrecadação tributária costuma ser um dos temas mais vigiados onde quer que haja democracia — e o seu orçamento anual, com força legal, é a única lei que nenhum Parlamento pode deixar de apreciar a cada ano. Aliás, surgiram com tal propósito: impor limites ao poder absoluto dos reis para tributar e gastar.
O que cabe considerar quanto aos atuais benefícios fiscais é se a sua motivação atende à sabedoria econômica ou à astúcia política. No fim de 2008, com os pátios lotados das montadoras, o IPI menor foi crucial para escoar a produção e sustar uma onda de demissões.
Hoje, com a normalidade do crédito, montadoras voltando a operar em três turnos, importações crescentes de carros e certos tipos de bens duráveis também beneficiados com o desconto de IPI começando a faltar no comércio, como fogões, geladeiras e máquinas de lavar roupa, a construção civil aquecida, o benefício fiscal sob a capa de medida anticíclica contra a recessão perdeu sentido.
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, introduziu motivos novos. O da hora insere a questão ambiental na fiscal. A redução do IPI se aplica agora a produtos menos poluentes, como carros flex e bens duráveis com baixo consumo de energia — candidatos a um selo verde ainda não bem definido. Mas também tal motivo é questionável.
Carros flex já fazem 89% das vendas de veículos zero no país. Os eletrodomésticos mais econômicos e livres, no caso de geladeiras e ar condicionado, do gás de refrigeração nocivo à camada de ozônio são iniciativas antigas, decorrentes de normas internacionais. Não há o que incentivar o que há anos é obrigação para a indústria.
O ministro apresentou um motivo adicional para a continuidade dos incentivos: “Estamos dizendo às empresas que invistam no Brasil, que haverá mercado. É este o sinal”. A ser assim, no entanto, tais benefícios deveriam ser duradouros, não breves como um trimestre.
Outra possibilidade seria dar à indústria uma saída organizada ao fim do incentivo, mas isso estava no cronograma, e seria depois de janeiro, em conta-gotas e com a economia se acelerando em 2010. O que há, de fato, como razão consistente para a generosidade fiscal é a preocupação do governo com o lucro eleitoral do favor fiscal.
A mão à palmatória
A razão eleitoral é legítima, embora contraproducente se assumida frontalmente pelo governo, ainda mais por envolver um imposto cuja arrecadação é compartilhada com os estados. À parte as explicações do ministro da Fazenda, para não dar a mão à palmatória, o que há a considerar é a implicação da medida para os resultados fiscais.
A conta da perda não é imediata, menos IPI, menos receita, já que o aumento das vendas expande a arrecadação de outros impostos. Mas é possível que tal receita faça falta ao orçamento fiscal de 2010, em fase de discussão final no Congresso para ir a voto. Ele traz a previsão de deficit nominal maior que o de deste ano. E deficit é financiado com dívida pública, remunerada com a taxa Selic.
BC está de vigília
Outra questão derivada da gentileza fiscal do governo se liga ao ritmo de crescimento da economia. Se tomar força, como tomará, já que se prevê crescimento mínimo de 5% do Produto Interno Bruto em 2010, o Banco Central pode ser tentado a mover a Selic, parada em 8,75%. Muita gente banca tal aposta. Recente relatório do Goldman Sachs, que discutiremos noutra coluna, prevê a volta do aperto dos depósitos compulsórios a níveis pouco abaixo do que estavam antes da crise e reinício da engorda da Selic em abril, chegando a 12,5% em outubro. Pôr lenha na fogueira do consumo atiça esse cenário.
A revolução fiscal
Tantas dúvidas sobre a manipulação da carga tributária e arbítrio dos governantes para gastar explicam por que ordena a Constituição no Parágrafo 5º do Artigo nº 150 que “a lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidem sobre mercadorias e serviços”. Está pronto para ir a voto na Câmara projeto do Senado que regulamenta tal dispositivo.
Trata-se de dar publicidade aos impostos embutidos nos preços de tudo. Será uma revolução fiscal: o cidadão saber quanto lhe custa o Estado e lhe impõe o governo. Nos EUA, na Europa é assim. O voto tem mais valor quando o eleitor sabe quanto paga de imposto.
Silêncio suspeito
Surpreende o silêncio do PT em relação ao projeto que regulamenta a transparência dos impostos, autoria do senador Renan Calheiros (PMDB-AL). O PT introduziu no país a “administração participativa” —– para a qual é essencial que a sociedade saiba quanto recolhe de impostos. Um humilde chinelo, por exemplo, recolhe 45%. Conta de Luz, 89%, de telefone, 86%. Até para casar há imposto: 20,38%.
Tal lei pode redimir a imagem pública do senador Renan. Empresas, que repassam quaisquer impostos, têm a oportunidade para mostrar o que encarece o que vendem. Nem se trata de inovar: a transparência já é obrigação constitucional. A quem interessa não cumpri-la?
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