terça-feira, 29 de junho de 2010

Inversao de agendas: a situacao assumiu, a oposicao divergiu

Inacreditável: a candidata situacionista, ou governista, assumiu plenamente a política econômica do governo anterior (com todas as contradições de suas posição pessoal esquizofrênica), e o candidato da oposição se distancia das políticas que garantiram, até aqui, a estabilidade econômica.
Parece que vivemos num mundo al revés...

O fator Palocci
Merval Pereira
O Globo, 28.06.2010

Uma das maiores incógnitas dessa campanha é qual será a função do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci num eventual governo Dilma Rousseff. Colocado como um dos coordenadores da campanha oficial pelo próprio presidente Lula, Palocci vem assumindo importância cada vez maior como avalista de posições ortodoxas na economia, especialmente no contato com empresários.

Palocci vai além de tentar convencer os indecisos, ou mesmo os que tendem a votar em Serra, dos compromissos de Dilma com o tripé que sustenta a política econômica que vem desde o segundo governo de Fernando Henrique: câmbio flutuante, equilíbrio fiscal (superávit primário) e metas de inflação, com um Banco Central operacionalmente independente.

O ex-ministro, com frequência, alerta os empresários para o que seria o "risco Serra" que estaria embutido no que classifica de visão intervencionista do candidato tucano — que não se cansa de insinuar que, em um governo seu, o Banco Central não terá uma autonomia tão grande quanto vem tendo nos últimos anos.

Também as críticas de Serra quanto ao câmbio, que agradam muito aos exportadores que sofrem com a valorização do real, levam os governistas a apontarem riscos de uma intervenção governamental no câmbio.

Em ambos os casos, Serra insiste em que não haverá intervenção de seu governo para criar situações artificiais, mas uma política econômica harmônica que levará a uma situação de equilíbrio que não obrigará o governo a pagar altos juros para o investidor.

Assim como o governo usa Palocci para sinalizar sua postura, Serra tem usado o nome do ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga como exemplo de economista que gostaria de ter em sua equipe.

Essa é uma discussão técnica que não dá um voto na maioria da população, mas que é fundamental para um tipo de eleitor formador de opinião e a classe média, que sempre rejeitaram posturas heterodoxas petistas, a ponto de terem obrigado Lula, em 2002, a assinar a "Carta aos Brasileiros", assumindo o compromisso de manter a política econômica de Fernando Henrique.

Por outro lado, o candidato tucano, José Serra, tem fama de ser um grande gestor público, especialista em manter o equilíbrio fiscal com ganho de produtividade e corte do gasto público.

A decisão de Lula de colar Palocci na candidatura de Dilma se deveu justamente ao temor de que esse público rejeitasse a candidatura de Dilma por ela ter se colocado como o "contraponto" a Palocci quando este estava no Ministério da Fazenda e ela, no Gabinete Civil.

A famosa discussão entre os dois — quando Dilma, em uma entrevista ao "Estadão" em 2005, classificou de "rudimentar" a proposta que ele e o ministro Paulo Bernardo, do Planejamento, faziam de limitar a longo prazo o crescimento do gasto público ao crescimento do PIB — marcou-a como defensora da gastança governamental: "Despesa corrente é vida", disse Dilma na ocasião.

O papel do Estado em um futuro governo Dilma também é uma definição importante, e tanto ela quanto o governo Lula têm sido criticados pela visão de que, com a crise financeira de 2008, o Estado tem que ter necessariamente seu papel aumentado.

A influente revista inglesa "The Economist" critica o "capitalismo de Estado" do governo Lula, reforçado na segunda metade de seu segundo mandato, e atribui a mudança à predominância da visão da ministra Dilma Rousseff com a saída de Palocci.

Como aluna disciplinada, a candidata oficial vem repetindo em palestras para empresários, especialmente estrangeiros, o que o ex-ministro Antonio Palocci lhe orienta.

Ela ainda não chegou ao ponto de dizer, como Palocci sempre disse em conversas informais, que seu antecessor na Fazenda, Pedro Malan, merecia uma estátua por duas medidas adotadas: a renegociação das dívidas dos estados e a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Mas, ao contrário de seu discurso para o público interno, quando insiste na tese da "herança maldita" deixada pelos oito anos do governo de Fernando Henrique Cardoso, no exterior ela é só elogios para a política econômica.

Recentemente, na festa que homenageou como Homem do Ano o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles — outro que Lula tentou colar em Dilma como seu vice — , ela atribuiu o sucesso econômico do país aos últimos 20 anos de continuidade das políticas.

E não é apenas em questões de macroeconomia que ela diz o que o interlocutor quer ouvir. Também com relação a questões políticas delicadas, que têm repercussão na economia, como a ação do MST, ela se desdiz em público.

Recentemente, em Uberlândia, Minas Gerais, ela se colocou contra "qualquer ilegalidade cometida pelo Movimento dos Sem Terra ou qualquer outro movimento".

E foi específica, referindo-se a problemas que os fazendeiros da região, importante para o agronegócio, enfrentam: "Invasão de terra, invasão de campo de pesquisa, invasão de prédio público é ilegalidade".

Mas não se passaram 24 horas e lá estava Dilma com um chapéu do MST na cabeça, fazendo um discurso para os "companheiros" em Sergipe.

A candidata oficial, portanto, vem sendo reconstruída em público não apenas fisicamente, mas, sobretudo, em termos ideológicos.

O economista da PUC do Rio Rogério Werneck, em artigo na página de Opinião do GLOBO, comparou o trabalho de transformação de Dilma ao do professor Henry Higgins na célebre peça "Pigmaleão", de Bernard Shaw, tentando transformar a florista Eliza Doolittle em uma grande dama. E duvidou que Palocci obtenha êxito.

A pergunta que não quer calar é qual a verdadeira Dilma que eventualmente assumirá a Presidência da República: a candidata-laranja de Lula que segue a orientação de Palocci, ou a integrante da ala radical do PT, intervencionista e estatizante?

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Mato sem cachorro
Marcelo de Paiva Abreu*
O Estado de São Paulo, segunda-feira, 28.6.2020

A semana passada foi bastante adversa para a candidatura de José Serra à Presidência da República. Pela primeira vez Dilma Rousseff passou a liderar as pesquisas de opinião, explicitando o que já era sabido sobre a combinação da popularidade do presidente Lula com a eficácia na transferência de votos para a sua candidata. Mas não foi essa a única má notícia para a candidatura Serra.

Há muitas razões para questionar a candidatura Rousseff: desejável alternância de poder, que criaria condições para desmontar, ao menos parcialmente, o aparelhamento da máquina pública; a limitada legitimidade política da candidata, em vista de sua falta de exposição prévia a processos eleitorais; as carências pessoais da candidata e seu estilo baseado na crença na substituição persistente da competência pela veemência.

Tal questionamento poderia ser ainda aprofundado pelo contraste entre programas alternativos de governo. Tarefa que seria, em princípio, facilitada pela pouco verossímil conversão de Dilma Rousseff às virtudes de uma política econômica prudente e quanto ao papel do Banco Central. Para não falar das ideias extremadas da candidata quanto às vantagens da ação do Estado na esfera econômica.

A entrevista de José Serra no programa Roda Viva, na segunda-feira passada, foi, contudo, outra má notícia para a oposição. Por estranho que pareça, é exatamente quando trata de assuntos econômicos - tema no qual se crê especialista - que o candidato expõe opiniões claramente equivocadas.

Evidenciando fixação algo doentia, retomou o tema Banco Central, repetindo críticas que já havia feito em relação a alegados erros da política monetária, na esteira da crise econômica mundial. Em nenhum momento foi mencionado que, segundo a legislação vigente, o Banco Central tem como objetivo manter a inflação sob controle, pautado por metas fixadas pelo Conselho Monetário Nacional. A preocupação fundamental do candidato seria o câmbio apreciado. Quando perguntado sobre qual deveria ser a política para enfrentar a entrada de capitais externos, dedicou-se a explicar as diferenças entre capital produtivo e especulativo, como se tal contraste fosse relevante do ponto de vista do impacto sobre a taxa de câmbio. O problema seria resolvido, segundo o candidato, "numa nice". O candidato não elucidou o que isso significava nesse contexto específico...

Nas críticas à atuação do Banco Central do Brasil, ocupou lugar proeminente o contraste com o banco central chileno. Lá, segundo Serra, não há política "cucaracha" (sic), como aqui, pois o ministro da Fazenda participa das decisões relativas à política monetária. Mas quase tudo o que se sabe sobre o arranjo institucional chileno contraria as afirmações do candidato. O ministro da Fazenda do Chile de fato tem voz, mas não voto, em tais reuniões. Além disso, os diretores do Banco Central do Chile têm mandato fixo e a definição das metas inflacionárias e da política cambial cabe ao próprio banco.

Pelo que se pode depreender das críticas de Serra, o regime que lhe pareceria mais conveniente seria algo bem diferente do chileno. O ministro da Fazenda teria peso suficiente para fazer valer sua influência, a despeito do que pudesse ser a posição da diretoria do Banco Central. Como ministro da Fazenda é cargo de confiança do presidente, o que se propõe é que o presidente controle as decisões do Banco Central. Difícil pensar que não agrade ao candidato simplesmente ejetar o regime de metas, cabendo ao Palácio do Planalto decidir qual seria o "pouquinho de inflação" aceitável.

Outro tema econômico abordado na entrevista, indiretamente associado à política monetária, foi a proteção à produção doméstica em relação à penetração das importações estimuladas pelo que lhe parece a apreciação cambial indevida. O candidato lançou-se em discurso de denúncia de alegada dependência excessiva da indústria brasileira em relação à importação de insumos, citando nominalmente a Embraer como uma empresa que seria problemática por importar "60% ou 70% da sua produção". Como se a empresa pudesse ser competitiva sem a importação maciça de componentes. Citando jingles estudantis, lamentou uma situação em que o Brasil "exporta aço e importa navios". Que o aço seja exportado para a China e seja incorporado em manufaturas chinesas exportadas para o Brasil lhe parece especialmente objetável. São ideias que revelam perigoso banzo em relação ao Brasil autárquico e estão alinhadas ao retrospecto do candidato como paladino dos interesses do setor automotivo em meados da década de 1990.

O candidato da oposição tem renegado, de forma sistemática, os pilares do programa econômico implementado durante o governo Fernando Henrique Cardoso. O mais grave é que tal postura abre espaço para que Dilma Rousseff se aproprie de uma plataforma econômica relativamente modernizante e deixe o atraso por conta da oposição. O eleitor está num mato sem cachorro em face da triste escolha entre a perpetuação perigosa do poder lulista e as propostas econômicas equivocadas da oposição.

*Doutor em economia pela Universidade de Cambridge, é professor titular no Departamento de Economia da PUC-Rio.

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