domingo, 9 de maio de 2010

A imprensa sempre incomoda - Guilherme Fiuza

O chicote democrático do governo Lula
Guilherme Fiuza
O Globo, 23 de março de 2010

Zapata não poderia ter feito isso. Quase três meses em greve de fome e cismou de morrer logo no dia em que Lula chegou a Cuba para abraçar Fidel Castro. Como disse o ministro dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, foi muito azar do presidente.

Dá para compreender por que o novo Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), coordenado pelo mesmo Vannuchi, prevê garrotes e mordaças à imprensa. As notícias às vezes são muito inconvenientes.

Só servem para atrapalhar o governo popular, em sua marcha rumo ao paraíso social.

Orlando Zapata, operário, prisioneiro da ditadura de Fidel, morreu no colo de Lula. Isso foi o que indignou o representante máximo dos direitos humanos no governo brasileiro. Poderia ter morrido uma semana antes, uma semana depois, sem atrapalhar a agenda do filho do Brasil e seu silêncio sorridente ao lado de Fidel e Raúl Castro. É mesmo muito azar.

Essa sofisticada concepção de direitos humanos serve para explicar muita coisa, inclusive a nova filosofia de controle social da mídia.

A candidatura presidencial da ministra Dilma Rousseff a enteada do filho do Brasil vem aí para botar a imprensa nos eixos. O PNDH-3 é um dos chicotes democráticos que vêm dizer como os veículos de comunicação devem tratar a pessoa humana. Como disse o presidente do PT, José Eduardo Dutra, é a reação à guerra de extermínio da mídia burguesa contra seu partido iniciada em 2005, no escândalo do mensalão. Aliás, a descoberta do valerioduto também foi muito azar.

Lula e Dilma estão fazendo sua parte. Em recente comício na Favela da Rocinha ou seria melhor não dizer comício, porque eles ficam zangados , o presidente disse aos pobres que a mídia só dá notícia ruim. Ou notícia que não existe.


Nunca antes na história deste país se viu um presidente da República democraticamente eleito dizer ao povo que ele não deve confiar na imprensa.

Com a nova filosofia de controle social da mídia, o governo quer botar a imprensa nos eixos



De fato, a imprensa brasileira anda muito estranha. Passou os últimos anos tentando descobrir quem é Dilma Rousseff, e não conseguiu. Alguma coisa está errada aí. Quem sabe a razão não está com o coronel Chávez, parceiro de Lula, que deixou de conversa mole e saiu censurando os veículos insensíveis a seu governo maravilhoso? É bem verdade que a Venezuela, com aquele petróleo todo, está indo para a ruína econômica, com a maior inflação do planeta. Mas isso foi muito azar.

Dilma é a gerentona, mulher de pulso firme uma espécie de Margaret Thatcher da esquerda. Pelo menos era essa a instrução que vinha na embalagem. Não é simpática? Paciência. Uma grande gestora não precisa ter sorriso doce. Aí surgiu o problema.

Os jornalistas, esses insatisfeitos, quiseram conhecer as obras completas da grande gestora. Não encontraram nem as incompletas. Ela teve passagens opacas pela burocracia estatal gaúcha e foi ministra de Minas e Energia. Nesse cargo, implantou um modelo tarifário populista, ao estilo argentino, numa gestão que até hoje divide os especialistas do setor elétrico: uns a consideram medíocre, outros a julgam desastrosa.

Impertinentes, os repórteres continuaram à procura das façanhas administrativas de Dilma Rousseff. Encontraram o que se sabe: disputa partidária, conchavo, manejo de dossiês, teoria conspiratória. Lula tinha razão: só notícia ruim.

Uma pesquisa feita pelo governo mostrou que a mãe do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a dama do pré-sal e outras placas colocadas no poste não colaram. O povo ignorou. O que funciona mesmo é o mantra Dilma é Lula. Chato é quando a imprensa se aproxima para ver se é ou não é. A candidata ruge um meu filho ou um tem dó, combinando uma intolerância de Zélia com um olhar apavorado de Pitta. Será Dilma o Celso Pitta de Lula?

Bem, o que a imprensa disser não interessa. Eles se entendem diretamente com o povo. E o povo acha que Dilma é Lula. Até a eleição, pode até descobrir que Dilma é José Dirceu. Mas aí será muito azar.

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