Ele não quer falar de economia
Malu Gaspar, de EXAME
31.05.2010
Não agora. Em busca de votos - e da simpatia de parte do empresariado -, José Serra evita revelar seus planos para a área econômica . Mas uma análise do que ele já fez dá pistas do que pode vir pela frente num eventual governo tucano.
Ao final de sua palestra na Associação Comercial do Rio de Janeiro, em meados de maio, José Serra foi ovacionado. De pé, em postura relaxada e aparentando bom humor, o pré-candidato do PSDB à Presidência da República falou por 1 hora e 28 minutos sem ser interrompido. Detalhou como seriam suas alianças políticas, criticou o loteamento de cargos na gestão petista, desancou a onda construtivista que impera nas escolas brasileiras e destacou a importância do ensino técnico. Contou piadas, rememorou passagens ao lado de políticos e empresários da plateia e mencionou uma visita com o neto ao zoológico para dizer que a questão ambiental não pode mais ser ignorada pelos governos. Quando falou de economia, Serra se autodenominou o "candidato da produção". Declarou-se preocupado com as desvantagens competitivas dos exportadores brasileiros, especialmente em relação aos chineses. Repetiu o bordão do Estado musculoso, mas não obeso, e afirmou que os atuais investimentos em infraestrutura estão aquém do necessário. Foi uma fala sob medida para a audiência, a ponto de haver quem se referisse ao tucano como o "candidato dos sonhos". Mas quem tinha dúvidas sobre as propostas de Serra para a economia saiu dali tão esclarecido quanto entrou. Engajado numa campanha que provavelmente será sua última chance de chegar à Presidência da República, o tucano segue à risca a estratégia de aumentar sua exposição às classes C, D e E, apresentando- se como um político experiente, afável e agregador. Nesta fase da campanha, em que é crucial subir nas pesquisas para conquistar alianças, a ordem é apostar nos chamados temas consensuais e evitar debates mais aprofundados sobre assuntos que atraiam poucos votos e muito risco. "Ele acha que, quando dá entrevistas sobre economia, tem sempre alguém esperando com uma casca de banana, o que ninguém faz com a Dilma", resume um aliado. (Ao contrário de Dilma Rousseff e Marina Silva nas edições anteriores, José Serra não deu entrevista para EXAME.)
O cuidado dos tucanos não é reflexo apenas do suposto tratamento preferencial à candidata do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Há uma impressão disseminada, no núcleo da campanha de Serra, de que o setor financeiro é refratário à sua candidatura. Segundo essa versão, o mercado financeiro teme alterações no tripé formado por câmbio flutuante, metas de inflação e superávit fiscal - desconfiança que remonta às críticas que o então ministro do Planejamento fazia à atuação do Banco Central durante o governo Fernando Henrique Cardoso. Uma pesquisa concluída no fim de maio pela consultoria paulista MCM, com 164 profissionais de 64 instituições financeiras, reforça essa constatação. Embora mostre que 77% dos agentes do mercado votariam em José Serra, o levantamento indica que 58% deles consideram que a política fiscal do tucano seria a mais adequada ao país, mas apenas 24% dizem o mesmo de sua política cambial e 30% concordam com sua estratégia para controlar a inflação.
Seja qual for a razão, o fato é que as questões de política monetária estão entre as poucas capazes de fazer o ex-governador de São Paulo abandonar o roteiro "paz e amor" traçado por seus marqueteiros. Em entrevista à rádio CBN no início de maio, Serra reagiu com irritação à jornalista Miriam Leitão, que perguntou se ele respeitaria a autonomia do BC. "O Banco Central não é a Santa Sé! Você acha, sinceramente, que o BC nunca erra? Tenha paciência!" Depois, mais calmo, explicou-se: "Tem de dar tranquilidade para o BC operar, não ficar interferindo todo momento. Se houver erros calamitosos, eu acho que o presidente tem de fazer sentir a sua opinião, como o governo passado fez e o atual também faz". Apesar da má repercussão do episódio, os estrategistas da candidatura tucana não acusaram o golpe. Alguns aliados foram escalados para declarar que Serra seria incapaz de fazer loucuras, o próprio Serra enviou bombons à comentarista da CBN em sinal de amabilidade e, para consumo externo, o episódio foi dado como encerrado. Além de mostrar que o ex-governador paulista ainda não se tornou imune a supostas provocações, o episódio deixou claro por que Serra evita tanto detalhar suas ideias sobre economia. Suas declarações não acalmaram quem tinha dúvidas sobre sua política monetária, pelo contrário. No dia seguinte à entrevista, banqueiros e analistas se perguntavam a quem caberia decidir o que é erro calamitoso e como Serra iria interferir no BC se fosse o presidente.
Em público, Serra relativiza a importância do mercado financeiro. Já disse algumas vezes, como que a reforçar o aposto de "candidato da produção", que ouvir os mercados não significa ouvir apenas o setor financeiro. "É preciso ouvir todos os mercados, incluindo o agrícola, o industrial e o de serviços", diz. Em conversas informais, aliados dizem que a desconfiança deriva do fato de ele ser um candidato que defende "interesses difusos", em contraposição a um governo que elege vencedores. "Alguns subgrupos de nossa elite, como os banqueiros, sabem que não serão privilegiados num governo Serra. É uma situação nova para eles", diz um amigo do tucano com trânsito no meio. O economista Luiz Gonzaga Belluzzo, um dos mais frequentes interlocutores de Serra sobre economia - e que também já foi cotado para comandar o BC no governo Lula -, ironiza: "Quando o mercado financeiro desconfia de alguém, é bom a gente confiar nele".
Nada disso impediu que, nos bastidores, o ex-governador de São Paulo e seus assessores procurassem pessoas capazes de influenciar o ânimo do mercado financeiro para sondar o ambiente e tentar dissipar as dúvidas. No ano passado, Serra e Pérsio Arida, ex-presidente do BC e sócio do banco de investimento BTG Pactual, tiveram uma longa conversa sobre economia em Campos do Jordão, no interior de São Paulo. No início de maio, o pré-candidato tucano foi ao Rio de Janeiro para um encontro com outro ex-presidente da instituição, Armínio Fraga (hoje sócio da gestora Gávea Investimentos), e o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan. Os dois, expoentes do grupo de economistas ortodoxos formado na PUC carioca, foram alvo frequente das críticas de Serra no governo FHC. Aparentemente, as divergências foram esquecidas. Em conversas privadas, Fraga e Malan têm defendido o voto no tucano. O ex-banqueiro, Sergio Freitas, que foi vice-presidente do Itaú, tornou-se tesoureiro da campanha. Outros "formadores de opinião" - como os economistas-chefes de instituições financeiras, como Itaú, Bradesco, Credit Suisse e UBS - também foram procurados, mas por assessores do pré-candidato. "Eles queriam saber como estamos vendo a economia, que reformas achamos mais importantes. Pareceram genuinamente interessados em não jogar fora as conquistas dos últimos anos", diz Ilan Goldfajn, do Itaú, que foi diretor do BC nos governos de FHC e de Lula.
Reside aí o cerne da questão quanto à política econômica de um eventual governo Serra: ninguém com um mínimo de bom senso é contra a queda dos juros ou a favor do câmbio sobrevalorizado, que prejudica a competitividade de nossa economia. O problema é como resolver essa equação sem desmontar o aparato macroeconômico que vem sustentando o crescimento do país. Para Serra, a queda dos juros e o fim da sobrevalorização do real dependem da combinação de uma política agressiva de comércio exterior com ajuste fiscal rigoroso. Segundo ele, o Brasil passa por uma "desnacionalização" da indústria e do agronegócio com a entrada maciça de produtos estrangeiros. "O chinês não é mais competitivo que nós. Olhinho puxado não traz eficiência. O problema é o câmbio", diz Serra. A solução, propõe o tucano, seria retirar do Mercosul o status de união alfandegária e transformá-lo em zona de livre comércio para permitir ao Brasil fazer acordos bilaterais livremente. Isso ajudaria a equilibrar a balança comercial e a substituir importações. Na visão serrista, juntamente com o salto nos investimentos em infraestrutura possibilitado pelo corte de gastos da máquina estatal, a estratégia ajudaria a corrigir o câmbio e a derrubar os juros sem provocar inflação. Parece uma fórmula redonda, mas, para um bom número de analistas, ela tem um quê de voluntarismo. "O plano é dificílimo de colocar em pé", afirma José Márcio Camargo, economista da Opus Gestão de Recursos. Segundo Camargo, é verdade que uma reforma fiscal benfeita tem o poder de aumentar a poupança pública e abrir caminho para a queda dos juros. "Mas um ajuste passa necessariamente por cortes em gastos correntes, o que significa reformar a Previdência. Isso é - repito - dificílimo de fazer." As inúmeras variáveis no quebra-cabeça da economia fazem com que as implicações sobre o câmbio da proposta de Serra também sejam incertas. "Não dá para garantir como o câmbio se comportaria após um ajuste fiscal. A tendência, aliás, é que o país se torne mais atraente ao investidor estrangeiro, o que tenderia a valorizar o real ainda mais", afirma Camargo.
Mas, afinal, quando o pré-candidato da oposição vai começar a detalhar suas propostas para a economia? E o que se pode esperar de um eventual mandato presidencial serrista? Nas últimas semanas, EXAME ouviu assessores, ex-secretários, aliados e interlocutores no mundo político e empresarial, além de analisar as falas de Serra em diversas ocasiões. "Não há prazo para a divulgação do programa de governo", diz Xico Graziano, que vai se desligar da secretaria estadual do Meio Ambiente de São Paulo para coordenar a elaboração do plano. Segundo o tucano Márcio Fortes, amigo de longa data e candidato a vicegovernador do Rio de Janeiro na chapa de Fernando Gabeira, do PV, só a partir de julho Serra vai se dedicar a um debate mais profundo dos temas econômicos. Até lá, o tucano estará na TV toda semana. "Em julho, estaremos na frente da Dilma de novo", diz Fortes. Os últimos números do instituto de pesquisas Datafolha mostram empate entre os dois candidatos, com 37% das intenções de voto (e 12% para Marina Silva, do PV), uma inversão da tendência de crescimento de Serra. Agora, mais do que nunca, é vital para o tucano acertar em sua estratégia eleitoral.
Por isso, só com as alianças fechadas e a campanha oficial em marcha, Serra estaria à vontade para discutir economia com o nível de detalhe que se espera dele. Sua equipe ainda busca transformar ideias dispersas de colaboradores num programa concreto, coletando propostas sobre temas como política energética, reforma da Previdência e legislação trabalhista. Ao ser questionado sobre esses assuntos, Serra dá respostas genéricas. Para perguntas sobre a Previdência, ele costuma dizer que "os aposentados estão numa situação de atraso com relação a remunerações", e nunca se estende muito além disso. No núcleo mais próximo do tucano, além de Graziano e do economista e atual presidente da Sabesp, Gesner Oliveira, que se dedicam ao plano de governo, estão economistas como José Roberto Afonso, especialista em contas públicas, Geraldo Biasoto Jr., que faz análises de conjuntura, e o secretário estadual de Cultura de São Paulo para as subprefeituras, Andrea Matarazzo, que faz a interlocução com o empresariado junto com o ex-banqueiro Freitas. Todos são amigos do ex-governador paulista há décadas e o acompanham na vida pública. É esse grupo, que Serra controla de perto e de quem exige lealdade absoluta, o responsável por áreas que ele considera fundamentais numa campanha: comunicação e finanças. Detalhista e exigente, Serra se comunica com os assessores por e-mails curtos, pedindo dados, estudos ou cobrando o cumprimento de alguma tarefa, em geral de madrugada - quando todos estão dormindo, menos ele. "Como sou hiperativo, preciso tomar a decisão de dormir. Senão, fico acordado a noite toda", disse, recentemente. É também na madrugada que Serra escreve no Twitter sobre música, cinema, futebol e política. Para os aliados, o uso que Serra faz da rede de microblogs, onde tem quase 240 000 seguidores, está ajudando a desfazer a fama de carrancudo e arrogante.
É em sua experiência como governador de São Paulo que está seu maior bônus eleitoral. Quando deixou o cargo, no final de março, seu índice de aprovação era de 55%, segundo o Datafolha. Nos três anos de governo, Serra promoveu um amplo corte de gastos, renegociações de contratos e uma ofensiva arrecadatória, comandada pelo secretário da Fazenda, Mauro Ricardo Costa - um dos poucos assessores tidos como presença certa numa eventual Presidência. Em três anos, os cofres paulistas obtiveram aumento de 28 bilhões de reais na receita líquida. A alta foi de quase 40% em relação à receita de 2006 - enquanto isso, as despesas subiram 36%. O dinheiro extra foi aplicado principalmente na construção de novas estações do metrô e em obras viárias. O total de investimentos diretos do governo em São Paulo passou de 0,6% para 1,6% do PIB. Só na expansão do metrô o estado vai aplicar 23 bilhões de reais até 2011. Outros 3,8 bilhões de reais serão gastos pelo governo paulista nas obras do rodoanel, via que contorna a região metropolitana de São Paulo, que também receberá 1,2 bilhão do governo federal. Nas concessões feitas no estado, as empresas pagam uma taxa para assumir a construção das estradas e sua gestão por períodos de até 30 anos. Por um único trecho do rodoanel, o oeste, foram pagos 2 bilhões de reais - que ajudaram a financiar a construção de outro trecho, o sul. No front dos impostos, a Fazenda paulista instituiu o regime de substituição tributária, que cobra na fábrica o ICMS antecipado de produtos como eletrodomésticos, remédios e até vinhos - e conseguiu, assim, mais 4,6 bilhões de reais. Nenhuma dessas medidas passou incólume a críticas. Apesar de ajudar a coibir a sonegação, a substituição tributária tornou-se fonte de insatisfação para uma parte dos empresários que discorda do cálculo do imposto e se queixa de ter de pagar tributos sobre produtos que nem foram vendidos. A oposição em São Paulo, por sua vez, criticou os valores dos pedágios.
De cada uma dessas iniciativas, Serra parece ter tirado alguma lição. Em falas recentes, tem dito que prefere fazer alterações específicas no sistema tributário, que garantam a eficiência e a competitividade, a negociar uma ampla reforma. "Ninguém fala contra reforma tributária, mas cada um tem uma ideia do que deve ser. O resultado é que vira uma sopa de pedra", diz o tucano. É uma postura oposta à de Dilma Rousseff, que defendeu aproveitar a popularidade dos primeiros meses de mandato para aprovar uma reforma tributária que estabeleça a simplificação de tributos e a desoneração da folha de salários e de bens de capital. Serra também discorda de Dilma quando o assunto é infraestrutura. Defende a concessão dos terminais de aeroportos à iniciativa privada o quanto antes, diz que o PAC não passa de uma lista de obras e acha que dar prioridade ao trem-bala - projeto do governo petista - pode não ser a melhor opção. "São mais de 40 bilhões que poderiam ser investidos na Transnordestina, na ferrovia Norte-Sul, no metrô do Rio, no metrô de São Paulo", diz.
Nesta segunda tentativa de Serra de chegar à Presidência, nenhuma declaração é dada e nenhuma viagem é feita sem que se tenha calculado exatamente o retorno que ela pode trazer à sua candidatura. Para quem acompanhou de perto a campanha anterior, Serra também é hoje um candidato diferente. "Ele está mais paciente e cada vez mais disposto a dialogar com o empresariado, negociar suas posições e equilibrar interesses", diz o amigo e ex-senador do PSDB carioca Ronaldo Cesar Coelho. Desde que assumiu sua intenção de se candidatar, em março, Serra tem se declarado amadurecido pelas derrotas. Um dos primeiros eleitorados a conferir uma mostra desse novo Serra foi o amazonense. Em 2002, ele teve no Amazonas um de seus piores desempenhos na primeira eleição presidencial que disputou, com apenas 30% dos votos. Nesta eleição, a meta do tucano é, se não reverter, pelo menos diminuir a vantagem petista no estado. Duas semanas depois de assumir a candidatura, foi a Manaus e disse a uma emissora de rádio que tornaria a Zona Franca permanente. Foi uma forma de tentar apagar a má fama que Serra ganhou no estado. Nos anos 80, como deputado federal, teria apoiado uma emenda que acabava com a Zona Franca. "Não vão encontrar nenhuma declaração minha contrária à Zona Franca. Isso é coisa do pessoal que gosta de inventar", diz Serra. Além do Amazonas, o tucano deu ênfase, em seu périplo pelo Brasil, ao Nordeste, onde seu desempenho nas pesquisas é pior do que o de Dilma, e a Minas Gerais, estado que, imagina-se, deva ser o fiel da balança nas eleições. Segundo explicou um aliado, subir nas pesquisas não será útil apenas para atrair partidos com mais tempo de TV para sua coligação. Pode ajudar também a convencer o ex-governador Aécio Neves de que as chances de vitória tucana valem o risco de ser o vice de Serra - o que, na avaliação dos tucanos, representaria um impulso fundamental, e, quem sabe, definitivo. Encerrada essa etapa, segundo seus aliados, Serra estaria livre para falar com mais detalhes sobre questões mais polêmicas da área econômica. Não é fácil enfrentar o presidente mais popular em décadas - e Serra não quer se distanciar um milímetro do único script que acredita capaz de alçá-lo ao posto maior da República.
segunda-feira, 31 de maio de 2010
Ilegalidades eleitorais: TSE processa Lula e Dilma outra vez
Ministério Público Eleitoral entra no TSE contra Lula, PT e Dilma
Rodolfo Torres
Congresso em Foco, 28/05/2010 - 18h05
Para procurador-geral da República, Roberto Gurgel, presidente usou programa do PT para fazer propaganda antecipada de sua candidata
O Ministério Público Eleitoral (MPE) ajuizou representação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contra o presidente Lula, o PT e a ex-ministra Dilma Rousseff (pré-candidata do partido ao Planalto).
Motivo: os procuradores eleitorais acusam o PT de fazer propaganda antecipada para Dilma no último dia 13 de maio, durante programa da legenda em cadeia nacional de TV.
Segundo o MPE, houve “explícita exaltação do nome da pré-candidata e propaganda negativa do candidato adversário”.
O programa petista trouxe comparações “Lula/Dilma e FHC/Serra” nas mais variadas áreas, como geração de empregos, ascensão social e setor energético.
Quem assina a representação é o procurador-geral da República, e procurador-geral eleitoral, Roberto Gurgel. Ele lembra que Lula ocupou metade do programa para apresentar a ministra aos brasileiros.
“No esforço para exaltar seu nome, valeu até a comparação com o líder sul-africano Nelson Mandela”, afirma o procurador.
Destacando que os petistas já foram condenados em três representações anteriores, Gurgel pede aplicação de multa e a cassação da propaganda do PT no segundo semestre do próximo ano. A do primeiro semestre já foi cassada.
O corregedor-geral eleitoral, ministro Aldir Passarinho Junior, já está analisando a representação no TSE.
Rodolfo Torres
Congresso em Foco, 28/05/2010 - 18h05
Para procurador-geral da República, Roberto Gurgel, presidente usou programa do PT para fazer propaganda antecipada de sua candidata
O Ministério Público Eleitoral (MPE) ajuizou representação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contra o presidente Lula, o PT e a ex-ministra Dilma Rousseff (pré-candidata do partido ao Planalto).
Motivo: os procuradores eleitorais acusam o PT de fazer propaganda antecipada para Dilma no último dia 13 de maio, durante programa da legenda em cadeia nacional de TV.
Segundo o MPE, houve “explícita exaltação do nome da pré-candidata e propaganda negativa do candidato adversário”.
O programa petista trouxe comparações “Lula/Dilma e FHC/Serra” nas mais variadas áreas, como geração de empregos, ascensão social e setor energético.
Quem assina a representação é o procurador-geral da República, e procurador-geral eleitoral, Roberto Gurgel. Ele lembra que Lula ocupou metade do programa para apresentar a ministra aos brasileiros.
“No esforço para exaltar seu nome, valeu até a comparação com o líder sul-africano Nelson Mandela”, afirma o procurador.
Destacando que os petistas já foram condenados em três representações anteriores, Gurgel pede aplicação de multa e a cassação da propaganda do PT no segundo semestre do próximo ano. A do primeiro semestre já foi cassada.
O corregedor-geral eleitoral, ministro Aldir Passarinho Junior, já está analisando a representação no TSE.
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quinta-feira, 27 de maio de 2010
Propostas presidenciais - PMDB
Conheça, aqui, as propostas de governo do PMDB e do Conselhão
Jornalista Políbio Braga, 27.05.2010
Nesta quinta-feira, o editor examinou as duas propostas de governo que serão apresentadas para que a ex-ministra Dilma Roussef aproveite como suas:
PMDB – O farto documento de 75 páginas foi coordenado pelo deputado Eliseu Padilha e pelo ex-governador Moreira Franco. Ele é assinado por figurões carimbados: Delfim Neto, Henrique Meirelles, Mangabeira Unger, Aníbal Teixeira, Fernand Appy, mas o texto final é do jornalista Gaudêncio Torquato.
CDES – A “Agenda para o Novo Ciclo de Desenvolvimento Brasileiro”, 27 páginas, é obra do Conselhão do Lula. Trata-se de um plano feito sob encomenda para a candidata do PT. Ele tem as digitais do neotrotskista gaúcho Márcio Pochman, presidente do Ipea. O plano traça metas para 2022. E prega forte intervenção estatal na economia, além de governança do tipo democracia direta.
CLIQUE AQUI para ler a íntegra do programa do PMDB.
CLIQUE AQUI para ler as 27 páginas do plano do Conselhão
Jornalista Políbio Braga, 27.05.2010
Nesta quinta-feira, o editor examinou as duas propostas de governo que serão apresentadas para que a ex-ministra Dilma Roussef aproveite como suas:
PMDB – O farto documento de 75 páginas foi coordenado pelo deputado Eliseu Padilha e pelo ex-governador Moreira Franco. Ele é assinado por figurões carimbados: Delfim Neto, Henrique Meirelles, Mangabeira Unger, Aníbal Teixeira, Fernand Appy, mas o texto final é do jornalista Gaudêncio Torquato.
CDES – A “Agenda para o Novo Ciclo de Desenvolvimento Brasileiro”, 27 páginas, é obra do Conselhão do Lula. Trata-se de um plano feito sob encomenda para a candidata do PT. Ele tem as digitais do neotrotskista gaúcho Márcio Pochman, presidente do Ipea. O plano traça metas para 2022. E prega forte intervenção estatal na economia, além de governança do tipo democracia direta.
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quarta-feira, 26 de maio de 2010
Uma certa maneira de fazer politica - Cristiano Romero
O jogo pesado da sucessão na Previ
Cristiano Romero
Valor Econômico, 26/05/2010
O velho cacoete de setores sindicais, de tentar macular a reputação alheia para defender interesses muito particulares, veio à tona no processo de definição dos novos dirigentes da Previ, o fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil (BB). A prática é antiga. Envia-se a integrantes do governo e a jornalistas documentos apócrifos, com falsas denúncias sobre uma determinada pessoa, esperando que, com isso, a autoridade se sinta constrangida a nomeá-la.
Intitulada "Informação Relevante", uma carta anônima foi enviada há alguns dias ao Palácio do Planalto, ao Ministério da Fazenda e às diretorias da Previ e do BB. Nela, o vice-presidente de Cartões e Novos Negócios e Varejo do BB, Paulo Caffarelli, aparece como gestor de "passagem desastrosa" pela Previ. Além disso, é chamado - pecado mortal! - de "tucano". A primeira acusação não pegou, mas a segunda pode ter contribuído para tirar Caffarelli da presidência do maior fundo de pensão do Brasil e da América Latina. O "adjetivo" grudou nele feito tatuagem.
Caffarelli, que também preside a Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito, era a primeira opção de Aldemir Bendine, presidente do Banco do Brasil, para substituir Sérgio Rosa no comando da Previ. Assim como o escolhido ao fim do processo - Ricardo Flores, vice-presidente de Crédito, Controladoria e Risco Global do BB -, Caffarelli é funcionário de carreira do banco há 29 anos. É um técnico na acepção ampla da palavra. E, por isso mesmo, alvo fácil de interesses sindicais contrariados.
Filho de um frentista do interior do Paraná, Caffarelli, a exemplo do irmão, é um daqueles brasileiros que ascenderam socialmente depois de entrar para o Banco do Brasil por meio de concurso público. Aos 46 anos, chegou a vice-presidente da instituição depois de 28 anos de carreira, um feito notável. Bendine pensou inicialmente em Caffarelli para a Previ, como poderia ter escolhido Flores desde o começo - do mesmo modo que Caffarelli, Flores tem carreira sólida no BB, tendo ingressado no banco como menor aprendiz.
Mas Caffarelli foi acusado, de forma covarde, de ter "vínculos" com os tucanos, o que levou ao veto do governo à sua indicação. Efetivamente, ele não tem essa ligação. E se tivesse, isso não faria dele um sujeito de caráter duvidoso, assim como não faria na hipótese de ele ser petista, coisa que ele também não é.
A carta apócrifa, enviada também a esta coluna, diz que, ao trabalhar na Previ entre 1999 e 2000, Caffarelli teria feito "maus negócios" ao investir R$ 500 milhões na Paranapanema e ao comprar debêntures de uma empresa ligada ao banco Marka, que fechou as portas em 1999. Acusou-se também o atual executivo do BB de vender R$ 500 milhões de ações da Itaúsa na véspera de a empresa anunciar "lucro recorde".
O problema da "denúncia" é que, nos dois anos em que passou na Previ, Caffarelli trabalhou na área imobiliária do fundo, portanto, longe das operações mencionadas no falso dossiê. Os detratores foram adiante - o ataque foi amplo, afinal, a ideia era que alguma nódoa pegasse no vice-presidente do BB. Desta vez, a acusação foi de tráfico de influência, envolvendo Marina Mantega, filha do ministro da Fazenda, Guido Mantega.
A carta enviada ao governo acusa Caffarelli de ser um "interlocutor" de Marina "para encaminhamento de seus pedidos no Banco do Brasil". Não foram explicitados que pedidos seriam esses, mas a ideia, aqui, é sugerir uma afinidade que nunca existiu. Os maganos lembraram-se, inclusive, de mencionar a marca e a cor do carro da filha do ministro que, segundo eles, teria "vaga cativa na garagem do prédio do BB na Avenida Paulista". Esta coluna apurou que Marina esteve naquela agência, conversando com Caffarelli sobre uma possível abertura de conta bancária. Simples assim. O resto é pura chantagem.
Desconfia-se que a sanha contra Caffarelli, e mais recentemente contra os executivos escolhidos para gerir a Previ - afinal, Bendine acabou nomeando outro técnico para o cargo -, tenha origem no movimento sindical. É difícil comprovar porque os documentos são apócrifos, embora exista uma forte suspeita sobre o afilhado político de um importante deputado do PT. Ocupante de um cargo relevante numa das empresas afiliadas do BB, ele teria sido preterido dentro do banco e estaria estrebuchando.
O fato é que o movimento sequer é político-partidário - ele procurou atingir, primeiro, o técnico; depois, a família de um ministro de Estado (do PT); daqui a pouco, também o presidente da República (já circulam em Brasília histórias muito mal contadas e, por isso mesmo, irreproduzíveis). Isso mostra que o sindicalismo de resultados não tem ideologia.
Falsas denúncias também foram disseminadas no início do governo Lula para barrar nomeações técnicas na Receita Federal e na Polícia Federal. Sindicalistas ligados ao PT não suportaram a ideia de ver Lula no poder sem que eles recebessem seu naco. Em alguns momentos, sindicatos e políticos também se unem para prestar serviço político-eleitoral, como no caso dos aloprados, autores do falso dossiê criado para tentar desmoralizar José Serra na campanha ao governo de São Paulo, em 2006.
Cristiano Romero
Valor Econômico, 26/05/2010
O velho cacoete de setores sindicais, de tentar macular a reputação alheia para defender interesses muito particulares, veio à tona no processo de definição dos novos dirigentes da Previ, o fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil (BB). A prática é antiga. Envia-se a integrantes do governo e a jornalistas documentos apócrifos, com falsas denúncias sobre uma determinada pessoa, esperando que, com isso, a autoridade se sinta constrangida a nomeá-la.
Intitulada "Informação Relevante", uma carta anônima foi enviada há alguns dias ao Palácio do Planalto, ao Ministério da Fazenda e às diretorias da Previ e do BB. Nela, o vice-presidente de Cartões e Novos Negócios e Varejo do BB, Paulo Caffarelli, aparece como gestor de "passagem desastrosa" pela Previ. Além disso, é chamado - pecado mortal! - de "tucano". A primeira acusação não pegou, mas a segunda pode ter contribuído para tirar Caffarelli da presidência do maior fundo de pensão do Brasil e da América Latina. O "adjetivo" grudou nele feito tatuagem.
Caffarelli, que também preside a Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito, era a primeira opção de Aldemir Bendine, presidente do Banco do Brasil, para substituir Sérgio Rosa no comando da Previ. Assim como o escolhido ao fim do processo - Ricardo Flores, vice-presidente de Crédito, Controladoria e Risco Global do BB -, Caffarelli é funcionário de carreira do banco há 29 anos. É um técnico na acepção ampla da palavra. E, por isso mesmo, alvo fácil de interesses sindicais contrariados.
Filho de um frentista do interior do Paraná, Caffarelli, a exemplo do irmão, é um daqueles brasileiros que ascenderam socialmente depois de entrar para o Banco do Brasil por meio de concurso público. Aos 46 anos, chegou a vice-presidente da instituição depois de 28 anos de carreira, um feito notável. Bendine pensou inicialmente em Caffarelli para a Previ, como poderia ter escolhido Flores desde o começo - do mesmo modo que Caffarelli, Flores tem carreira sólida no BB, tendo ingressado no banco como menor aprendiz.
Mas Caffarelli foi acusado, de forma covarde, de ter "vínculos" com os tucanos, o que levou ao veto do governo à sua indicação. Efetivamente, ele não tem essa ligação. E se tivesse, isso não faria dele um sujeito de caráter duvidoso, assim como não faria na hipótese de ele ser petista, coisa que ele também não é.
A carta apócrifa, enviada também a esta coluna, diz que, ao trabalhar na Previ entre 1999 e 2000, Caffarelli teria feito "maus negócios" ao investir R$ 500 milhões na Paranapanema e ao comprar debêntures de uma empresa ligada ao banco Marka, que fechou as portas em 1999. Acusou-se também o atual executivo do BB de vender R$ 500 milhões de ações da Itaúsa na véspera de a empresa anunciar "lucro recorde".
O problema da "denúncia" é que, nos dois anos em que passou na Previ, Caffarelli trabalhou na área imobiliária do fundo, portanto, longe das operações mencionadas no falso dossiê. Os detratores foram adiante - o ataque foi amplo, afinal, a ideia era que alguma nódoa pegasse no vice-presidente do BB. Desta vez, a acusação foi de tráfico de influência, envolvendo Marina Mantega, filha do ministro da Fazenda, Guido Mantega.
A carta enviada ao governo acusa Caffarelli de ser um "interlocutor" de Marina "para encaminhamento de seus pedidos no Banco do Brasil". Não foram explicitados que pedidos seriam esses, mas a ideia, aqui, é sugerir uma afinidade que nunca existiu. Os maganos lembraram-se, inclusive, de mencionar a marca e a cor do carro da filha do ministro que, segundo eles, teria "vaga cativa na garagem do prédio do BB na Avenida Paulista". Esta coluna apurou que Marina esteve naquela agência, conversando com Caffarelli sobre uma possível abertura de conta bancária. Simples assim. O resto é pura chantagem.
Desconfia-se que a sanha contra Caffarelli, e mais recentemente contra os executivos escolhidos para gerir a Previ - afinal, Bendine acabou nomeando outro técnico para o cargo -, tenha origem no movimento sindical. É difícil comprovar porque os documentos são apócrifos, embora exista uma forte suspeita sobre o afilhado político de um importante deputado do PT. Ocupante de um cargo relevante numa das empresas afiliadas do BB, ele teria sido preterido dentro do banco e estaria estrebuchando.
O fato é que o movimento sequer é político-partidário - ele procurou atingir, primeiro, o técnico; depois, a família de um ministro de Estado (do PT); daqui a pouco, também o presidente da República (já circulam em Brasília histórias muito mal contadas e, por isso mesmo, irreproduzíveis). Isso mostra que o sindicalismo de resultados não tem ideologia.
Falsas denúncias também foram disseminadas no início do governo Lula para barrar nomeações técnicas na Receita Federal e na Polícia Federal. Sindicalistas ligados ao PT não suportaram a ideia de ver Lula no poder sem que eles recebessem seu naco. Em alguns momentos, sindicatos e políticos também se unem para prestar serviço político-eleitoral, como no caso dos aloprados, autores do falso dossiê criado para tentar desmoralizar José Serra na campanha ao governo de São Paulo, em 2006.
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Jogo de Go deve ser estrategia da oposicao - Cesar Maia
ELEIÇÕES 2010: OPOSIÇÃO DEVE JOGAR 'GO' E NUNCA 'XADREZ'!
Cesar Maia, 26 de maio de 2010
1. O jogo de Xadrez, da forma que o conhecemos, nasceu na segunda metade do século XV e coincide com o Renascimento e Maquiavel. É um jogo ocidental que parte da ideia da guerra como um confronto entre dois exércitos, cara a cara. Ali estão a infantaria, a cavalaria, a artilharia, a Igreja, e o Rei e a Rainha. O jogo começa com o tabuleiro completo, com todas as peças. E termina com o tabuleiro vazio, com poucas peças e um rei cercado, sem movimento.
2. O jogo de GO originou-se na China no século VI antes de Cristo. É o inverso do Xadrez. O tabuleiro é semelhante ao do Xadrez, mas com mais casas. O jogo começa com o tabuleiro vazio e os exércitos estão fora do mesmo. As pequenas peças são redondas e iguais, e vão sendo colocadas uma a uma no vértice dos quadrados (casas). Quando peças coladas cercam peças do adversário, é como se um batalhão ou milícia ou guerrilha, tivesse eliminado o outro.
3. Num processo eleitoral, quem governa, quer jogar Xadrez. Quer confrontar o "exército" adversário com o seu. Com regras definidas. E joga com as brancas, ou seja, tem a iniciativa. Provoca com seus peões, abre espaços para ataques com as outras peças. Quer que o adversário venha a campo aberto e confronte. Isso independe se o governo é mais ou menos forte. Tendo a máquina, quer o confronto. Algumas vezes, quando se sente muito poderoso, se posiciona e provoca o adversário para que este venha a seu campo e o confronte.
4. A oposição deve sempre escolher jogar o GO. Era o jogo preferido do general Sun Tzu (Arte da Guerra, 500 anos a.C.). O governo quer guerra de posição. A oposição deve preferir a guerra de movimento. Pode ensinar muito as oposições nos Estados e no Brasil, em 2010. Um princípio de Sun Tzu: "vencer primeiro e lutar depois". Ou seja, a eleição se ganha na estratégia e no conhecimento profundo de si e de seu adversário. Conhecimento permanente e dinâmico, e com infiltrações e contra-informação.
5. Não movimente seu exército. Movimente grupos menores. De preferência milícias ou guerrilhas políticas. Nunca faça ataques diretos. Prefira os indiretos. Faça ruído para o governo pensar que você vai atacar onde não vai. No nível nacional e estadual (em oposição), a oposição deve jogar GO em suas campanhas. Nunca Xadrez. Na eleição de Presidente, isso é decisivo.
Cesar Maia, 26 de maio de 2010
1. O jogo de Xadrez, da forma que o conhecemos, nasceu na segunda metade do século XV e coincide com o Renascimento e Maquiavel. É um jogo ocidental que parte da ideia da guerra como um confronto entre dois exércitos, cara a cara. Ali estão a infantaria, a cavalaria, a artilharia, a Igreja, e o Rei e a Rainha. O jogo começa com o tabuleiro completo, com todas as peças. E termina com o tabuleiro vazio, com poucas peças e um rei cercado, sem movimento.
2. O jogo de GO originou-se na China no século VI antes de Cristo. É o inverso do Xadrez. O tabuleiro é semelhante ao do Xadrez, mas com mais casas. O jogo começa com o tabuleiro vazio e os exércitos estão fora do mesmo. As pequenas peças são redondas e iguais, e vão sendo colocadas uma a uma no vértice dos quadrados (casas). Quando peças coladas cercam peças do adversário, é como se um batalhão ou milícia ou guerrilha, tivesse eliminado o outro.
3. Num processo eleitoral, quem governa, quer jogar Xadrez. Quer confrontar o "exército" adversário com o seu. Com regras definidas. E joga com as brancas, ou seja, tem a iniciativa. Provoca com seus peões, abre espaços para ataques com as outras peças. Quer que o adversário venha a campo aberto e confronte. Isso independe se o governo é mais ou menos forte. Tendo a máquina, quer o confronto. Algumas vezes, quando se sente muito poderoso, se posiciona e provoca o adversário para que este venha a seu campo e o confronte.
4. A oposição deve sempre escolher jogar o GO. Era o jogo preferido do general Sun Tzu (Arte da Guerra, 500 anos a.C.). O governo quer guerra de posição. A oposição deve preferir a guerra de movimento. Pode ensinar muito as oposições nos Estados e no Brasil, em 2010. Um princípio de Sun Tzu: "vencer primeiro e lutar depois". Ou seja, a eleição se ganha na estratégia e no conhecimento profundo de si e de seu adversário. Conhecimento permanente e dinâmico, e com infiltrações e contra-informação.
5. Não movimente seu exército. Movimente grupos menores. De preferência milícias ou guerrilhas políticas. Nunca faça ataques diretos. Prefira os indiretos. Faça ruído para o governo pensar que você vai atacar onde não vai. No nível nacional e estadual (em oposição), a oposição deve jogar GO em suas campanhas. Nunca Xadrez. Na eleição de Presidente, isso é decisivo.
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terça-feira, 25 de maio de 2010
Serra foi "adotado" pelo empresariado...
Resta saber o que pensa o povão disso tudo. O povão faz, pelo menos, 70% do eleitorado.
Serra empolga mais o empresariado no encontro da CNI
O Globo, 25/05/2010
BRASÍLIA - Muito à vontade e com bom humor, o presidenciável tucano José Serra fez uma apresentação que agradou mais à plateia de empresários. Com estocadas no governo atual e na presidenciável petista, o tucano fez uma defesa enfática da indústria nacional, da melhoria das condições para as exportações e fez críticas contundentes à carga tributária e taxas de juros.
Durante sua apresentação e ao responder as perguntas, Serra foi interrompido quatro ou cinco vezes com aplausos dos empresários e convidados, no auditório da CNI. Dilma, pelo contrário, não foi aplaudida durante sua fala, embora também tenha feito uma exposição bastante econômica e voltada para as principais demandas do empresariado.
Serra empolga mais o empresariado no encontro da CNI
O Globo, 25/05/2010
BRASÍLIA - Muito à vontade e com bom humor, o presidenciável tucano José Serra fez uma apresentação que agradou mais à plateia de empresários. Com estocadas no governo atual e na presidenciável petista, o tucano fez uma defesa enfática da indústria nacional, da melhoria das condições para as exportações e fez críticas contundentes à carga tributária e taxas de juros.
Durante sua apresentação e ao responder as perguntas, Serra foi interrompido quatro ou cinco vezes com aplausos dos empresários e convidados, no auditório da CNI. Dilma, pelo contrário, não foi aplaudida durante sua fala, embora também tenha feito uma exposição bastante econômica e voltada para as principais demandas do empresariado.
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Como Lula superou o Mensalao -
Como Lula superou o mensalão
Cristiano Romero e Raymundo Costa, de Brasília
Valor Econômico, 21/05/2010
Passados cinco anos da crise do mensalão - o escândalo que derrubou a popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao nível mais baixo de seus dois mandatos -, fatos novos vêm à tona, como a proposta de renúncia ao cargo e à candidatura à Presidência em 2006 feita a Lula por aliados, a tentativa de Delúbio Soares de beneficiar um banco estrangeiro em troca de auxílio financeiro ao partido, e a peregrinação do empresário Marcos Valério no Banco Central para tentar mudar a lei de liquidação bancária.
O pior momento político do presidente Lula, em quase oito anos de mandato, ocorreu no dia 11 de agosto de 2005, quando o publicitário Duda Mendonça, instigado pelo senador Antônio Carlos Magalhães, deu um depoimento-bomba à CPI dos Correios. No testemunho, Duda associou a campanha presidencial de 2002 a crimes eleitorais e financeiros revelados no escândalo do mensalão.
Foi ACM quem convenceu Duda a contar "toda a verdade" à CPI dos Correios, uma das três criadas pelo Congresso em 2005 para apurar o mensalão, que eclodiu há exatos cinco anos. Duda não fora convocado pela CPI para depor. Em 11 de agosto, no entanto, após várias conversas com ACM, o publicitário decidiu ir à comissão. Antes, pediu proteção.
Num depoimento de quase dez horas de duração, Duda confessou ter recebido R$ 15,5 milhões do PT em 2003, em recursos de caixa 2, como pagamento da campanha presidencial do ano anterior. Do total, R$ 10,5 milhões foram depositados numa conta no exterior.
O depoimento levou a crise do mensalão para dentro do Palácio do Planalto e derrubou a popularidade do presidente ao nível mais baixo desde que assumiu o cargo - 28%, segundo as pesquisas do Datafolha em outubro e dezembro de 2005, índice impensável para o Lula de hoje em dia (de acordo com pesquisa de abril, o presidente é aprovado por 73% da população).
Nos últimos três meses, o Valor conversou com os principais personagens da crise do mensalão para investigar por que a oposição desistiu de levar adiante a proposta de impeachment, que passou a ter "prova material", segundo avaliação de integrantes do próprio governo, após o depoimento de Duda; como o presidente Lula atuou politicamente no seu pior momento; que fatos passaram ao largo das três CPIs; quem foram e como atuaram os "bombeiros" da crise.
Além da participação decisiva de ACM para o depoimento de Duda, novos fatos vieram à tona, como a proposta de renúncia ao cargo e à candidatura em 2006 feita a Lula por aliados; a tentativa de Delúbio Soares, então tesoureiro do PT, de beneficiar um banco estrangeiro em troca de auxílio financeiro ao partido; a peregrinação do empresário Marcos Valério, apontado pelas CPIs como o operador do mensalão, no Banco Central (BC), para tentar mudar a lei de liquidação bancária.
A apuração revela que o governo acreditou mais na possibilidade de impeachment do que a oposição. Mostra, ainda, como o governo Lula mudou de rumo após aquela crise, dando mais poder ao movimento sindical.
Durante a crise, um grupo de assessores e ministros, batizado de "Grupo das 8", referência ao horário em que eles se encontravam toda manhã, se reunia, numa sala contígua ao gabinete presidencial, para monitorar as CPIs e bolar estratégias de reação. O grupo era formado por Gilberto Carvalho (chefe de gabinete) e os então ministros Dilma Rousseff (Casa Civil), Márcio Thomaz Bastos (Justiça), Ciro Gomes (Integração Nacional), Tarso Genro (CDES), Jaques Wagner (Coordenação Política) e Antônio Palocci (Fazenda).
O impeachment bate à porta
O governo Lula balançou no dia 11 de agosto de 2005, quando Duda Mendonça deu seu depoimento à CPI. No dia seguinte, após longo e calculado período de alheamento, Lula e o governo passaram a tratar o impeachment como uma ameaça concreta.
A corte de Lula compreendera exatamente a gravidade das confissões feitas por Duda. Além dos participantes habituais do Grupo das 8, apareceram na Granja do Torto outros auxiliares da copa e cozinha de Lula, como Clara Ant (assessora especial e tomadora oficial de notas nas reuniões), Marco Aurélio Garcia (assessor internacional) e o sempre discreto ministro Luiz Dulci (secretário-geral da Presidência), o encarregado, no Palácio do Planalto, de manter a sintonia fina com os movimentos sociais.
Lula não mediu palavras: o depoimento de Duda fora "um desastre" e era "evidente" que o publicitário havia se acertado com a oposição. O presidente estava certo. Duda fora convencido pelo senador pefelista Antônio Carlos Magalhães (morto em 2007) a contar "toda a verdade" à CPI.
ACM afastara-se do governo após as eleições municipais de 2004. Lula e o oligarca baiano haviam se aproximado em 2002, nas eleições presidenciais, e selaram a união em convescote na casa de praia de Duda, em Salvador. No ano seguinte, José Dirceu, então ministro-chefe da Casa Civil, ajudara o senador a se desvencilhar da acusação de ter mandado "grampear" metade da Bahia. Dois anos depois, a disputa pela prefeitura de Salvador, um feudo carlista, novamente colocou ACM e Lula em rota de colisão.
Senador negociou com Duda
O publicitário, que costumava dizer que na Bahia nunca havia feito campanha contra o senador, tinha interesse em conversar com o deputado ACM Neto, um ponta de lança da oposição na CPI dos Correios. ACM colocou o neto na linha com Duda no dia 9 de agosto, uma terça-feira. A preocupação do publicitário, até aquele momento, era com o depoimento na CPI de sua sócia Zilmar da Silveira, agendado para o dia 11.
Na quarta-feira, dia 10, Duda deu outro telefonema a ACM Neto. Durante a conversa, deixou o deputado com a impressão de que poderia ir à CPI. Perguntou-lhe, por exemplo, se receberia um tratamento hostil.
Na madrugada do dia 11, Duda acordou ACM para informá-lo de que iria à comissão. Mais uma vez, pediu apenas que, pelo menos na Bahia, onde vive sua família, ele tivesse um "tratamento digno". Antes do telefonema, gastou horas definindo com dois renomados advogados paulistas - Antônio Cláudio Mariz de Oliveira e Pedro Dallari - a estratégia do depoimento.
Eram aproximadamente 5h30 da manhã de quinta-feira quando o telefone de ACM Neto tocou. Do outro lado da linha, seu avô deu a notícia: Duda estaria sentado ao lado de Zilmar no banco de testemunhas.
ACM Neto não perdeu tempo. Naquele dia chegou mais cedo à CPI, para articular o depoimento-surpresa de Duda com os membros mais destacados da comissão, como os deputados Eduardo Paes e Osmar Serraglio e a senadora Heloisa Helena. Conversou também com o presidente da CPI, senador Delcídio Amaral, e tratou de regimento com um especialista - o deputado Arnaldo Faria de Sá. O objetivo era evitar que os governistas da comissão contestassem o depoimento de Duda com base no regimento interno. Com isso, estavam criadas as condições para o publicitário depor.
A iniciativa de procurar ACM foi do publicitário, mas o senador aproveitou a chance para articular o pior momento do governo na CPI. Atormentado, Duda julgava-se o responsável "por tudo isso". A ACM Neto, nos bastidores da CPI, disse que queria falar "toda a verdade", pois só assim se sentiria "liberto". Revelou ainda que não queria ver Zilmar na CPI como "boi de piranha".
"Vocês não me conhecem"
O clima era de funeral no dia 12 de agosto de 2005, uma sexta-feira. Para os principais integrantes do Grupo das 8, a crise havia chegado ao gabinete do presidente da República. Agora não havia mais como Lula continuar a fazer de conta que a crise não era com ele, como fizera até então.
Poucos dias depois, ainda no calor provocado por Duda, ao fim das reuniões da manhã no Palácio do Planalto, Lula chamou um auxiliar direto à sua sala e disse: "Foram lá ontem à noite falar comigo", contou o presidente. Segundo Lula, para propor que ele renunciasse publicamente à campanha pela reeleição no ano seguinte. Esse gesto diminuiria o ímpeto da oposição em levar adiante um processo de impeachment.
"Esses caras são gozados. Eles não conhecem a minha ligação com o povo. Isso não vai acontecer! Vou ganhar a eleição desses filhos da mãe!", disse em seguida um Lula indignado. O assessor, atônito, dirigiu-se a alguns dos integrantes do Grupo das 8 e deu seu testemunho: "Não sei quem foi lá ontem, mas o cara não gostou da sugestão não".
Esta é uma das passagens mais nebulosas da história do mensalão. Dois dos três personagens que estiveram com Lula naquela noite desmentem categoricamente que tenham proposto ao presidente a renúncia à disputa eleitoral em 2006. Um deles admite, apenas, que Lula pode ter entendido dessa forma o tom da conversa. Agravando um clima que já parecia insuportável, um ministro levara ao conhecimento do presidente, naquele dia, uma pesquisa (um "tracking" telefônico) feita logo após o depoimento de Duda, mostrando nova queda na sua popularidade.
Numa primeira versão da história, contada com rigor de detalhes por um assessor de Lula logo após os acontecimentos, Dilma foi ao presidente, acompanhada de Palocci, para lhe dizer que, depois do que Duda contou ao Congresso, seu governo tinha chegado ao fim da linha e que o melhor a fazer naquele momento seria renunciar, não ao direito de se candidatar à reeleição, mas à própria Presidência. Ao gesto ousado de Dilma, Lula teria reagido com um riso contido e a frase: "Vocês não me conhecem".
Mais recentemente, uma nova versão do episódio, disseminada pelo próprio Lula entre assessores, fala apenas em renúncia à candidatura. A conversa teria ocorrido na Granja do Torto. O temor do impeachment era muito forte dentro do Grupo das 8, mas a iniciativa de verbalizá-lo ao chefe teria sido tomada por Palocci, Thomaz Bastos e Dilma sem consultar os outros integrantes do grupo.
Ao mesmo tempo em que reagia, irritado, à sugestão de desistência da candidatura, o próprio Lula alimentava essa possibilidade, possivelmente para testar seus aliados. É um velho hábito. Em 1998, quando julgava que tinha poucas chances de derrotar Fernando Henrique Cardoso nas urnas, Lula aventou a ideia de fazer prévias para a escolha do candidato do PT. Imediatamente, três postulantes se apresentaram, entusiasmados: Tarso Genro, Eduardo Suplicy e Cristovam Buarque. A partir dali, Lula ficou sabendo quem eram os interessados em disputar sua hegemonia no partido.
O flerte com Palocci e Ciro
No pior momento da crise, o presidente deu uma missão a Gilberto Carvalho: convocar Palocci para uma conversa urgente, na Granja do Torto. Antes, orientou o chefe de gabinete a estimular o ministro a lançar sua candidatura à Presidência em 2006. "Se prepara! Você vai ser o candidato. Eu não quero ser candidato", disse Lula a um incrédulo Palocci. "Só vou ser candidato se a gente não conseguir reverter essa crise porque, aí, eu vou pro pau com esses caras", acrescentou o presidente.
O então ministro da Fazenda reagiu negativamente. "Não tem hipótese de o senhor não ser candidato. No dia em que anunciar que não é candidato, aí o nosso buraco aumenta", argumentou Palocci. O raciocínio era que a renúncia à candidatura em 2006 enfraqueceria ainda mais o presidente. Lula decidiu, então, lançar outra carta.
"Se você não for candidato, vou chamar o Ciro, mas eu acho que tem que ser você", disse Lula. "Presidente, se o senhor achar que é isso, procure o Ciro, mas eu acho que é errado", insistiu Palocci. Carvalho ajudou a reforçar o suposto plano de Lula. "Estão surgindo os dois nomes, mas nós preferimos você", disse ele a Palocci, que, uma vez mais, rejeitou a sedução.
Numa viagem oficial a países africanos, pouco depois, Lula levou o então ministro Ciro Gomes na comitiva. O objetivo não foi outro senão fustigar a vontade de Ciro de ser presidente. Nos meses seguintes, à medida que foi se recuperando da crise, não tocou mais no assunto. "Ele queria que eu fosse o candidato no lugar dele", contou Ciro a amigos, dias mais tarde.
A oposição ficou fora desse jogo. Não propôs, em nenhum momento, um acordo com Lula em torno da eleição de 2006. O único a defender publicamente a ideia da não reeleição foi Fernando Henrique. Ele achava que, se Lula declarasse naquele momento que não seria candidato, voltaria a ter "respeitabilidade" e, eventualmente, até poderia se candidatar. Lula reagiu enfurecido à sugestão. "Se eles estão pensando que vão me tirar daqui no tapetão, nem pensar! Vou pra rua", afirmou ele numa reunião.
Preocupados com o andamento da crise, que, depois de Duda, chegara às cercanias do Palácio do Planalto, três figuras eminentes da República - um deputado do PT, um ministro do Supremo Tribunal Federal e um funcionário público do alto escalão - decidiriam procurar, separadamente, Thomaz Bastos.
Um dos três sugeriu que o presidente mandasse uma proposta ao Congresso, instituindo o mandato de cinco anos e eliminando a possibilidade de reeleição. Um outro propôs que Lula fizesse um pronunciamento à nação, no qual diria que estava abrindo mão da candidatura à reeleição. O terceiro foi pelo mesmo caminho. Os três tinham em comum a avaliação de que Lula só pacificaria o país, naquele momento, se desistisse de se candidatar no ano seguinte.
Lula contra-ataca
O depoimento de Duda foi uma enorme surpresa para Lula e seus principais auxiliares. Mas, ao contrário do que o presidente deixava transparecer em público, havia muito que o Palácio do Planalto se preparava para o pior. Além do Grupo das 8, armou-se também no Congresso um "bunker" para monitorar permanentemente o trabalho das três CPIs (a dos Correios, a do mensalão e a dos Bingos, também conhecida como "CPI do Fim do Mundo" por tratar de vários temas, entre eles, o assassinato do prefeito petista Celso Daniel). Emissários de Lula mantinham abertos, ainda, os canais com a oposição.
Lula não tinha ilusões: a oposição "mexeria com o impeachment", como afirmou no dia seguinte ao depoimento, em reunião na Granja Torto. Alguns auxiliares temiam que ele se deixasse abater, mas o presidente não demonstrou a menor disposição de cair sem briga. Dizia que o PT, um partido com base social, não era o PRN, a legenda de aluguel usada por Fernando Collor de Mello para se eleger em 1989. "Nós vamos pra rua defender o mandato que o povo nos deu", disse.
O presidente em pessoa conversou com José Lopes Feijó, dirigente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e da Central Única dos Trabalhadores (CUT), para armar manifestações de rua em defesa do governo.
Essa era a faceta beligerante da reação. A outra, de entendimento com a oposição, particularmente com FHC, prosperava por meio de conversas dos ministros Márcio Thomaz Bastos, que teve um papel destacado nessa costura, e Antônio Palocci e do deputado Aldo Rebelo, do PC do B, que atuou tanto como ministro da articulação política quanto na condição de presidente da Câmara, cargo que ocupou a partir do fim de setembro de 2005. Foram conversas decisivas para conter o ímpeto belicista da oposição, mas não tiveram consequência para uma aproximação entre PT e PSDB após a crise.
Na verdade, a oposição sempre teve dúvidas sobre a conveniência de propor o impeachment do presidente. Seria o segundo em pouco mais de dez anos - Collor foi impedido em 1992. Os oposicionistas temiam a pecha de golpistas. Avaliaram, também, que não tinham rua nem votos e, por isso, não revelavam a mesma disposição para o impeachment que Lula demonstrava ter para se manter no cargo que perseguira durante 13 anos.
Havia no Palácio do Planalto a percepção de que FHC tinha ascendência sobre o PSDB. E de fato era do ex-presidente o discurso mais bem articulado das oposições, moderado diante do que efetivamente achava da situação.
O que no Planalto se achava ser o elemento que a oposição precisava para propor o impeachment, para FHC o depoimento de Duda fora muito além: o publicitário dera a prova material para a Justiça anular a eleição de 2002 e empossar José Serra, o segundo colocado na disputa. Algo como o Tribunal Superior Eleitoral fez recentemente ao anular a eleição de Jackson Lago para o governo do Maranhão e mandar empossar Roseana Sarney, a segunda colocada. Apesar disso, o ex-presidente também estava convencido de que Lula reagiria ao impeachment com o discurso de classe - "o primeiro trabalhador a chegar à Presidência da República ia ser degolado pela elite" - e de que isso poderia dividir o país.
"Eles estão na lona!"
A conversa de FHC com Thomaz Bastos foi um embate entre dois mestres na arte da boa política. O ministro era a pessoa certa para a incursão exploratória de Lula. O advogado ajudara em campanhas eleitorais de FHC, mas, embora não fossem muito próximos, os pais deles - José Diogo Bastos e Leônidas Cardoso, ambos deputados nos anos 1950 - foram amigos. Thomaz Bastos confidenciou ao ex-presidente que informara Lula sobre aquele encontro, mas em nenhum momento disse que o presidente lhe pedira para procurá-lo.
A constatação de FHC foi rápida: "Eles [Lula, o PT e o governo] estão na lona".
Thomaz Bastos perscrutou como FHC estava vendo "as coisas". Uma conversa de "cerca-Lourenço", como contaria depois o ex-presidente aos tucanos. Na prática, o que Thomaz Bastos queria saber era se a oposição iria para o impeachment. FHC entendeu o recado e disse: "O impeachment é um ato político, o jurídico é outra coisa. Você vai para o tribunal. O ato político você tem que ter força para ganhar, não é ter a razão".
FHC contou para Thomaz Bastos o dilema que rondava a oposição: a CPI dos Correios reunira elementos até para a Justiça anular a eleição. Este era o aspecto legal. Politicamente, a situação era outra: a oposição não tinha força para votar o impeachment. E se tentasse, especulava FHC, dividiria o país. "E eu tenho horror [da divisão] porque vi isso muitas vezes - do Chile de Salvador Allende à Venezuela de Hugo Chávez", disse ao ministro
A conversa se estendeu por quase três horas. Já na rua, Thomaz Bastos se deu conta de que FHC não assumira nenhum compromisso contra o impeachment. Também constatou a veracidade da fama de pão-duro que carrega o ex-presidente: num dado momento, percebendo que seu marido nada oferecera à visita, Dona Ruth serviu café e água e deixou os dois conversando madrugada adentro.
"Rua não tem regimento interno"
"Nós não queremos fazer o impeachment do presidente. Para nós, basta o impeachment moral do Lula, para ele chegar às eleições sem condições de concorrer", disse Fernando Henrique a outro representante do governo, Aldo Rebelo. Na ocasião, Aldo pensou: "É do jogo".
O PSDB queria tirar Lula do poder na eleição e não por meio do impeachment, processo que, àquela altura, o governo denunciava como sendo "golpe da oposição". Ao se despedir do ex-presidente, no entanto, Rebelo achou prudente fazer uma advertência: "Rua não tem regimento interno". Uma frase que só confirmou os piores temores de FHC sobre o risco de divisão do país embutido na empreitada do impeachment.
Já Palocci procurou FHC para manifestar preocupação com o que chamou de "repercussões sistêmicas" da CPI dos Bingos. "Olha, Palocci, não estou no dia a dia do Senado, do PSDB, não estou no telefone dando ordens. O pessoal pensa que eu faço isso. Não. Eu não sei como é que o PSDB vai se comportar. Não há interesse em botar fogo no mercado", respondeu FHC.
O ex-presidente não se comprometeu com os emissários governistas, mas atuou para manter a oposição com os pés no chão. "O problema é o seguinte: temos força?" [para o impeachment], perguntou a Arthur Virgílio, líder tucano no Senado, e a Tasso Jereissati, então presidente do PSDB. Em seguida, contou a história de Josef Stalin, quando o líder comunista russo foi confrontado com o poder da Igreja Católica na reunião dos líderes aliados, no pós-guerra: "Quantas divisões tem o papa?"
A oposição ameaçava, foram apresentadas 30 proposições de impeachment, mas o fato é que os oposicionistas não tinham votos para derrubar Lula. Esteve próxima de tê-los, como se pode depreender da eleição de Aldo Rebelo para a presidência da Câmara, após a queda de Severino Cavalcanti no chamado escândalo do mensalinho, que por quase um mês desviou as atenções e ajudou a esfriar o debate do impeachment.
A presidência da Câmara era uma posição estratégica: cabe a ela dar início ou mandar arquivar todos os pedidos de abertura de processo de impeachment. Severino era um aliado do Planalto. E o PFL teve atuação também decisiva na investigação que levou à denúncia de que Severino recebia propina de um concessionário de serviços da Câmara.
A eleição para a substituição de Severino foi duríssima. No primeiro turno, houve empate em 182 votos entre Aldo e o candidato do PFL, José Thomaz Nonô. No segundo, o governo ganhou por 258 a 243. A eleição de um pefelista, naquele momento, poderia ter mudado o curso da história.
Deixa sangrar
Sem votos no Congresso e sem apoio nas ruas, a oposição se consumia também em dúvidas. Na avaliação de PSDB e PFL, o PT cometera um erro de cálculo político em 1992, ao apostar todas as fichas no impeachment de Fernando Collor - se tivesse mantido o ex-presidente no cargo, mas enfraquecido, provavelmente Lula seria o presidente da República já nas eleições de 1994.
Consumado o impeachment de Collor, o vice-presidente Itamar Franco assumiu e fez um governo de coalizão, do qual só o PT não participou. Após os meses iniciais de hesitação, quando teve quatro ministros da Fazenda, o novo governo decretou o Plano Real, fundamental para FHC derrotar Lula no primeiro turno da eleição de 1994.
Empunhando a bandeira "institucional" durante o mensalão, FHC foi chave nas negociações para evitar o impeachment de Lula. Mas ele não esteve sozinho. Parte de PSDB e do PFL seguia a mesma bússola: a oposição não deveria tomar a iniciativa do impeachment, mas, por outro lado, deixaria correr as investigações nas CPIs. Era a tese do sangramento de Lula.
Àquela altura, faltava pouco mais de um ano para as eleições de 2006. Com maior ou menor grau de blindagem do presidente, o sangramento foi a linha dominante na oposição, do senador Tasso Jereissati ao pefelista Jorge Bornhausen. E também a trilha seguida pelos ex-governadores de São Paulo e Minas Gerais - respectivamente, José Serra e Aécio Neves.
O enterro do impeachment ocorreu numa reunião burocrática de líderes da oposição na segunda-feira seguinte ao depoimento de Duda. Os partidos avaliaram que havia elemento material para o enquadramento jurídico de Lula, mas faltavam votos no plenário e apoio das ruas. Simples assim. "Não há clima político para o impedimento e o pedido, se houver, tem de vir da sociedade", declarou, depois da reunião, o senador Arthur Virgílio.
Apenas um representante do tucanato - Luiz Carlos Bresser-Pereira, ex-ministro de FHC - foi a público, em artigo na "Folha de S.Paulo", defender abertamente o impeachment de Lula. "Estamos ante a maior crise moral da história brasileira", escreveu Bresser-Pereira. Ironicamente, em 2007, no segundo mandato de Lula, ele foi nomeado para integrar o "conselho de orientação" de um órgão do governo - o Ipea.
Cadáveres insepultos
A crise do mensalão já corria solta quando Lula decidiu enviar um emissário para conversar com Delúbio Soares, tesoureiro do PT. Ele queria entender o tamanho do enredo em que o partido se metera. "Gilbertinho, vai a São Paulo e conversa com o Delúbio. Eu quero saber que encrenca é essa", ordenou Lula ao chefe de gabinete.
Numa sala do diretório nacional do PT em São Paulo, Delúbio explicou que o partido fez muitas despesas na campanha eleitoral de 2002. Com uma franqueza que assustou o interlocutor, disse que esperava a ajuda do governo em "algumas operações" e que esse auxílio nunca veio. Diante disso, foi obrigado a buscar outras fontes de financiamento, o que acabou levando-o a conhecer o empresário Marcos Valério.
Uma dessas operações, só agora revelada, chegou ao Palácio do Planalto, mas foi abortada pelo ministro Palocci e pelo presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. O plano era levantar a liquidação bancária do Banco Econômico, que sofreu intervenção do BC em 1995. Os beneficiários do negócio seriam o antigo controlador do Econômico - Ângelo Calmon de Sá - e o banco português Espírito Santo.
A contrapartida da operação seria a concessão de um auxílio financeiro do Espírito Santo ao PT. "Presidente, isso aí é cadeia! Não vamos fazer um negócio desse de jeito nenhum", disse um ministro durante reunião para tratar do assunto. Sem pestanejar, Lula mandou encerrar o assunto ali mesmo. Antes de chegar à cúpula, no entanto, o tema, que não dizia respeito apenas ao espólio do Banco Econômico, mas também ao de outros bancos sob intervenção do BC, correu meses dentro do governo.
Os bancos liquidados na primeira fase do Plano Real, quando a queda abrupta da inflação subtraiu grande parte das receitas que eles apuravam com a perda diária de valor da moeda nacional, tornaram-se cadáveres insepultos. As intervenções começavam, mas nunca terminavam. Os ex-controladores dos bancos sempre alegaram que, concluída a liquidação, eles teriam dinheiro a receber do BC. Este, por sua vez, sustenta que isso é fantasia, uma vez que a União injetou bilhões de reais nas instituições para honrar compromissos com os correntistas e cobrir outros buracos.
No início do governo Lula, banqueiros cassados pelo BC fizeram intenso lobby em Brasília para amolecer o coração da autoridade bancária. Em 2004, conseguiram, por exemplo, que a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado criasse uma subcomissão para tratar exclusivamente das intervenções. Durante os debates, acusou-se o Banco Central de abuso de poder. Depois, tentou-se limitar legalmente o prazo do processo de liquidação, mas a proposta nunca foi adiante.
Em outra frente, Marcos Valério, apontado pela CPI dos Correios como o operador do mensalão, começou a circular com grande desembaraço dentro do governo, representando os interesses do Banco Rural, que, como revelou a comissão, fez empréstimos para salvar o PT da bancarrota. Detentor de 22% do capital do Banco Mercantil de Pernambuco, também liquidado em 1995, o Rural queria uma solução rápida para a intervenção, de forma que, ao fim da operação, pudesse assumir o espólio do banco.
As visitas de Valério ao BC
Valério não economizou visitas à sede do Banco Central, em Brasília. Esteve lá 14 vezes, segundo registros da instituição. Na primeira ocasião, foi informado das restrições legais para o levantamento de liquidação bancária nos moldes exigidos pelos ex-banqueiros. Não satisfeito, contratou um advogado para instruí-lo na elaboração de um projeto que alterasse a lei que rege as intervenções do BC.
O empresário dizia, nos gabinetes de Brasília, que atuava com o conhecimento do então ministro José Dirceu. De fato, ele tinha trânsito livre. No início de 2005, por exemplo, levou o presidente do Banco Espírito Santo, Ricardo Espírito Santo, para uma audiência na Casa Civil com Dirceu. Os laços foram estreitados. Em fevereiro deste ano, por exemplo, o executivo depôs, na Justiça Federal em São Paulo, como testemunha de defesa do ex-ministro no inquérito do mensalão.
Nas andanças pela capital federal, Valério esbarrou num funcionário de carreira do BC - Gustavo Matos do Vale, diretor de Liquidações e Controle de Operações do Crédito Rural. Num dos encontros com Vale, Valério levou-lhe uma proposta de medida provisória que alterava a legislação de liquidação bancária.
Educadamente, o diretor do BC explicou-lhe que, como haveria impacto na Lei de Responsabilidade Fiscal, qualquer mudança teria que ser feita por meio de um projeto de lei complementar. Valério reagiu de forma colérica às ponderações de Vale. Achou que o diretor do BC estava caçoando dele. Afinal, os dois já tinham conversado várias vezes sobre o tema. Funcionário público há 26 anos, Matos do Vale sabia, desde a primeira visita de Valério, que, para seu próprio bem, não deveria levar a sério a prosa do interlocutor.
Nem todo mundo pensava assim em Brasília. A pressão para levantar a liquidação de bancos falidos era tão forte que Henrique Meirelles decidiu fazer uma proposta insólita ao ministro Palocci - a mudança do BC para a Fazenda da diretoria que cuida desse assunto. Palocci argumentou que, se Meirelles estava se sentindo coagido e se isso estava lhe causando um problema de "sustentabilidade", ele poderia analisar a mudança, embora não a considerasse necessária. O ministro temia que a transferência aumentasse ainda mais o interesse da classe política pelo tema.
Meirelles estava reticente. Quando começou a dizer "não" aos pedidos de suspensão das intervenções bancárias, um jornalista o procurou. "Olha, dr. Meirelles, vem aí onda de denúncias contra o senhor", disse o interlocutor. Meirelles quis saber o porquê e ouviu que era por causa dos bancos. Nos dias seguintes, apareceram na imprensa as primeiras denúncias.
O próprio Palocci foi alvo de pressões. Certa vez, estiveram em seu gabinete representantes de três gerações da família Monteiro, principal acionista do Banco Mercantil de Pernambuco. Entre eles, Armando Monteiro Filho, ex-ministro do governo João Goulart e amigo de longa data do presidente Lula, e Armando Monteiro Neto, deputado do PTB e presidente da Confederação Nacional da Indústria. Na ocasião, Palocci foi a Lula para explicar o que estava acontecendo. "Não quero nem ver", desconversou o presidente.
Da conversa com os Monteiro, ficou na memória de uma testemunha a palavra usada pelo deputado durante argumentação em defesa do fim da intervenção no Mercantil de Pernambuco: "anatocismo" (a capitalização de juros acumulados por não terem sido liquidados no vencimento). Apesar da pressão, "a família Monteiro foi institucional", assegurou Palocci em relato feito ao presidente Lula na ocasião.
Por meio de sua assessoria, o Banco Espírito Santo confirma que, "em 2001 ou 2002", foi procurado por Calmon de Sá. O ex-banqueiro, segundo a assessoria, queria que o banco português intermediasse, no mercado, a venda de títulos do Econômico. Ocorre que os títulos jamais foram liberados pelo BC. Afinal, o banco estava sob intervenção. Daí o suposto interesse no fim da liquidação. O banco português nega ter cogitado dar auxílio financeiro ao PT, informação confirmada por mais de um personagem ouvido pelo Valor.
Quando Lula chorou
Durante toda a crise do mensalão, apenas um fato levou o presidente Lula às lágrimas: a entrada, no governo, de dois antigos companheiros do movimento sindical - Luiz Marinho, então presidente da Central Única dos Trabalhadores, que assumiu o Ministério do Trabalho; e Paulo Vannuchi, que se tornou titular da Secretaria de Direitos Humanos. Os dois embarcaram no pior momento de Lula. O primeiro, em julho de 2005; o segundo, em dezembro daquele ano.
Marinho, que hoje é prefeito de São Bernardo do Campo (SP), era considerado pelo próprio Lula o seu sucessor no movimento sindical. O presidente trata-o por filho. Vannuchi tem fortes vínculos com o sindicalismo e a esquerda católica. A presença dos dois no governo ajudou Lula a se reaproximar da sua antiga base social, que, em meados de 2005, andava um tanto decepcionada com os rumos de sua gestão, especialmente na área econômica, a mais bem-sucedida.
Durante conversa com Thomaz Bastos, Lula chorou ao lembrar que Marinho e Vannuchi encararam o desafio de entrar para o governo naquela situação. Sua popularidade estava no patamar mais baixo de toda sua trajetória na Presidência da República. O índice daqueles que consideravam seu governo "ruim" ou "péssimo" também era recorde - 29% em dezembro de 2005.
A inflexão de Lula foi calculada. Como achou que tinha perdido apoio das elites, que na sua visão estavam interessadas em apeá-lo do poder, o presidente concluiu que chegara a hora de fazer acenos em direção a antigos apoiadores. Ao colocar Marinho no Trabalho, iniciou um processo de forte recuperação do salário mínimo, até então evitado por causa dos impactos negativos nas contas da previdência social.
No segundo mandato, Lula aprofundou a inflexão, passando a conceder aumentos salariais generosos ao funcionalismo público, categoria com a qual havia rompido parcialmente em 2003 ao propor a reforma da previdência. No pós-mensalão, o presidente manteve o tripé da política econômica herdado de FHC - superávit primário, metas para inflação e câmbio flutuante -, mas desistiu de regulamentar aquela reforma e também de propor novas mudanças constitucionais. Trouxe, finalmente, o PMDB para o governo e montou no Congresso uma espécie de frente anti-impeachment, composta de 14 partidos, da esquerda à direita.
Na nova fase do governo, Lula deu força à ideia de uma "República Sindicalista". De alguma maneira, fez o que se dizia que o presidente João Goulart (1961-1964) quisera implantar 40 anos antes e que provocou a sua queda. Os sindicalistas passaram a se sobrepor no PT e no governo, em detrimento dos outros grupos fundadores do partido - a esquerda católica, os ex-guerrilheiros e os intelectuais.
"Põe no cofre, Gilberto"
Além do Grupo das 8, durante a crise foi montado um "bunker" na liderança do PT na Câmara, no qual o deputado e advogado Luiz Eduardo Greenhalgh monitorava os depoimentos nas CPIs, ao mesmo tempo em que enchia caixas e mais caixas com denúncias contra os adversários de Lula.
Os parlamentares do "bunker" registraram que havia algo de errado na movimentação de Duda, mas foi tranquilizado pelo Grupo das 8 - que também participava das reuniões dos congressistas - sobre a lealdade do publicitário.
No domingo anterior ao depoimento de Duda, houve uma reunião no apartamento de Greenhalgh para acertar a agenda de trabalho da semana nas CPIs. "Gente, eu estou preocupado. Quem é que está controlando o Duda?", perguntou o deputado. José Dirceu tomou a iniciativa de responder: "Pode ficar tranquilo. O Duda está sob controle". Ciro Gomes, que também estava presente, esgueirou-se até a beira do sofá: "Estou de acordo. O Duda está sob controle, tem mantido contato".
Estavam todos enganados. Duda não só foi à CPI, como deu à oposição o elo que havia entre a eleição do presidente e a contabilidade fraudulenta do PT. Durante toda a crise, Lula tentou separar uma coisa da outra. O próprio Grupo das 8 tem origem numa ordem do presidente para tentar desvincular inteiramente o governo do escândalo. "Não quero reunião na hora do expediente (a partir das 9h), não quero encontrar ninguém conversando sobre isso quando eu chegar ao palácio", advertira Lula.
No apartamento de Greenhalgh, a extensão da crise era medida pelo consumo de bebida e comida. Havia dias em que Jaques Wagner enxugava sozinho uma garrafa de uísque. Bebia também rum e vinho, mas sempre manteve a compostura e a língua afiada. O nacionalista Aldo Rebelo preferia cachaça.
Lula recebeu de Greenhalgh, advogado das causas mais importantes do PT, a famosa "lista de Furnas", matriz do processo que mais tarde levaria o carimbo de "mensalão do PSDB". O PT, enfim, fazia prevalecer a tese segundo a qual eram "todos iguais". O presidente conferiu cada nome da lista, de cima até embaixo. Em seguida chamou Gilberto Carvalho e ordenou: "Põe no cofre, Gilberto. Põe no cofre".
Cristiano Romero e Raymundo Costa, de Brasília
Valor Econômico, 21/05/2010
Passados cinco anos da crise do mensalão - o escândalo que derrubou a popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao nível mais baixo de seus dois mandatos -, fatos novos vêm à tona, como a proposta de renúncia ao cargo e à candidatura à Presidência em 2006 feita a Lula por aliados, a tentativa de Delúbio Soares de beneficiar um banco estrangeiro em troca de auxílio financeiro ao partido, e a peregrinação do empresário Marcos Valério no Banco Central para tentar mudar a lei de liquidação bancária.
O pior momento político do presidente Lula, em quase oito anos de mandato, ocorreu no dia 11 de agosto de 2005, quando o publicitário Duda Mendonça, instigado pelo senador Antônio Carlos Magalhães, deu um depoimento-bomba à CPI dos Correios. No testemunho, Duda associou a campanha presidencial de 2002 a crimes eleitorais e financeiros revelados no escândalo do mensalão.
Foi ACM quem convenceu Duda a contar "toda a verdade" à CPI dos Correios, uma das três criadas pelo Congresso em 2005 para apurar o mensalão, que eclodiu há exatos cinco anos. Duda não fora convocado pela CPI para depor. Em 11 de agosto, no entanto, após várias conversas com ACM, o publicitário decidiu ir à comissão. Antes, pediu proteção.
Num depoimento de quase dez horas de duração, Duda confessou ter recebido R$ 15,5 milhões do PT em 2003, em recursos de caixa 2, como pagamento da campanha presidencial do ano anterior. Do total, R$ 10,5 milhões foram depositados numa conta no exterior.
O depoimento levou a crise do mensalão para dentro do Palácio do Planalto e derrubou a popularidade do presidente ao nível mais baixo desde que assumiu o cargo - 28%, segundo as pesquisas do Datafolha em outubro e dezembro de 2005, índice impensável para o Lula de hoje em dia (de acordo com pesquisa de abril, o presidente é aprovado por 73% da população).
Nos últimos três meses, o Valor conversou com os principais personagens da crise do mensalão para investigar por que a oposição desistiu de levar adiante a proposta de impeachment, que passou a ter "prova material", segundo avaliação de integrantes do próprio governo, após o depoimento de Duda; como o presidente Lula atuou politicamente no seu pior momento; que fatos passaram ao largo das três CPIs; quem foram e como atuaram os "bombeiros" da crise.
Além da participação decisiva de ACM para o depoimento de Duda, novos fatos vieram à tona, como a proposta de renúncia ao cargo e à candidatura em 2006 feita a Lula por aliados; a tentativa de Delúbio Soares, então tesoureiro do PT, de beneficiar um banco estrangeiro em troca de auxílio financeiro ao partido; a peregrinação do empresário Marcos Valério, apontado pelas CPIs como o operador do mensalão, no Banco Central (BC), para tentar mudar a lei de liquidação bancária.
A apuração revela que o governo acreditou mais na possibilidade de impeachment do que a oposição. Mostra, ainda, como o governo Lula mudou de rumo após aquela crise, dando mais poder ao movimento sindical.
Durante a crise, um grupo de assessores e ministros, batizado de "Grupo das 8", referência ao horário em que eles se encontravam toda manhã, se reunia, numa sala contígua ao gabinete presidencial, para monitorar as CPIs e bolar estratégias de reação. O grupo era formado por Gilberto Carvalho (chefe de gabinete) e os então ministros Dilma Rousseff (Casa Civil), Márcio Thomaz Bastos (Justiça), Ciro Gomes (Integração Nacional), Tarso Genro (CDES), Jaques Wagner (Coordenação Política) e Antônio Palocci (Fazenda).
O impeachment bate à porta
O governo Lula balançou no dia 11 de agosto de 2005, quando Duda Mendonça deu seu depoimento à CPI. No dia seguinte, após longo e calculado período de alheamento, Lula e o governo passaram a tratar o impeachment como uma ameaça concreta.
A corte de Lula compreendera exatamente a gravidade das confissões feitas por Duda. Além dos participantes habituais do Grupo das 8, apareceram na Granja do Torto outros auxiliares da copa e cozinha de Lula, como Clara Ant (assessora especial e tomadora oficial de notas nas reuniões), Marco Aurélio Garcia (assessor internacional) e o sempre discreto ministro Luiz Dulci (secretário-geral da Presidência), o encarregado, no Palácio do Planalto, de manter a sintonia fina com os movimentos sociais.
Lula não mediu palavras: o depoimento de Duda fora "um desastre" e era "evidente" que o publicitário havia se acertado com a oposição. O presidente estava certo. Duda fora convencido pelo senador pefelista Antônio Carlos Magalhães (morto em 2007) a contar "toda a verdade" à CPI.
ACM afastara-se do governo após as eleições municipais de 2004. Lula e o oligarca baiano haviam se aproximado em 2002, nas eleições presidenciais, e selaram a união em convescote na casa de praia de Duda, em Salvador. No ano seguinte, José Dirceu, então ministro-chefe da Casa Civil, ajudara o senador a se desvencilhar da acusação de ter mandado "grampear" metade da Bahia. Dois anos depois, a disputa pela prefeitura de Salvador, um feudo carlista, novamente colocou ACM e Lula em rota de colisão.
Senador negociou com Duda
O publicitário, que costumava dizer que na Bahia nunca havia feito campanha contra o senador, tinha interesse em conversar com o deputado ACM Neto, um ponta de lança da oposição na CPI dos Correios. ACM colocou o neto na linha com Duda no dia 9 de agosto, uma terça-feira. A preocupação do publicitário, até aquele momento, era com o depoimento na CPI de sua sócia Zilmar da Silveira, agendado para o dia 11.
Na quarta-feira, dia 10, Duda deu outro telefonema a ACM Neto. Durante a conversa, deixou o deputado com a impressão de que poderia ir à CPI. Perguntou-lhe, por exemplo, se receberia um tratamento hostil.
Na madrugada do dia 11, Duda acordou ACM para informá-lo de que iria à comissão. Mais uma vez, pediu apenas que, pelo menos na Bahia, onde vive sua família, ele tivesse um "tratamento digno". Antes do telefonema, gastou horas definindo com dois renomados advogados paulistas - Antônio Cláudio Mariz de Oliveira e Pedro Dallari - a estratégia do depoimento.
Eram aproximadamente 5h30 da manhã de quinta-feira quando o telefone de ACM Neto tocou. Do outro lado da linha, seu avô deu a notícia: Duda estaria sentado ao lado de Zilmar no banco de testemunhas.
ACM Neto não perdeu tempo. Naquele dia chegou mais cedo à CPI, para articular o depoimento-surpresa de Duda com os membros mais destacados da comissão, como os deputados Eduardo Paes e Osmar Serraglio e a senadora Heloisa Helena. Conversou também com o presidente da CPI, senador Delcídio Amaral, e tratou de regimento com um especialista - o deputado Arnaldo Faria de Sá. O objetivo era evitar que os governistas da comissão contestassem o depoimento de Duda com base no regimento interno. Com isso, estavam criadas as condições para o publicitário depor.
A iniciativa de procurar ACM foi do publicitário, mas o senador aproveitou a chance para articular o pior momento do governo na CPI. Atormentado, Duda julgava-se o responsável "por tudo isso". A ACM Neto, nos bastidores da CPI, disse que queria falar "toda a verdade", pois só assim se sentiria "liberto". Revelou ainda que não queria ver Zilmar na CPI como "boi de piranha".
"Vocês não me conhecem"
O clima era de funeral no dia 12 de agosto de 2005, uma sexta-feira. Para os principais integrantes do Grupo das 8, a crise havia chegado ao gabinete do presidente da República. Agora não havia mais como Lula continuar a fazer de conta que a crise não era com ele, como fizera até então.
Poucos dias depois, ainda no calor provocado por Duda, ao fim das reuniões da manhã no Palácio do Planalto, Lula chamou um auxiliar direto à sua sala e disse: "Foram lá ontem à noite falar comigo", contou o presidente. Segundo Lula, para propor que ele renunciasse publicamente à campanha pela reeleição no ano seguinte. Esse gesto diminuiria o ímpeto da oposição em levar adiante um processo de impeachment.
"Esses caras são gozados. Eles não conhecem a minha ligação com o povo. Isso não vai acontecer! Vou ganhar a eleição desses filhos da mãe!", disse em seguida um Lula indignado. O assessor, atônito, dirigiu-se a alguns dos integrantes do Grupo das 8 e deu seu testemunho: "Não sei quem foi lá ontem, mas o cara não gostou da sugestão não".
Esta é uma das passagens mais nebulosas da história do mensalão. Dois dos três personagens que estiveram com Lula naquela noite desmentem categoricamente que tenham proposto ao presidente a renúncia à disputa eleitoral em 2006. Um deles admite, apenas, que Lula pode ter entendido dessa forma o tom da conversa. Agravando um clima que já parecia insuportável, um ministro levara ao conhecimento do presidente, naquele dia, uma pesquisa (um "tracking" telefônico) feita logo após o depoimento de Duda, mostrando nova queda na sua popularidade.
Numa primeira versão da história, contada com rigor de detalhes por um assessor de Lula logo após os acontecimentos, Dilma foi ao presidente, acompanhada de Palocci, para lhe dizer que, depois do que Duda contou ao Congresso, seu governo tinha chegado ao fim da linha e que o melhor a fazer naquele momento seria renunciar, não ao direito de se candidatar à reeleição, mas à própria Presidência. Ao gesto ousado de Dilma, Lula teria reagido com um riso contido e a frase: "Vocês não me conhecem".
Mais recentemente, uma nova versão do episódio, disseminada pelo próprio Lula entre assessores, fala apenas em renúncia à candidatura. A conversa teria ocorrido na Granja do Torto. O temor do impeachment era muito forte dentro do Grupo das 8, mas a iniciativa de verbalizá-lo ao chefe teria sido tomada por Palocci, Thomaz Bastos e Dilma sem consultar os outros integrantes do grupo.
Ao mesmo tempo em que reagia, irritado, à sugestão de desistência da candidatura, o próprio Lula alimentava essa possibilidade, possivelmente para testar seus aliados. É um velho hábito. Em 1998, quando julgava que tinha poucas chances de derrotar Fernando Henrique Cardoso nas urnas, Lula aventou a ideia de fazer prévias para a escolha do candidato do PT. Imediatamente, três postulantes se apresentaram, entusiasmados: Tarso Genro, Eduardo Suplicy e Cristovam Buarque. A partir dali, Lula ficou sabendo quem eram os interessados em disputar sua hegemonia no partido.
O flerte com Palocci e Ciro
No pior momento da crise, o presidente deu uma missão a Gilberto Carvalho: convocar Palocci para uma conversa urgente, na Granja do Torto. Antes, orientou o chefe de gabinete a estimular o ministro a lançar sua candidatura à Presidência em 2006. "Se prepara! Você vai ser o candidato. Eu não quero ser candidato", disse Lula a um incrédulo Palocci. "Só vou ser candidato se a gente não conseguir reverter essa crise porque, aí, eu vou pro pau com esses caras", acrescentou o presidente.
O então ministro da Fazenda reagiu negativamente. "Não tem hipótese de o senhor não ser candidato. No dia em que anunciar que não é candidato, aí o nosso buraco aumenta", argumentou Palocci. O raciocínio era que a renúncia à candidatura em 2006 enfraqueceria ainda mais o presidente. Lula decidiu, então, lançar outra carta.
"Se você não for candidato, vou chamar o Ciro, mas eu acho que tem que ser você", disse Lula. "Presidente, se o senhor achar que é isso, procure o Ciro, mas eu acho que é errado", insistiu Palocci. Carvalho ajudou a reforçar o suposto plano de Lula. "Estão surgindo os dois nomes, mas nós preferimos você", disse ele a Palocci, que, uma vez mais, rejeitou a sedução.
Numa viagem oficial a países africanos, pouco depois, Lula levou o então ministro Ciro Gomes na comitiva. O objetivo não foi outro senão fustigar a vontade de Ciro de ser presidente. Nos meses seguintes, à medida que foi se recuperando da crise, não tocou mais no assunto. "Ele queria que eu fosse o candidato no lugar dele", contou Ciro a amigos, dias mais tarde.
A oposição ficou fora desse jogo. Não propôs, em nenhum momento, um acordo com Lula em torno da eleição de 2006. O único a defender publicamente a ideia da não reeleição foi Fernando Henrique. Ele achava que, se Lula declarasse naquele momento que não seria candidato, voltaria a ter "respeitabilidade" e, eventualmente, até poderia se candidatar. Lula reagiu enfurecido à sugestão. "Se eles estão pensando que vão me tirar daqui no tapetão, nem pensar! Vou pra rua", afirmou ele numa reunião.
Preocupados com o andamento da crise, que, depois de Duda, chegara às cercanias do Palácio do Planalto, três figuras eminentes da República - um deputado do PT, um ministro do Supremo Tribunal Federal e um funcionário público do alto escalão - decidiriam procurar, separadamente, Thomaz Bastos.
Um dos três sugeriu que o presidente mandasse uma proposta ao Congresso, instituindo o mandato de cinco anos e eliminando a possibilidade de reeleição. Um outro propôs que Lula fizesse um pronunciamento à nação, no qual diria que estava abrindo mão da candidatura à reeleição. O terceiro foi pelo mesmo caminho. Os três tinham em comum a avaliação de que Lula só pacificaria o país, naquele momento, se desistisse de se candidatar no ano seguinte.
Lula contra-ataca
O depoimento de Duda foi uma enorme surpresa para Lula e seus principais auxiliares. Mas, ao contrário do que o presidente deixava transparecer em público, havia muito que o Palácio do Planalto se preparava para o pior. Além do Grupo das 8, armou-se também no Congresso um "bunker" para monitorar permanentemente o trabalho das três CPIs (a dos Correios, a do mensalão e a dos Bingos, também conhecida como "CPI do Fim do Mundo" por tratar de vários temas, entre eles, o assassinato do prefeito petista Celso Daniel). Emissários de Lula mantinham abertos, ainda, os canais com a oposição.
Lula não tinha ilusões: a oposição "mexeria com o impeachment", como afirmou no dia seguinte ao depoimento, em reunião na Granja Torto. Alguns auxiliares temiam que ele se deixasse abater, mas o presidente não demonstrou a menor disposição de cair sem briga. Dizia que o PT, um partido com base social, não era o PRN, a legenda de aluguel usada por Fernando Collor de Mello para se eleger em 1989. "Nós vamos pra rua defender o mandato que o povo nos deu", disse.
O presidente em pessoa conversou com José Lopes Feijó, dirigente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e da Central Única dos Trabalhadores (CUT), para armar manifestações de rua em defesa do governo.
Essa era a faceta beligerante da reação. A outra, de entendimento com a oposição, particularmente com FHC, prosperava por meio de conversas dos ministros Márcio Thomaz Bastos, que teve um papel destacado nessa costura, e Antônio Palocci e do deputado Aldo Rebelo, do PC do B, que atuou tanto como ministro da articulação política quanto na condição de presidente da Câmara, cargo que ocupou a partir do fim de setembro de 2005. Foram conversas decisivas para conter o ímpeto belicista da oposição, mas não tiveram consequência para uma aproximação entre PT e PSDB após a crise.
Na verdade, a oposição sempre teve dúvidas sobre a conveniência de propor o impeachment do presidente. Seria o segundo em pouco mais de dez anos - Collor foi impedido em 1992. Os oposicionistas temiam a pecha de golpistas. Avaliaram, também, que não tinham rua nem votos e, por isso, não revelavam a mesma disposição para o impeachment que Lula demonstrava ter para se manter no cargo que perseguira durante 13 anos.
Havia no Palácio do Planalto a percepção de que FHC tinha ascendência sobre o PSDB. E de fato era do ex-presidente o discurso mais bem articulado das oposições, moderado diante do que efetivamente achava da situação.
O que no Planalto se achava ser o elemento que a oposição precisava para propor o impeachment, para FHC o depoimento de Duda fora muito além: o publicitário dera a prova material para a Justiça anular a eleição de 2002 e empossar José Serra, o segundo colocado na disputa. Algo como o Tribunal Superior Eleitoral fez recentemente ao anular a eleição de Jackson Lago para o governo do Maranhão e mandar empossar Roseana Sarney, a segunda colocada. Apesar disso, o ex-presidente também estava convencido de que Lula reagiria ao impeachment com o discurso de classe - "o primeiro trabalhador a chegar à Presidência da República ia ser degolado pela elite" - e de que isso poderia dividir o país.
"Eles estão na lona!"
A conversa de FHC com Thomaz Bastos foi um embate entre dois mestres na arte da boa política. O ministro era a pessoa certa para a incursão exploratória de Lula. O advogado ajudara em campanhas eleitorais de FHC, mas, embora não fossem muito próximos, os pais deles - José Diogo Bastos e Leônidas Cardoso, ambos deputados nos anos 1950 - foram amigos. Thomaz Bastos confidenciou ao ex-presidente que informara Lula sobre aquele encontro, mas em nenhum momento disse que o presidente lhe pedira para procurá-lo.
A constatação de FHC foi rápida: "Eles [Lula, o PT e o governo] estão na lona".
Thomaz Bastos perscrutou como FHC estava vendo "as coisas". Uma conversa de "cerca-Lourenço", como contaria depois o ex-presidente aos tucanos. Na prática, o que Thomaz Bastos queria saber era se a oposição iria para o impeachment. FHC entendeu o recado e disse: "O impeachment é um ato político, o jurídico é outra coisa. Você vai para o tribunal. O ato político você tem que ter força para ganhar, não é ter a razão".
FHC contou para Thomaz Bastos o dilema que rondava a oposição: a CPI dos Correios reunira elementos até para a Justiça anular a eleição. Este era o aspecto legal. Politicamente, a situação era outra: a oposição não tinha força para votar o impeachment. E se tentasse, especulava FHC, dividiria o país. "E eu tenho horror [da divisão] porque vi isso muitas vezes - do Chile de Salvador Allende à Venezuela de Hugo Chávez", disse ao ministro
A conversa se estendeu por quase três horas. Já na rua, Thomaz Bastos se deu conta de que FHC não assumira nenhum compromisso contra o impeachment. Também constatou a veracidade da fama de pão-duro que carrega o ex-presidente: num dado momento, percebendo que seu marido nada oferecera à visita, Dona Ruth serviu café e água e deixou os dois conversando madrugada adentro.
"Rua não tem regimento interno"
"Nós não queremos fazer o impeachment do presidente. Para nós, basta o impeachment moral do Lula, para ele chegar às eleições sem condições de concorrer", disse Fernando Henrique a outro representante do governo, Aldo Rebelo. Na ocasião, Aldo pensou: "É do jogo".
O PSDB queria tirar Lula do poder na eleição e não por meio do impeachment, processo que, àquela altura, o governo denunciava como sendo "golpe da oposição". Ao se despedir do ex-presidente, no entanto, Rebelo achou prudente fazer uma advertência: "Rua não tem regimento interno". Uma frase que só confirmou os piores temores de FHC sobre o risco de divisão do país embutido na empreitada do impeachment.
Já Palocci procurou FHC para manifestar preocupação com o que chamou de "repercussões sistêmicas" da CPI dos Bingos. "Olha, Palocci, não estou no dia a dia do Senado, do PSDB, não estou no telefone dando ordens. O pessoal pensa que eu faço isso. Não. Eu não sei como é que o PSDB vai se comportar. Não há interesse em botar fogo no mercado", respondeu FHC.
O ex-presidente não se comprometeu com os emissários governistas, mas atuou para manter a oposição com os pés no chão. "O problema é o seguinte: temos força?" [para o impeachment], perguntou a Arthur Virgílio, líder tucano no Senado, e a Tasso Jereissati, então presidente do PSDB. Em seguida, contou a história de Josef Stalin, quando o líder comunista russo foi confrontado com o poder da Igreja Católica na reunião dos líderes aliados, no pós-guerra: "Quantas divisões tem o papa?"
A oposição ameaçava, foram apresentadas 30 proposições de impeachment, mas o fato é que os oposicionistas não tinham votos para derrubar Lula. Esteve próxima de tê-los, como se pode depreender da eleição de Aldo Rebelo para a presidência da Câmara, após a queda de Severino Cavalcanti no chamado escândalo do mensalinho, que por quase um mês desviou as atenções e ajudou a esfriar o debate do impeachment.
A presidência da Câmara era uma posição estratégica: cabe a ela dar início ou mandar arquivar todos os pedidos de abertura de processo de impeachment. Severino era um aliado do Planalto. E o PFL teve atuação também decisiva na investigação que levou à denúncia de que Severino recebia propina de um concessionário de serviços da Câmara.
A eleição para a substituição de Severino foi duríssima. No primeiro turno, houve empate em 182 votos entre Aldo e o candidato do PFL, José Thomaz Nonô. No segundo, o governo ganhou por 258 a 243. A eleição de um pefelista, naquele momento, poderia ter mudado o curso da história.
Deixa sangrar
Sem votos no Congresso e sem apoio nas ruas, a oposição se consumia também em dúvidas. Na avaliação de PSDB e PFL, o PT cometera um erro de cálculo político em 1992, ao apostar todas as fichas no impeachment de Fernando Collor - se tivesse mantido o ex-presidente no cargo, mas enfraquecido, provavelmente Lula seria o presidente da República já nas eleições de 1994.
Consumado o impeachment de Collor, o vice-presidente Itamar Franco assumiu e fez um governo de coalizão, do qual só o PT não participou. Após os meses iniciais de hesitação, quando teve quatro ministros da Fazenda, o novo governo decretou o Plano Real, fundamental para FHC derrotar Lula no primeiro turno da eleição de 1994.
Empunhando a bandeira "institucional" durante o mensalão, FHC foi chave nas negociações para evitar o impeachment de Lula. Mas ele não esteve sozinho. Parte de PSDB e do PFL seguia a mesma bússola: a oposição não deveria tomar a iniciativa do impeachment, mas, por outro lado, deixaria correr as investigações nas CPIs. Era a tese do sangramento de Lula.
Àquela altura, faltava pouco mais de um ano para as eleições de 2006. Com maior ou menor grau de blindagem do presidente, o sangramento foi a linha dominante na oposição, do senador Tasso Jereissati ao pefelista Jorge Bornhausen. E também a trilha seguida pelos ex-governadores de São Paulo e Minas Gerais - respectivamente, José Serra e Aécio Neves.
O enterro do impeachment ocorreu numa reunião burocrática de líderes da oposição na segunda-feira seguinte ao depoimento de Duda. Os partidos avaliaram que havia elemento material para o enquadramento jurídico de Lula, mas faltavam votos no plenário e apoio das ruas. Simples assim. "Não há clima político para o impedimento e o pedido, se houver, tem de vir da sociedade", declarou, depois da reunião, o senador Arthur Virgílio.
Apenas um representante do tucanato - Luiz Carlos Bresser-Pereira, ex-ministro de FHC - foi a público, em artigo na "Folha de S.Paulo", defender abertamente o impeachment de Lula. "Estamos ante a maior crise moral da história brasileira", escreveu Bresser-Pereira. Ironicamente, em 2007, no segundo mandato de Lula, ele foi nomeado para integrar o "conselho de orientação" de um órgão do governo - o Ipea.
Cadáveres insepultos
A crise do mensalão já corria solta quando Lula decidiu enviar um emissário para conversar com Delúbio Soares, tesoureiro do PT. Ele queria entender o tamanho do enredo em que o partido se metera. "Gilbertinho, vai a São Paulo e conversa com o Delúbio. Eu quero saber que encrenca é essa", ordenou Lula ao chefe de gabinete.
Numa sala do diretório nacional do PT em São Paulo, Delúbio explicou que o partido fez muitas despesas na campanha eleitoral de 2002. Com uma franqueza que assustou o interlocutor, disse que esperava a ajuda do governo em "algumas operações" e que esse auxílio nunca veio. Diante disso, foi obrigado a buscar outras fontes de financiamento, o que acabou levando-o a conhecer o empresário Marcos Valério.
Uma dessas operações, só agora revelada, chegou ao Palácio do Planalto, mas foi abortada pelo ministro Palocci e pelo presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. O plano era levantar a liquidação bancária do Banco Econômico, que sofreu intervenção do BC em 1995. Os beneficiários do negócio seriam o antigo controlador do Econômico - Ângelo Calmon de Sá - e o banco português Espírito Santo.
A contrapartida da operação seria a concessão de um auxílio financeiro do Espírito Santo ao PT. "Presidente, isso aí é cadeia! Não vamos fazer um negócio desse de jeito nenhum", disse um ministro durante reunião para tratar do assunto. Sem pestanejar, Lula mandou encerrar o assunto ali mesmo. Antes de chegar à cúpula, no entanto, o tema, que não dizia respeito apenas ao espólio do Banco Econômico, mas também ao de outros bancos sob intervenção do BC, correu meses dentro do governo.
Os bancos liquidados na primeira fase do Plano Real, quando a queda abrupta da inflação subtraiu grande parte das receitas que eles apuravam com a perda diária de valor da moeda nacional, tornaram-se cadáveres insepultos. As intervenções começavam, mas nunca terminavam. Os ex-controladores dos bancos sempre alegaram que, concluída a liquidação, eles teriam dinheiro a receber do BC. Este, por sua vez, sustenta que isso é fantasia, uma vez que a União injetou bilhões de reais nas instituições para honrar compromissos com os correntistas e cobrir outros buracos.
No início do governo Lula, banqueiros cassados pelo BC fizeram intenso lobby em Brasília para amolecer o coração da autoridade bancária. Em 2004, conseguiram, por exemplo, que a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado criasse uma subcomissão para tratar exclusivamente das intervenções. Durante os debates, acusou-se o Banco Central de abuso de poder. Depois, tentou-se limitar legalmente o prazo do processo de liquidação, mas a proposta nunca foi adiante.
Em outra frente, Marcos Valério, apontado pela CPI dos Correios como o operador do mensalão, começou a circular com grande desembaraço dentro do governo, representando os interesses do Banco Rural, que, como revelou a comissão, fez empréstimos para salvar o PT da bancarrota. Detentor de 22% do capital do Banco Mercantil de Pernambuco, também liquidado em 1995, o Rural queria uma solução rápida para a intervenção, de forma que, ao fim da operação, pudesse assumir o espólio do banco.
As visitas de Valério ao BC
Valério não economizou visitas à sede do Banco Central, em Brasília. Esteve lá 14 vezes, segundo registros da instituição. Na primeira ocasião, foi informado das restrições legais para o levantamento de liquidação bancária nos moldes exigidos pelos ex-banqueiros. Não satisfeito, contratou um advogado para instruí-lo na elaboração de um projeto que alterasse a lei que rege as intervenções do BC.
O empresário dizia, nos gabinetes de Brasília, que atuava com o conhecimento do então ministro José Dirceu. De fato, ele tinha trânsito livre. No início de 2005, por exemplo, levou o presidente do Banco Espírito Santo, Ricardo Espírito Santo, para uma audiência na Casa Civil com Dirceu. Os laços foram estreitados. Em fevereiro deste ano, por exemplo, o executivo depôs, na Justiça Federal em São Paulo, como testemunha de defesa do ex-ministro no inquérito do mensalão.
Nas andanças pela capital federal, Valério esbarrou num funcionário de carreira do BC - Gustavo Matos do Vale, diretor de Liquidações e Controle de Operações do Crédito Rural. Num dos encontros com Vale, Valério levou-lhe uma proposta de medida provisória que alterava a legislação de liquidação bancária.
Educadamente, o diretor do BC explicou-lhe que, como haveria impacto na Lei de Responsabilidade Fiscal, qualquer mudança teria que ser feita por meio de um projeto de lei complementar. Valério reagiu de forma colérica às ponderações de Vale. Achou que o diretor do BC estava caçoando dele. Afinal, os dois já tinham conversado várias vezes sobre o tema. Funcionário público há 26 anos, Matos do Vale sabia, desde a primeira visita de Valério, que, para seu próprio bem, não deveria levar a sério a prosa do interlocutor.
Nem todo mundo pensava assim em Brasília. A pressão para levantar a liquidação de bancos falidos era tão forte que Henrique Meirelles decidiu fazer uma proposta insólita ao ministro Palocci - a mudança do BC para a Fazenda da diretoria que cuida desse assunto. Palocci argumentou que, se Meirelles estava se sentindo coagido e se isso estava lhe causando um problema de "sustentabilidade", ele poderia analisar a mudança, embora não a considerasse necessária. O ministro temia que a transferência aumentasse ainda mais o interesse da classe política pelo tema.
Meirelles estava reticente. Quando começou a dizer "não" aos pedidos de suspensão das intervenções bancárias, um jornalista o procurou. "Olha, dr. Meirelles, vem aí onda de denúncias contra o senhor", disse o interlocutor. Meirelles quis saber o porquê e ouviu que era por causa dos bancos. Nos dias seguintes, apareceram na imprensa as primeiras denúncias.
O próprio Palocci foi alvo de pressões. Certa vez, estiveram em seu gabinete representantes de três gerações da família Monteiro, principal acionista do Banco Mercantil de Pernambuco. Entre eles, Armando Monteiro Filho, ex-ministro do governo João Goulart e amigo de longa data do presidente Lula, e Armando Monteiro Neto, deputado do PTB e presidente da Confederação Nacional da Indústria. Na ocasião, Palocci foi a Lula para explicar o que estava acontecendo. "Não quero nem ver", desconversou o presidente.
Da conversa com os Monteiro, ficou na memória de uma testemunha a palavra usada pelo deputado durante argumentação em defesa do fim da intervenção no Mercantil de Pernambuco: "anatocismo" (a capitalização de juros acumulados por não terem sido liquidados no vencimento). Apesar da pressão, "a família Monteiro foi institucional", assegurou Palocci em relato feito ao presidente Lula na ocasião.
Por meio de sua assessoria, o Banco Espírito Santo confirma que, "em 2001 ou 2002", foi procurado por Calmon de Sá. O ex-banqueiro, segundo a assessoria, queria que o banco português intermediasse, no mercado, a venda de títulos do Econômico. Ocorre que os títulos jamais foram liberados pelo BC. Afinal, o banco estava sob intervenção. Daí o suposto interesse no fim da liquidação. O banco português nega ter cogitado dar auxílio financeiro ao PT, informação confirmada por mais de um personagem ouvido pelo Valor.
Quando Lula chorou
Durante toda a crise do mensalão, apenas um fato levou o presidente Lula às lágrimas: a entrada, no governo, de dois antigos companheiros do movimento sindical - Luiz Marinho, então presidente da Central Única dos Trabalhadores, que assumiu o Ministério do Trabalho; e Paulo Vannuchi, que se tornou titular da Secretaria de Direitos Humanos. Os dois embarcaram no pior momento de Lula. O primeiro, em julho de 2005; o segundo, em dezembro daquele ano.
Marinho, que hoje é prefeito de São Bernardo do Campo (SP), era considerado pelo próprio Lula o seu sucessor no movimento sindical. O presidente trata-o por filho. Vannuchi tem fortes vínculos com o sindicalismo e a esquerda católica. A presença dos dois no governo ajudou Lula a se reaproximar da sua antiga base social, que, em meados de 2005, andava um tanto decepcionada com os rumos de sua gestão, especialmente na área econômica, a mais bem-sucedida.
Durante conversa com Thomaz Bastos, Lula chorou ao lembrar que Marinho e Vannuchi encararam o desafio de entrar para o governo naquela situação. Sua popularidade estava no patamar mais baixo de toda sua trajetória na Presidência da República. O índice daqueles que consideravam seu governo "ruim" ou "péssimo" também era recorde - 29% em dezembro de 2005.
A inflexão de Lula foi calculada. Como achou que tinha perdido apoio das elites, que na sua visão estavam interessadas em apeá-lo do poder, o presidente concluiu que chegara a hora de fazer acenos em direção a antigos apoiadores. Ao colocar Marinho no Trabalho, iniciou um processo de forte recuperação do salário mínimo, até então evitado por causa dos impactos negativos nas contas da previdência social.
No segundo mandato, Lula aprofundou a inflexão, passando a conceder aumentos salariais generosos ao funcionalismo público, categoria com a qual havia rompido parcialmente em 2003 ao propor a reforma da previdência. No pós-mensalão, o presidente manteve o tripé da política econômica herdado de FHC - superávit primário, metas para inflação e câmbio flutuante -, mas desistiu de regulamentar aquela reforma e também de propor novas mudanças constitucionais. Trouxe, finalmente, o PMDB para o governo e montou no Congresso uma espécie de frente anti-impeachment, composta de 14 partidos, da esquerda à direita.
Na nova fase do governo, Lula deu força à ideia de uma "República Sindicalista". De alguma maneira, fez o que se dizia que o presidente João Goulart (1961-1964) quisera implantar 40 anos antes e que provocou a sua queda. Os sindicalistas passaram a se sobrepor no PT e no governo, em detrimento dos outros grupos fundadores do partido - a esquerda católica, os ex-guerrilheiros e os intelectuais.
"Põe no cofre, Gilberto"
Além do Grupo das 8, durante a crise foi montado um "bunker" na liderança do PT na Câmara, no qual o deputado e advogado Luiz Eduardo Greenhalgh monitorava os depoimentos nas CPIs, ao mesmo tempo em que enchia caixas e mais caixas com denúncias contra os adversários de Lula.
Os parlamentares do "bunker" registraram que havia algo de errado na movimentação de Duda, mas foi tranquilizado pelo Grupo das 8 - que também participava das reuniões dos congressistas - sobre a lealdade do publicitário.
No domingo anterior ao depoimento de Duda, houve uma reunião no apartamento de Greenhalgh para acertar a agenda de trabalho da semana nas CPIs. "Gente, eu estou preocupado. Quem é que está controlando o Duda?", perguntou o deputado. José Dirceu tomou a iniciativa de responder: "Pode ficar tranquilo. O Duda está sob controle". Ciro Gomes, que também estava presente, esgueirou-se até a beira do sofá: "Estou de acordo. O Duda está sob controle, tem mantido contato".
Estavam todos enganados. Duda não só foi à CPI, como deu à oposição o elo que havia entre a eleição do presidente e a contabilidade fraudulenta do PT. Durante toda a crise, Lula tentou separar uma coisa da outra. O próprio Grupo das 8 tem origem numa ordem do presidente para tentar desvincular inteiramente o governo do escândalo. "Não quero reunião na hora do expediente (a partir das 9h), não quero encontrar ninguém conversando sobre isso quando eu chegar ao palácio", advertira Lula.
No apartamento de Greenhalgh, a extensão da crise era medida pelo consumo de bebida e comida. Havia dias em que Jaques Wagner enxugava sozinho uma garrafa de uísque. Bebia também rum e vinho, mas sempre manteve a compostura e a língua afiada. O nacionalista Aldo Rebelo preferia cachaça.
Lula recebeu de Greenhalgh, advogado das causas mais importantes do PT, a famosa "lista de Furnas", matriz do processo que mais tarde levaria o carimbo de "mensalão do PSDB". O PT, enfim, fazia prevalecer a tese segundo a qual eram "todos iguais". O presidente conferiu cada nome da lista, de cima até embaixo. Em seguida chamou Gilberto Carvalho e ordenou: "Põe no cofre, Gilberto. Põe no cofre".
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Arrependimento tardio - candidata Marina Silva
Eleições: Em entrevista à rádio, candidata do PV à Presidência da República busca cativar eleitor antipetista
Marina diz que PT a levou a erro na LRF e no Real
Ana Paula Grabois, de São Paulo
Valor Econômico, 25/05/2010
Na tentativa de se aproximar do eleitorado antipetista, a pré-candidata à Presidência da República do PV, Marina Silva, disse que errou ao votar contra a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e o Plano Real quando era senadora, sob a orientação de seu antigo partido, o PT. "Eu digo que foi um erro nós não termos avaliado que havia um ganho com o Plano Real, ganho que o presidente Lula inclusive manteve com a Carta ao Povo Brasileiro, só que teve dificuldade de reconhecer isso", afirmou. Ela também foi favorável ao que chamou de "Estado profissional e competente", ao mencionar que é preciso dar importância à carreira no serviço público, com a abertura de concursos e valorização do mérito, sem aparelhamento da máquina pública.
Marina também se colocou a favor das reformas da Previdência e tributária. "O Brasil não aguenta mais o peso dos tributos e da ineficiência do Estado que cobra caro e oferece pouco em seus serviços", disse a pré-candidata do PV. A pré-candidata do PV se disse contrária ao fim do fator previdenciário, mas defendeu o aumento de 7,7% aos aposentados, pois acha "justo" recompor a renda desse grupo. Marina disse que para contrabalançar o maior peso de reajustes do INSS é preciso fazer a reforma na Previdência.
Por outro lado, Marina lembrou de sua ligação com a Central Única dos Trabalhadores (CUT), ao se dizer favorável à redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais. A candidata, contudo, condicionou o apoio à a redução de horas de trabalho ao aumento do emprego com carteira assinada sem levar ao aumento de horas extras. Segundo Marina, o próprio empresariado tem dificuldade para assimilar tal modificação em razão do "alto custo de produção" e do "custo elevado dos tributos.
Marina minimizou o episódio no qual seu nome foi coberto por adesivos em faixas estendidas durante o lançamento da pré-candidatura de Fernando Gabeira (PV) ao governo do Rio, no domingo. A coligação estadual que tem Gabeira à frente, formada por PV, PSDB, DEM e PPS, dará palanque a Marina e a seu concorrente do PSDB, José Serra.
Durante entrevista à rádio CBN, Marina, ausente no evento de domingo, justificou ter havido preocupação da organização da campanha de Gabeira para evitar problemas com a Justiça Eleitoral, depois que o PV foi notificado pelo Ministério Público Eleitoral em Natal porque um grupo colocou uma faixa com seu nome na frente da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte. "Com base nessa notificação, o pessoal da campanha do Gabeira orientou que colocasse o ocultamento do nome, mas não tem nada a ver com política", disse. Para Marina, os concorrentes Serra e Dilma Rousseff (PT) "extrapolaram" porque fizeram campanha eleitoral antecipada. "Foi uma orientação de quem não quer extrapolar como estão extrapolando aí a torto e a direito", disse.
Após a entrevista à rádio, Marina disse que nem ela nem Serra não foram ao lançamento de Gabeira ao governo do Rio pois já havia acerto prévio. "Além disso, eu já tinha um impedimento neste domingo. Fiquei tentando melhorar (a voz), para dar esta entrevista", disse. o comentar a coligação fluminense, a pré-candidata disse que Gabeira tem dito estar com o projeto nacional do PV, mas que a coligação está sendo construída de uma forma "muito delicada". "O governador Serra está apoiando. Isso é muito bom, significa que o Gabeira é o melhor para o Rio de Janeiro e o projeto do PV é o melhor para o Brasil", afirmou.
Sobre a recente intermediação do Brasil com o Irã, Marina destacou que o Irã não respeita os Direitos Humanos. "O Brasil acabou dando uma audiência excessiva que nenhuma democracia ocidental deu ao Irã", afirmou. Na sua avaliação, é recomendável que o governo brasileiro fique em "compasso de espera" sobre o desenrolar das decisões do Irã e que mantenha a pressão sobre o país.
Marina diz que PT a levou a erro na LRF e no Real
Ana Paula Grabois, de São Paulo
Valor Econômico, 25/05/2010
Na tentativa de se aproximar do eleitorado antipetista, a pré-candidata à Presidência da República do PV, Marina Silva, disse que errou ao votar contra a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e o Plano Real quando era senadora, sob a orientação de seu antigo partido, o PT. "Eu digo que foi um erro nós não termos avaliado que havia um ganho com o Plano Real, ganho que o presidente Lula inclusive manteve com a Carta ao Povo Brasileiro, só que teve dificuldade de reconhecer isso", afirmou. Ela também foi favorável ao que chamou de "Estado profissional e competente", ao mencionar que é preciso dar importância à carreira no serviço público, com a abertura de concursos e valorização do mérito, sem aparelhamento da máquina pública.
Marina também se colocou a favor das reformas da Previdência e tributária. "O Brasil não aguenta mais o peso dos tributos e da ineficiência do Estado que cobra caro e oferece pouco em seus serviços", disse a pré-candidata do PV. A pré-candidata do PV se disse contrária ao fim do fator previdenciário, mas defendeu o aumento de 7,7% aos aposentados, pois acha "justo" recompor a renda desse grupo. Marina disse que para contrabalançar o maior peso de reajustes do INSS é preciso fazer a reforma na Previdência.
Por outro lado, Marina lembrou de sua ligação com a Central Única dos Trabalhadores (CUT), ao se dizer favorável à redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais. A candidata, contudo, condicionou o apoio à a redução de horas de trabalho ao aumento do emprego com carteira assinada sem levar ao aumento de horas extras. Segundo Marina, o próprio empresariado tem dificuldade para assimilar tal modificação em razão do "alto custo de produção" e do "custo elevado dos tributos.
Marina minimizou o episódio no qual seu nome foi coberto por adesivos em faixas estendidas durante o lançamento da pré-candidatura de Fernando Gabeira (PV) ao governo do Rio, no domingo. A coligação estadual que tem Gabeira à frente, formada por PV, PSDB, DEM e PPS, dará palanque a Marina e a seu concorrente do PSDB, José Serra.
Durante entrevista à rádio CBN, Marina, ausente no evento de domingo, justificou ter havido preocupação da organização da campanha de Gabeira para evitar problemas com a Justiça Eleitoral, depois que o PV foi notificado pelo Ministério Público Eleitoral em Natal porque um grupo colocou uma faixa com seu nome na frente da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte. "Com base nessa notificação, o pessoal da campanha do Gabeira orientou que colocasse o ocultamento do nome, mas não tem nada a ver com política", disse. Para Marina, os concorrentes Serra e Dilma Rousseff (PT) "extrapolaram" porque fizeram campanha eleitoral antecipada. "Foi uma orientação de quem não quer extrapolar como estão extrapolando aí a torto e a direito", disse.
Após a entrevista à rádio, Marina disse que nem ela nem Serra não foram ao lançamento de Gabeira ao governo do Rio pois já havia acerto prévio. "Além disso, eu já tinha um impedimento neste domingo. Fiquei tentando melhorar (a voz), para dar esta entrevista", disse. o comentar a coligação fluminense, a pré-candidata disse que Gabeira tem dito estar com o projeto nacional do PV, mas que a coligação está sendo construída de uma forma "muito delicada". "O governador Serra está apoiando. Isso é muito bom, significa que o Gabeira é o melhor para o Rio de Janeiro e o projeto do PV é o melhor para o Brasil", afirmou.
Sobre a recente intermediação do Brasil com o Irã, Marina destacou que o Irã não respeita os Direitos Humanos. "O Brasil acabou dando uma audiência excessiva que nenhuma democracia ocidental deu ao Irã", afirmou. Na sua avaliação, é recomendável que o governo brasileiro fique em "compasso de espera" sobre o desenrolar das decisões do Irã e que mantenha a pressão sobre o país.
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segunda-feira, 24 de maio de 2010
Os desafios dos candidatos - Gaudencio Torquato
Os três faróis do voto
Gaudêncio Torquato
O Estado de S.Paulo, 23 de maio de 2010
O que o eleitor leva mais em consideração na hora de votar: benefícios sociais e econômicos proporcionados por governos ou a trajetória de vida dos candidatos? Essa é a mais instigante questão no fórum de análises que se abre na presente quadra político-eleitoral. A interrogação acirra a polêmica que, a esta altura, se espraia por alas simpatizantes de candidatos, tendo como cerne os principais atores do pleito presidencial de outubro: José Serra, com densa experiência política e administrativa nas esferas federal, estadual e municipal; Dilma Rousseff, cuja identidade ganhou força na era Lula, mas sem nunca ter obtido um voto; e Marina Silva, com trajeto no Executivo e no Legislativo, encarnando a simbologia em defesa do meio ambiente. A última pesquisa Sensus traz uma pista para desvendar a dúvida, com as alternativas apresentadas aos eleitores: na hora de votar, 44% levarão em conta benefícios econômicos e sociais concedidos no governo Lula, enquanto 35% se deterão sobre o currículo dos candidatos.
A pequena diferença entre as porcentagens denota que os dois fatores serão fundamentais. A primeira leitura é a de que o eleitor tende a escolher ora degustando o menu econômico posto na mesa social, ora avaliando capacidades dos candidatos. Há, porém, uma teia que sugere bifurcações na tomada de decisão do eleitor. Os simpatizantes do fator econômico não votarão necessariamente na candidata situacionista, como se poderia aduzir, e parcela dos conjuntos que apontam como fator mais importante atributos do candidato poderá recusar o sufrágio no candidato oposicionista. Aliás, a pesquisa Sensus confirma a hipótese ao mostrar que 46% dos assistidos com o Bolsa-Família e o Primeiro Emprego (programas do governo) pretendem votar em Dilma e 33%, em Serra. As opções contidas na questão mexem com outros componentes do processo decisório, como condições do votante, geografia eleitoral, patronos e clima ambiental. Essas variáveis favorecem o voto à moda Frankenstein, mistura de uns com outros. Em muitos Estados, a esta altura, já se serve salada mista. Além disso, cada pleito tem seu caráter, uma identidade que o difere de outros. Não é razoável comparar o pleito deste ano com o de 2002. Naquele tempo, Fernando Henrique Cardoso tinha baixa avaliação. A cota de votos do Plano Real fora esgotada. Já as eleições deste ano, mesmo tirando Lula do cartaz, não afetam seu prestígio.
O prato econômico será o mais disputado na mesa eleitoral. Numa escala até 100, é razoável supor que lidere a medição com cerca de 40%. O empuxo gerado pela economia tem que ver com o instinto de sobrevivência do indivíduo. Para efeitos eleitorais, ele se apresenta na forma de vantagens econômicas e satisfações materiais, superação de dificuldades, ascensão de pessoas na escada social, conforto, harmonia doméstica e bem-estar geral. O voto que sai dessa equação recebe um selo de origem. É provável que habitantes do andar de baixo sejam mais generosos com perfis ligados aos benefícios econômicos, enquanto habitantes dos andares de cima, mais exigentes, podem puxar o voto do bolso para a cabeça. E esse voto consciente se expande pelos estratos médios das metrópoles e dos polos mais desenvolvidos. Distingue-se, portanto, a escolha racional da opção emotiva, sendo esta última comum no Nordeste. Aí, outro condicionante se soma à força do fator econômico: os senhores da política.
É bom lembrar que o voto, mesmo se afastando do grilhão dos caciques, ainda é influenciado por ele. Grandes bolsões eleitorais seguem o cabresto curto de chefões. Outro grupo frequenta a fila dos donos de fatias na administração pública, enquanto parcela ponderável, no pleito deste ano, seguirá o comando do mestre Lula. Essa parcela de votação colada ao mando é de aproximadamente 30% do eleitorado. Nessa área, o poder se reparte entre situação e oposição. E é nessa divisão que emerge a influência do maior senhor da política hoje, o cabo eleitoral Luiz Inácio. Desempenhará, seguramente, papel importante. Basta anotar a atual intenção de voto em Dilma, que vem por atração do ímã presidencial.
Definido o poderio exógeno, resta aos candidatos a força endógena, simbolizada por seu currículo. Na escala de pontuação, as qualidades individuais somam algo como 30%. Mas o acervo pessoal não terá força, quando considerado isoladamente, fora do contexto que o cerca. Daí por que os candidatos precisam inscrever seus relatos no livro de compromissos para o Brasil. Currículo espetacular precisa ser acompanhado de escopos interessantes. Da mesma forma, boas ideias só convencem quando a fonte é crível. Portanto, a química de resultados parte da relação intrínseca entre os elementos da composição. O que e como dizer uma proposta? Tecnicismo demais ou simplicidade de menos podem zerar o jogo. Arrumar uma semântica capaz de entrar na cachola do eleitor, sem se tornar demagogia, é um exercício que pode ser testado no intervalo que o País concederá aos candidatos por ocasião da Copa. Grande porção de ideias se perde. Pesquisas europeias mostram que apenas 7% do impacto do discurso depende do conteúdo, enquanto as comunicações não verbais são responsáveis por 93% da eficácia. Destas, 55% provêm de expressões faciais e 38%, de elementos paralinguísticos - voz, entonação, gestos e postura. Não por acaso, os candidatos começam a caprichar no aspecto visual.
Portanto, há desafios de monta a serem enfrentados pelos três principais atores. Dilma precisa demonstrar que, sem histórico eleitoral, tem competência para governar o Brasil. Serra deve convencer de que é o melhor para substituir Lula. Marina tem de sair da redoma ambiental e frequentar o fórum nacional de questões. A tentativa de cada um passará pelo túnel onde se encontram os três faróis que orientarão o voto: economia, patrocinadores e qualidades pessoais.
Da solução desta equação sairá o vencedor.
JORNALISTA, É PROFESSOR TITULAR DA USP E CONSULTOR POLÍTICO
Gaudêncio Torquato
O Estado de S.Paulo, 23 de maio de 2010
O que o eleitor leva mais em consideração na hora de votar: benefícios sociais e econômicos proporcionados por governos ou a trajetória de vida dos candidatos? Essa é a mais instigante questão no fórum de análises que se abre na presente quadra político-eleitoral. A interrogação acirra a polêmica que, a esta altura, se espraia por alas simpatizantes de candidatos, tendo como cerne os principais atores do pleito presidencial de outubro: José Serra, com densa experiência política e administrativa nas esferas federal, estadual e municipal; Dilma Rousseff, cuja identidade ganhou força na era Lula, mas sem nunca ter obtido um voto; e Marina Silva, com trajeto no Executivo e no Legislativo, encarnando a simbologia em defesa do meio ambiente. A última pesquisa Sensus traz uma pista para desvendar a dúvida, com as alternativas apresentadas aos eleitores: na hora de votar, 44% levarão em conta benefícios econômicos e sociais concedidos no governo Lula, enquanto 35% se deterão sobre o currículo dos candidatos.
A pequena diferença entre as porcentagens denota que os dois fatores serão fundamentais. A primeira leitura é a de que o eleitor tende a escolher ora degustando o menu econômico posto na mesa social, ora avaliando capacidades dos candidatos. Há, porém, uma teia que sugere bifurcações na tomada de decisão do eleitor. Os simpatizantes do fator econômico não votarão necessariamente na candidata situacionista, como se poderia aduzir, e parcela dos conjuntos que apontam como fator mais importante atributos do candidato poderá recusar o sufrágio no candidato oposicionista. Aliás, a pesquisa Sensus confirma a hipótese ao mostrar que 46% dos assistidos com o Bolsa-Família e o Primeiro Emprego (programas do governo) pretendem votar em Dilma e 33%, em Serra. As opções contidas na questão mexem com outros componentes do processo decisório, como condições do votante, geografia eleitoral, patronos e clima ambiental. Essas variáveis favorecem o voto à moda Frankenstein, mistura de uns com outros. Em muitos Estados, a esta altura, já se serve salada mista. Além disso, cada pleito tem seu caráter, uma identidade que o difere de outros. Não é razoável comparar o pleito deste ano com o de 2002. Naquele tempo, Fernando Henrique Cardoso tinha baixa avaliação. A cota de votos do Plano Real fora esgotada. Já as eleições deste ano, mesmo tirando Lula do cartaz, não afetam seu prestígio.
O prato econômico será o mais disputado na mesa eleitoral. Numa escala até 100, é razoável supor que lidere a medição com cerca de 40%. O empuxo gerado pela economia tem que ver com o instinto de sobrevivência do indivíduo. Para efeitos eleitorais, ele se apresenta na forma de vantagens econômicas e satisfações materiais, superação de dificuldades, ascensão de pessoas na escada social, conforto, harmonia doméstica e bem-estar geral. O voto que sai dessa equação recebe um selo de origem. É provável que habitantes do andar de baixo sejam mais generosos com perfis ligados aos benefícios econômicos, enquanto habitantes dos andares de cima, mais exigentes, podem puxar o voto do bolso para a cabeça. E esse voto consciente se expande pelos estratos médios das metrópoles e dos polos mais desenvolvidos. Distingue-se, portanto, a escolha racional da opção emotiva, sendo esta última comum no Nordeste. Aí, outro condicionante se soma à força do fator econômico: os senhores da política.
É bom lembrar que o voto, mesmo se afastando do grilhão dos caciques, ainda é influenciado por ele. Grandes bolsões eleitorais seguem o cabresto curto de chefões. Outro grupo frequenta a fila dos donos de fatias na administração pública, enquanto parcela ponderável, no pleito deste ano, seguirá o comando do mestre Lula. Essa parcela de votação colada ao mando é de aproximadamente 30% do eleitorado. Nessa área, o poder se reparte entre situação e oposição. E é nessa divisão que emerge a influência do maior senhor da política hoje, o cabo eleitoral Luiz Inácio. Desempenhará, seguramente, papel importante. Basta anotar a atual intenção de voto em Dilma, que vem por atração do ímã presidencial.
Definido o poderio exógeno, resta aos candidatos a força endógena, simbolizada por seu currículo. Na escala de pontuação, as qualidades individuais somam algo como 30%. Mas o acervo pessoal não terá força, quando considerado isoladamente, fora do contexto que o cerca. Daí por que os candidatos precisam inscrever seus relatos no livro de compromissos para o Brasil. Currículo espetacular precisa ser acompanhado de escopos interessantes. Da mesma forma, boas ideias só convencem quando a fonte é crível. Portanto, a química de resultados parte da relação intrínseca entre os elementos da composição. O que e como dizer uma proposta? Tecnicismo demais ou simplicidade de menos podem zerar o jogo. Arrumar uma semântica capaz de entrar na cachola do eleitor, sem se tornar demagogia, é um exercício que pode ser testado no intervalo que o País concederá aos candidatos por ocasião da Copa. Grande porção de ideias se perde. Pesquisas europeias mostram que apenas 7% do impacto do discurso depende do conteúdo, enquanto as comunicações não verbais são responsáveis por 93% da eficácia. Destas, 55% provêm de expressões faciais e 38%, de elementos paralinguísticos - voz, entonação, gestos e postura. Não por acaso, os candidatos começam a caprichar no aspecto visual.
Portanto, há desafios de monta a serem enfrentados pelos três principais atores. Dilma precisa demonstrar que, sem histórico eleitoral, tem competência para governar o Brasil. Serra deve convencer de que é o melhor para substituir Lula. Marina tem de sair da redoma ambiental e frequentar o fórum nacional de questões. A tentativa de cada um passará pelo túnel onde se encontram os três faróis que orientarão o voto: economia, patrocinadores e qualidades pessoais.
Da solução desta equação sairá o vencedor.
JORNALISTA, É PROFESSOR TITULAR DA USP E CONSULTOR POLÍTICO
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domingo, 23 de maio de 2010
Pesquisas eleitorais (23/05): Dilma sobe e empata com Serra
Dilma sobe e empata com Serra
Fernando Rodrigues
FOLHA DE S. PAULO, domingo, 23 de maio de 2010
A pré-candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, atingiu sua melhor marca até hoje numa pesquisa Datafolha e está empatada com seu concorrente direto, José Serra (PSDB). Ambos têm 37%, segundo levantamento nacional realizado ontem e anteontem. Na pesquisa anterior, feita em 15 e 16 de abril, Dilma tinha 30% - ou seja, a intenção de voto na petista subiu sete pontos.
Dilma sobe 7 pontos e empata com Serra, aponta Datafolha
Tucano cai 5 pontos desde levantamento de abril e ambos aparecem com 37%
Petista atinge melhor marca na série do instituto, lidera na espontânea e também registra empate no 2" turno; Marina se mantém com 12
BRASÍLIA - A pré-candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, atingiu sua melhor marca até hoje numa pesquisa Datafolha e está empatada com José Serra (PSDB). Ambos estão com 37%.
O levantamento foi realizado ontem e anteontem com 2.660 entrevistas.
A margem de erro é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos. Marina Silva (PV) aparece com 12%. Os que votam em branco, nulo ou em nenhum somam 5%. Indecisos são 9%. Na comparação com a última pesquisa Datafolha, realizada em 15 e 16 de abril, Dilma teve uma alta de sete pontos percentuais -de 30% para 37%. Já Serra caiu cinco pontos, saindo de 42% para os mesmos 37%.
Essa é a primeira vez que ambos aparecem empatados no Datafolha, que traz outros números positivos para a petista.
TV e Lula
"O principal fato que pode ser apontado como responsável por essa alta da candidata é o programa partidário de TV que o PT apresentou recentemente", diz Mauro Paulino, diretor-geral do Datafolha. Na semana passada, o PT foi à TV com vários comerciais de 30 segundos e com seu programa mais longo, de dez minutos. A estrela dessa investida de marketing foi Dilma Rousseff, com Lula como cabo eleitoral. Na pesquisa espontânea, quando os entrevistados não são apresentados a uma lista com os nomes dos candidatos, a curva da intenção de voto de Dilma continuou a descrever uma sólida curva ascendente. Ela tinha 8% em dezembro.
Em abril, estava com 13%. Agora, foi a 19% e está isolada em primeiro lugar. José Serra pontuou 14% -ele também vem subindo nesse quesito, mas em ritmo mais lento. Ainda na pesquisa espontânea, há também 5% que dizem ter intenção de votar em Lula , que não pode ser candidato. Outros 3% declarar querer votar no "candidato do Lula".
E 1% respondem "no PT" ou no "candidato do PT". Em tese, portanto, o potencial de voto espontâneo em Dilma pode ser de 28% -os seus 19% e mais outros 9% dos que desejam votar em Lula, em quem ele indicar ou em um nome apresentado pelo PT.
2º turno e rejeição
Quando são colocados na lista de candidatos os concorrentes de partidos pequenos, o cenário não se altera muito. Dilma e Serra continuam empatados, cada um com 36%. Marina tem 10%.
E só dois nanicos pontuam: José Maria Eymael (PSDC) e Zé Maria (PSTU). Dilma também colheu bom resultado na rejeição: seu índice caiu de 24% para 20% enquanto o de Serra subiu de 24% para 27%.
Marina também teve um resultado positivo, pois sua rejeição caiu de 20% para 14%. Na projeção de segundo turno, os dois estão tecnicamente empatados: a petista tem 46% contra 45% do tucano. Em abril, Serra aparecia dez pontos à frente da petista nesse quesito, com 50% a 40%.
Fernando Rodrigues
FOLHA DE S. PAULO, domingo, 23 de maio de 2010
A pré-candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, atingiu sua melhor marca até hoje numa pesquisa Datafolha e está empatada com seu concorrente direto, José Serra (PSDB). Ambos têm 37%, segundo levantamento nacional realizado ontem e anteontem. Na pesquisa anterior, feita em 15 e 16 de abril, Dilma tinha 30% - ou seja, a intenção de voto na petista subiu sete pontos.
Dilma sobe 7 pontos e empata com Serra, aponta Datafolha
Tucano cai 5 pontos desde levantamento de abril e ambos aparecem com 37%
Petista atinge melhor marca na série do instituto, lidera na espontânea e também registra empate no 2" turno; Marina se mantém com 12
BRASÍLIA - A pré-candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, atingiu sua melhor marca até hoje numa pesquisa Datafolha e está empatada com José Serra (PSDB). Ambos estão com 37%.
O levantamento foi realizado ontem e anteontem com 2.660 entrevistas.
A margem de erro é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos. Marina Silva (PV) aparece com 12%. Os que votam em branco, nulo ou em nenhum somam 5%. Indecisos são 9%. Na comparação com a última pesquisa Datafolha, realizada em 15 e 16 de abril, Dilma teve uma alta de sete pontos percentuais -de 30% para 37%. Já Serra caiu cinco pontos, saindo de 42% para os mesmos 37%.
Essa é a primeira vez que ambos aparecem empatados no Datafolha, que traz outros números positivos para a petista.
TV e Lula
"O principal fato que pode ser apontado como responsável por essa alta da candidata é o programa partidário de TV que o PT apresentou recentemente", diz Mauro Paulino, diretor-geral do Datafolha. Na semana passada, o PT foi à TV com vários comerciais de 30 segundos e com seu programa mais longo, de dez minutos. A estrela dessa investida de marketing foi Dilma Rousseff, com Lula como cabo eleitoral. Na pesquisa espontânea, quando os entrevistados não são apresentados a uma lista com os nomes dos candidatos, a curva da intenção de voto de Dilma continuou a descrever uma sólida curva ascendente. Ela tinha 8% em dezembro.
Em abril, estava com 13%. Agora, foi a 19% e está isolada em primeiro lugar. José Serra pontuou 14% -ele também vem subindo nesse quesito, mas em ritmo mais lento. Ainda na pesquisa espontânea, há também 5% que dizem ter intenção de votar em Lula , que não pode ser candidato. Outros 3% declarar querer votar no "candidato do Lula".
E 1% respondem "no PT" ou no "candidato do PT". Em tese, portanto, o potencial de voto espontâneo em Dilma pode ser de 28% -os seus 19% e mais outros 9% dos que desejam votar em Lula, em quem ele indicar ou em um nome apresentado pelo PT.
2º turno e rejeição
Quando são colocados na lista de candidatos os concorrentes de partidos pequenos, o cenário não se altera muito. Dilma e Serra continuam empatados, cada um com 36%. Marina tem 10%.
E só dois nanicos pontuam: José Maria Eymael (PSDC) e Zé Maria (PSTU). Dilma também colheu bom resultado na rejeição: seu índice caiu de 24% para 20% enquanto o de Serra subiu de 24% para 27%.
Marina também teve um resultado positivo, pois sua rejeição caiu de 20% para 14%. Na projeção de segundo turno, os dois estão tecnicamente empatados: a petista tem 46% contra 45% do tucano. Em abril, Serra aparecia dez pontos à frente da petista nesse quesito, com 50% a 40%.
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quinta-feira, 20 de maio de 2010
O avanco do governo sobre o dinheiro privado
O escorpião e a CPMF
Rolf Kuntz
O Estado de S. Paulo, 20.05.2010
Dona Dilma Rousseff parece não ter desistido dos R$ 40 bilhões da CPMF, o extinto imposto do cheque, também conhecido como Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira. O Ministério da Saúde, segundo ela, precisa desse dinheiro. Ou se remanejam verbas ou se negocia a criação de um imposto, disse a ex-ministra e pré-candidata numa entrevista à Rádio CBN. Acertou pela metade. Remanejar verbas é a solução, se de fato faltar dinheiro para os programas de saúde ? uma afirmação ainda não comprovada. Recursos não faltam ao Tesouro. Se esse fosse o caso, o governo não poderia elevar o salário real do funcionalismo como tem feito regularmente, nem inflar a folha de salários como nos últimos sete anos. Entre 2003 e 2009, a despesa média com servidores civis aumentou 101,1% no Executivo, 81,9% no Legislativo e 97,9% no Judiciário, em termos nominais. Nesse período, a inflação ficou em 59,1%.
A União gasta mal e conduz seus programas com incompetência. Neste ano, até abril, o Tesouro desembolsou R$ 10,96 bilhões para investimentos, apenas 17,1% dos R$ 62 bilhões autorizados para os 12 meses, segundo tabela montada pela organização Contas Abertas. Desempenho pífio, mas, apesar disso, o valor pago foi 80,9% maior que o de igual período de 2009, descontada a inflação. A maior parte do valor aplicado saiu de restos a pagar. São verbas empenhadas em exercícios anteriores e não usadas por incapacidade administrativa.
Sobra dinheiro, mas cresce a dívida bruta do setor público, e não só por causa da compra de dólares. O governo gasta mais do que deve, de forma improdutiva, e, além disso, endivida o Tesouro para abastecer o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). É uma recaída na promiscuidade bem conhecida no tempo da conta movimento, extinta pelo ministro Mailson da Nóbrega.
"Não estamos quebrando, estamos cada dia mais robustos", disse a ex-ministra. Para as contas públicas esse comentário não vale, exceto na visão muito particular da pré-candidata. Essa percepção especial se revela também num comentário sobre o fim da CPMF. Segundo ela, a eliminação do imposto do cheque não reduziu preços nem beneficiou o consumidor. Estranho comentário para uma economista: R$ 40 bilhões ficam no mercado, em vez de ser recolhidos, e não afetam os negócios? Só se tiverem sido entesourados. Pelo desempenho da economia, em 2009, não parece ter sido o caso.
Não se deve estranhar a choradeira pelos R$ 40 bilhões. O presidente Lula volta ao assunto com frequência, para atribuir à oposição um atentado à saúde do povo (como se a extinção da CPMF tivesse ocorrido sem os votos da base aliada). Mas não se trata só de retórica.
A fala do presidente corresponde a uma concepção de governo: muita tributação, muito espaço para ocupação partidária e muita centralização de poder. Quarenta bilhões a mais para o Ministério da Saúde representam vários bilhões a mais para o governo destinar a quaisquer outros gastos. Com isso se evitam o remanejamento de verbas e maiores preocupações com a qualidade e a eficiência da despesa pública. Cuidar do poder é o mais importante.
Essa concepção explica o empenho do governo ? e especialmente da ministra Dilma Rousseff ? em manter as agências de regulação sob o controle do Executivo. A pré-candidata falou sobre o papel das agências, na entrevista de segunda-feira, sem mencionar a autonomia e sem lembrar quanto tempo várias delas ficaram sem diretores suficientes para a operação normal.
O endividamento do Tesouro para abastecer o BNDES e a maior centralização da política do petróleo, embutida nos projetos do pré-sal, são componentes desse desenho do poder.
Como o escorpião da fábula, o grupo hoje ligado ao núcleo do Executivo não pode negar a própria natureza. Esta se revela na defesa constante do governo custoso e centralizador e no incorrigível autoritarismo do chamado Decreto dos Direitos Humanos. A versão maquiada mantém o avanço contra os meios de comunicação, ao mencionar "o cumprimento de seu papel na promoção da cultura dos Direitos Humanos" e ao propor a "criação de um marco legal (...) estabelecendo o respeito aos Direitos Humanos nos serviços de radiodifusão". Não se trata de defender direitos, mas de estabelecer controles. No caso das invasões, o novo texto substitui a mediação anterior à reintegração de posse, proposta na versão original, pela participação prioritária do Incra e de outros institutos de terras nas demandas judiciais. Muda o discurso, o ferrão é o mesmo
Rolf Kuntz
O Estado de S. Paulo, 20.05.2010
Dona Dilma Rousseff parece não ter desistido dos R$ 40 bilhões da CPMF, o extinto imposto do cheque, também conhecido como Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira. O Ministério da Saúde, segundo ela, precisa desse dinheiro. Ou se remanejam verbas ou se negocia a criação de um imposto, disse a ex-ministra e pré-candidata numa entrevista à Rádio CBN. Acertou pela metade. Remanejar verbas é a solução, se de fato faltar dinheiro para os programas de saúde ? uma afirmação ainda não comprovada. Recursos não faltam ao Tesouro. Se esse fosse o caso, o governo não poderia elevar o salário real do funcionalismo como tem feito regularmente, nem inflar a folha de salários como nos últimos sete anos. Entre 2003 e 2009, a despesa média com servidores civis aumentou 101,1% no Executivo, 81,9% no Legislativo e 97,9% no Judiciário, em termos nominais. Nesse período, a inflação ficou em 59,1%.
A União gasta mal e conduz seus programas com incompetência. Neste ano, até abril, o Tesouro desembolsou R$ 10,96 bilhões para investimentos, apenas 17,1% dos R$ 62 bilhões autorizados para os 12 meses, segundo tabela montada pela organização Contas Abertas. Desempenho pífio, mas, apesar disso, o valor pago foi 80,9% maior que o de igual período de 2009, descontada a inflação. A maior parte do valor aplicado saiu de restos a pagar. São verbas empenhadas em exercícios anteriores e não usadas por incapacidade administrativa.
Sobra dinheiro, mas cresce a dívida bruta do setor público, e não só por causa da compra de dólares. O governo gasta mais do que deve, de forma improdutiva, e, além disso, endivida o Tesouro para abastecer o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). É uma recaída na promiscuidade bem conhecida no tempo da conta movimento, extinta pelo ministro Mailson da Nóbrega.
"Não estamos quebrando, estamos cada dia mais robustos", disse a ex-ministra. Para as contas públicas esse comentário não vale, exceto na visão muito particular da pré-candidata. Essa percepção especial se revela também num comentário sobre o fim da CPMF. Segundo ela, a eliminação do imposto do cheque não reduziu preços nem beneficiou o consumidor. Estranho comentário para uma economista: R$ 40 bilhões ficam no mercado, em vez de ser recolhidos, e não afetam os negócios? Só se tiverem sido entesourados. Pelo desempenho da economia, em 2009, não parece ter sido o caso.
Não se deve estranhar a choradeira pelos R$ 40 bilhões. O presidente Lula volta ao assunto com frequência, para atribuir à oposição um atentado à saúde do povo (como se a extinção da CPMF tivesse ocorrido sem os votos da base aliada). Mas não se trata só de retórica.
A fala do presidente corresponde a uma concepção de governo: muita tributação, muito espaço para ocupação partidária e muita centralização de poder. Quarenta bilhões a mais para o Ministério da Saúde representam vários bilhões a mais para o governo destinar a quaisquer outros gastos. Com isso se evitam o remanejamento de verbas e maiores preocupações com a qualidade e a eficiência da despesa pública. Cuidar do poder é o mais importante.
Essa concepção explica o empenho do governo ? e especialmente da ministra Dilma Rousseff ? em manter as agências de regulação sob o controle do Executivo. A pré-candidata falou sobre o papel das agências, na entrevista de segunda-feira, sem mencionar a autonomia e sem lembrar quanto tempo várias delas ficaram sem diretores suficientes para a operação normal.
O endividamento do Tesouro para abastecer o BNDES e a maior centralização da política do petróleo, embutida nos projetos do pré-sal, são componentes desse desenho do poder.
Como o escorpião da fábula, o grupo hoje ligado ao núcleo do Executivo não pode negar a própria natureza. Esta se revela na defesa constante do governo custoso e centralizador e no incorrigível autoritarismo do chamado Decreto dos Direitos Humanos. A versão maquiada mantém o avanço contra os meios de comunicação, ao mencionar "o cumprimento de seu papel na promoção da cultura dos Direitos Humanos" e ao propor a "criação de um marco legal (...) estabelecendo o respeito aos Direitos Humanos nos serviços de radiodifusão". Não se trata de defender direitos, mas de estabelecer controles. No caso das invasões, o novo texto substitui a mediação anterior à reintegração de posse, proposta na versão original, pela participação prioritária do Incra e de outros institutos de terras nas demandas judiciais. Muda o discurso, o ferrão é o mesmo
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segunda-feira, 17 de maio de 2010
Relacoes entre Governo e Estado
Um texto de 2006, mas que também vale como uma declaração de princípios para as eleições de 2010.
O Estado, o Governo e o burocrata: alguns dilemas do serviço público
Paulo Roberto de Almeida
Em 2 de dezembro de 2006
As relações entre funcionários de carreira do Estado e os governos em vigor são sempre delicadas, uma vez que governos costumam solicitar adesões imediatas, em geral incondicionais, ao passo que Estados são entidades impessoais, aparentemente desprovidas de vontade própria, ainda que pautando-se por normas constitucionais mais ou menos permanentes. Os governos passam, o Estado fica, mas ele pode ser transformado pelo governo em vigor, se este último imprime uma ação de transformação estrutural das condições existentes ao início de seu mandato.
Funcionários de Estado devem ater-se, antes de mais nada, às normas constitucionais, tendo como diretrizes adicionais as leis gerais e os estatutos particulares que regem sua categoria ou profissão. Geralmente, mas nem sempre, os governos respeitam os estatutos próprios e os princípios que devem enquadrar as diferentes categorias de servidores do Estado, estabelecendo determinações que incidem mais sobre a conjuntura do que sobre a estrutura. Em alguns casos, governos pretendem não apenas transformar estruturalmente o Estado e a sociedade, mas também os regulamentos e as formas de atuação do Estado.
Desde que respaldada nas normas constitucionais em vigor e na vontade legítima da sociedade, tal como expressa pela via democrática das eleições, essa vontade transformista pode concorrer para a melhoria das condições de bem-estar da sociedade, pois se supõe que o governo encarna aquilo que em linguagem rousseauniana se chamaria “vontade geral”. A “vontade geral” é, contudo, algo tão difícil de ser definida quanto o chamado “interesse nacional”, suscetível de receber diferentes interpretações, tantas são as correntes políticas, os grupos sociais, os partidos em disputa pelo poder e outras configurações sociais que gravitam em torno do poder. Sim, antes de qualquer outra coisa, “vontade geral” e “interesse nacional” são basicamente definidos por quem detém o poder, não necessariamente em conclaves abertos ao conjunto da sociedade.
O moderno Estado democrático deveria ostentar um sistema de freios e contrapesos que impeça – ou pelo menos dificulte – sua manipulação por minorias partidárias que pretendem agir com base em “interesses peculiares” ou com base na “vontade particular” do grupo que ocasionalmente ocupa o governo. Tais são os papéis respectivos do parlamento e dos tribunais constitucionais, segundo o velho sistema do “equilíbrio de poderes”, ou segundo o moderno sistema – de inspiração anglo-saxã – dos checks and balances, que transformam toda vontade de alteração institucional em um delicado jogo de pressões e contra-pressões. Há que se atentar, também, para a necessária continuidade da ação do Estado, que poderia ficar comprometida caso a ação de um grupo detendo o poder temporariamente – isto é, exercendo o governo de forma legítima – busque alterar radicalmente políticas e orientações estabelecidas através de consensos anteriormente alcançados.
Pode-se dizer que as democracias modernas funcionam quase sempre segundo essa visão gradualista, qual seja, a de uma custosa negociação entre os grupos políticos representados no parlamento, seguida de uma lenta implementação das decisões alcançadas. A construção de consensos é tipica dos regimes parlamentaristas, baseados numa maioria mais ampla do corpo político e social, mas é menos típica nos regimes puramente presidencialistas, onde tendem a se desenvolver comportamentos cesaristas ou bonapartistas (isto é, com um apelo direto às massas). Neste caso, o carisma do líder político pode resultar num canal de comunicação direta deste com os eleitores, por cima e acima dos demais poderes, que encontram dificuldades para participar do processo decisório em bases rotineiras.
Tal tipo de situação também pode colocar desafios não convencionais aos funcionários de Estado, que podem ser chamados a implementar decisões que resultem, não de um processo gradual de consensus building, mas de uma decisão solitária do líder cesarista. Velhas normas e antigas tradições podem ser contestadas ou postas à prova nesse novo roteiro, o que coloca esses funcionários ante o dilema de aderir simplesmente à vontade do governo ou de buscar respaldo nas formas mais convencionais de atuação do Estado.
Não há uma resposta simples a esse dilema, pois ele implica em que o funcionário possa aferir se o processo decisório que conduziu a uma determinada tomada de decisão política está seguindo os canais institucionais consagrados ou se os novos procedimentos estão atropelando as normas e procedimentos do Estado. Em geral, a resposta é dada pela linha de menor resistência, que passa pela afirmação dos conhecidos princípios da hierarquia e da disciplina. Do funcionário de Estado se pede obediência aos ditames do governo, não necessariamente uma reflexão pessoal sobre os fundamentos da ação do governo. Esta última atitude é própria dos agentes políticos, não dos funcionários de carreira, aos quais se demanda obediência e aquiescências às ordens e determinações superiores, não uma contestação filosófica, ou prática, dessas determinações. A rigor, ao funcionário não se pede nem se requer reflexão própria, mas sim acatamento de decisão já tomada.
Quando o próprio funcionário é convertido em agente político, pode surgir algum conflito de consciência entre a antiga forma de procedimento coletivo – as burocracias estatais são sempre construções coletivas – e as novas condições de trabalho, que impõem adesão incontida e total ao poder do qual emana o seu novo cargo. Dele se espera, então, equilíbrio e ponderação na forma de conduzir sua ação.
Em que condições, nessas circunstâncias, pode o funcionário de Estado continuar a exibir independência de pensamento – e uma certa faculdade na propositura de novos cursos de ação – quando a autoridade legítima requer adesão pura e simples a decisões emanadas de uma fonte cesarista de poder? Não há respostas teóricas a esta questão, que exige uma reflexão de ordem essencialmente prática, em função das relações sociais, modos de atuação e poder de barganha respectivos dos agentes de Estado e de governo envolvidos num determinado processo decisório.
Minha própria ordem de prioridades tenderia a colocar esse processo decisório numa escala de preferências que parte da Nação, passa pelo Estado e, finalmente, desemboca no governo. Pragmaticamente, porém, sou também levado a reconhecer que os dois primeiros conceitos, os de Nação e Estado – assim como os de “vontade geral” e de “interesse nacional” –, são suficientemente vagos e arbitrários para abrigar todo tipo de postura em face de determinações governamentais. Em última instância tende a prevalecer o bom senso e uma certa capacidade de avaliação racional dos “custos de oportunidade” envolvidos em cada uma das decisões governamentais com as quais o funcionário de Estado pode ser confrontado.
Quero crer que a construção de um Estado “racional-legal” e a consolidação de uma democracia efetiva no Brasil já avançaram o suficiente como para permitir que funcionários de Estado – como o que aqui escreve – possam contribuir, de forma mais ou menos institucionalizada, para a tomada de decisões em sua esfera de atuação, independentemente de posturas mais ou menos marcadas pela vontade momentânea de alguma autoridade governamental. Ou estarei enganado?
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 2 de dezembro de 2006
O Estado, o Governo e o burocrata: alguns dilemas do serviço público
Paulo Roberto de Almeida
Em 2 de dezembro de 2006
As relações entre funcionários de carreira do Estado e os governos em vigor são sempre delicadas, uma vez que governos costumam solicitar adesões imediatas, em geral incondicionais, ao passo que Estados são entidades impessoais, aparentemente desprovidas de vontade própria, ainda que pautando-se por normas constitucionais mais ou menos permanentes. Os governos passam, o Estado fica, mas ele pode ser transformado pelo governo em vigor, se este último imprime uma ação de transformação estrutural das condições existentes ao início de seu mandato.
Funcionários de Estado devem ater-se, antes de mais nada, às normas constitucionais, tendo como diretrizes adicionais as leis gerais e os estatutos particulares que regem sua categoria ou profissão. Geralmente, mas nem sempre, os governos respeitam os estatutos próprios e os princípios que devem enquadrar as diferentes categorias de servidores do Estado, estabelecendo determinações que incidem mais sobre a conjuntura do que sobre a estrutura. Em alguns casos, governos pretendem não apenas transformar estruturalmente o Estado e a sociedade, mas também os regulamentos e as formas de atuação do Estado.
Desde que respaldada nas normas constitucionais em vigor e na vontade legítima da sociedade, tal como expressa pela via democrática das eleições, essa vontade transformista pode concorrer para a melhoria das condições de bem-estar da sociedade, pois se supõe que o governo encarna aquilo que em linguagem rousseauniana se chamaria “vontade geral”. A “vontade geral” é, contudo, algo tão difícil de ser definida quanto o chamado “interesse nacional”, suscetível de receber diferentes interpretações, tantas são as correntes políticas, os grupos sociais, os partidos em disputa pelo poder e outras configurações sociais que gravitam em torno do poder. Sim, antes de qualquer outra coisa, “vontade geral” e “interesse nacional” são basicamente definidos por quem detém o poder, não necessariamente em conclaves abertos ao conjunto da sociedade.
O moderno Estado democrático deveria ostentar um sistema de freios e contrapesos que impeça – ou pelo menos dificulte – sua manipulação por minorias partidárias que pretendem agir com base em “interesses peculiares” ou com base na “vontade particular” do grupo que ocasionalmente ocupa o governo. Tais são os papéis respectivos do parlamento e dos tribunais constitucionais, segundo o velho sistema do “equilíbrio de poderes”, ou segundo o moderno sistema – de inspiração anglo-saxã – dos checks and balances, que transformam toda vontade de alteração institucional em um delicado jogo de pressões e contra-pressões. Há que se atentar, também, para a necessária continuidade da ação do Estado, que poderia ficar comprometida caso a ação de um grupo detendo o poder temporariamente – isto é, exercendo o governo de forma legítima – busque alterar radicalmente políticas e orientações estabelecidas através de consensos anteriormente alcançados.
Pode-se dizer que as democracias modernas funcionam quase sempre segundo essa visão gradualista, qual seja, a de uma custosa negociação entre os grupos políticos representados no parlamento, seguida de uma lenta implementação das decisões alcançadas. A construção de consensos é tipica dos regimes parlamentaristas, baseados numa maioria mais ampla do corpo político e social, mas é menos típica nos regimes puramente presidencialistas, onde tendem a se desenvolver comportamentos cesaristas ou bonapartistas (isto é, com um apelo direto às massas). Neste caso, o carisma do líder político pode resultar num canal de comunicação direta deste com os eleitores, por cima e acima dos demais poderes, que encontram dificuldades para participar do processo decisório em bases rotineiras.
Tal tipo de situação também pode colocar desafios não convencionais aos funcionários de Estado, que podem ser chamados a implementar decisões que resultem, não de um processo gradual de consensus building, mas de uma decisão solitária do líder cesarista. Velhas normas e antigas tradições podem ser contestadas ou postas à prova nesse novo roteiro, o que coloca esses funcionários ante o dilema de aderir simplesmente à vontade do governo ou de buscar respaldo nas formas mais convencionais de atuação do Estado.
Não há uma resposta simples a esse dilema, pois ele implica em que o funcionário possa aferir se o processo decisório que conduziu a uma determinada tomada de decisão política está seguindo os canais institucionais consagrados ou se os novos procedimentos estão atropelando as normas e procedimentos do Estado. Em geral, a resposta é dada pela linha de menor resistência, que passa pela afirmação dos conhecidos princípios da hierarquia e da disciplina. Do funcionário de Estado se pede obediência aos ditames do governo, não necessariamente uma reflexão pessoal sobre os fundamentos da ação do governo. Esta última atitude é própria dos agentes políticos, não dos funcionários de carreira, aos quais se demanda obediência e aquiescências às ordens e determinações superiores, não uma contestação filosófica, ou prática, dessas determinações. A rigor, ao funcionário não se pede nem se requer reflexão própria, mas sim acatamento de decisão já tomada.
Quando o próprio funcionário é convertido em agente político, pode surgir algum conflito de consciência entre a antiga forma de procedimento coletivo – as burocracias estatais são sempre construções coletivas – e as novas condições de trabalho, que impõem adesão incontida e total ao poder do qual emana o seu novo cargo. Dele se espera, então, equilíbrio e ponderação na forma de conduzir sua ação.
Em que condições, nessas circunstâncias, pode o funcionário de Estado continuar a exibir independência de pensamento – e uma certa faculdade na propositura de novos cursos de ação – quando a autoridade legítima requer adesão pura e simples a decisões emanadas de uma fonte cesarista de poder? Não há respostas teóricas a esta questão, que exige uma reflexão de ordem essencialmente prática, em função das relações sociais, modos de atuação e poder de barganha respectivos dos agentes de Estado e de governo envolvidos num determinado processo decisório.
Minha própria ordem de prioridades tenderia a colocar esse processo decisório numa escala de preferências que parte da Nação, passa pelo Estado e, finalmente, desemboca no governo. Pragmaticamente, porém, sou também levado a reconhecer que os dois primeiros conceitos, os de Nação e Estado – assim como os de “vontade geral” e de “interesse nacional” –, são suficientemente vagos e arbitrários para abrigar todo tipo de postura em face de determinações governamentais. Em última instância tende a prevalecer o bom senso e uma certa capacidade de avaliação racional dos “custos de oportunidade” envolvidos em cada uma das decisões governamentais com as quais o funcionário de Estado pode ser confrontado.
Quero crer que a construção de um Estado “racional-legal” e a consolidação de uma democracia efetiva no Brasil já avançaram o suficiente como para permitir que funcionários de Estado – como o que aqui escreve – possam contribuir, de forma mais ou menos institucionalizada, para a tomada de decisões em sua esfera de atuação, independentemente de posturas mais ou menos marcadas pela vontade momentânea de alguma autoridade governamental. Ou estarei enganado?
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 2 de dezembro de 2006
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Um general sincero demais...
Normalmente, uma entrevista como essa não deveria ser transcrita aqui. Mas ela reflete um estado de ânimo entre os militares e, como tal, deve ter um papel nas próximas eleicões, estando assim justificada sua reprodução.
ENTREVISTA - MAYNARD MARQUES SANTA ROSA
Governo Lula quer implantar ditadura totalitária no país
LUCAS FERRAZ, DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
ELIANE CANTANHÊDE, COLUNISTA DA FOLHA
Folha de S.Paulo, 17 de maio de 2010
General pivô de polêmica defende que ditadura de 1964 foi autoritária, mas não totalitária, e deixou imprensa "amplamente livre"
RESPONSÁVEL até fevereiro deste ano pelo Departamento de Pessoal do Exército, o general Maynard Marques Santa Rosa, 65, disse à Folha que está em andamento um processo para transformar o Brasil numa "ditadura totalitária comunista" e que o 3º Programa Nacional de Direitos Humanos é parte dessa estratégia.
Ele afirma que "com certeza" há exagero quando se fala em tortura na ditadura militar (1964-85). "Vocês conhecem algum ex-torturado cubano? Ou russo? Não existe, porque não se deixava sair [da prisão]. Então, foi a bondade, entre aspas, dos torturadores que permitiu que saíssem [no Brasil]."
O general foi duro em relação à pré-candidata Dilma Rousseff ao dizer que a Comissão da Verdade, criada pelo PNDH, só seria correta "se você perguntasse a Dilma quantas pessoas ela assaltou, torturou, matou..."
Quanto à eleição, diz não estar animado: "Na Dilma, não voto de jeito nenhum, mas não é fácil engolir o Serra".
Santa Rosa foi exonerado após a Folha ter publicado e-mail em que ele classificou a Comissão da Verdade de "comissão da calúnia integrada por fanáticos". Ficou encostado no Comando da Força até passar para a reserva, em 31 de março. Segundo diz, "95% do Exército" pensa como ele. A diferença é que Santa Rosa é um dos raros casos de militar que diz o que pensa em público.
FOLHA - Qual é sua opinião sobre o governo Lula?
MAYNARD MARQUES SANTA ROSA - Acho o presidente uma pessoa simpática, tem empatia com o público e sensibilidade em detectar os anseios da massa. O que é diferente da linha governamental que ele segue. Está rodeado de pessoas impregnadas de preconceito e ideologia. O governo tem várias caras. Ideologicamente, é intolerante, autoritário. Para ser mais preciso, tem anseio totalitário.
FOLHA - O Lula?
SANTA ROSA - O governo. O presidente, não. Não sei se ele é usado ou se ele usa esse grupo para promover seus interesses.
FOLHA - O que caracteriza o autoritarismo do governo?
SANTA ROSA - A intolerância com opiniões contrárias. Quem examinar o Programa Nacional de Direitos Humanos vai interpretar o que digo. Aquilo é um tratado ideológico de extrema intolerância, onde se pretende regular uma sociedade inteira. Adota o tal princípio da transversalidade. Na medida em que se têm intenções que transcendem Legislativo e Judiciário, são pretensões que transcendem até preceitos da Constituição, portanto, totalitárias.
FOLHA - Em que parte o 3º PNDH transcende Legislativo e Judiciário?
SANTA ROSA - Quando propõe a institucionalização de mecanismos ilegais. Ingerir no processo judicial de reintegração de posse transcende a lei e na estimulação da degradação dos costumes à revelia da tradição cristã que temos, ao estimular a homoafetividade.
FOLHA - Totalitarismo não é o contrário, exigir que todos tenham o mesmo comportamento?
SANTA ROSA - Querer consertar isso com outra penada mais totalitária é que é o erro. Temos de deixar fluir a natureza, inclusive nas relações sociais.
FOLHA - Os dois planos elaborados no governo FHC já não continham basicamente os mesmos pontos.
SANTA ROSA - O primeiro plano não choca ninguém. Embora tenha bandeiras polêmicas, obedece ao princípio da naturalidade, não faz a sociedade civil engolir pontos que não lhe pertencem, diferentemente do de agora, fabricado de fora.
FOLHA - De fora? De onde?
SANTA ROSA - Se você pesquisar a similitude entre a Constituição venezuelana, e também a equatoriana e a boliviana, que são clones adaptados aos seus países, vai verificar qual é a origem. Isso tudo é uma composição organizada, é uma conspiração internacional.
FOLHA - Durante seus 49 anos no Exército, o sr. conheceu muitos gays nas Forças Armadas?
SANTA ROSA - Não, existe uma rejeição inata da estrutura militar contra isso. O problema é que existe uma articulação, no sentido de transformar a sociedade, colocar uma nova cultura goela abaixo na classe média, e isso é apenas uma fase preliminar para depois se implementar o que se quiser.
FOLHA - E o que se quer?
SANTA ROSA - Uma ditadura totalitária.
FOLHA - Comunista?
SANTA ROSA - Exatamente. Primeiro, transformar os costumes da sociedade, para, por último, implementar o sistema totalitário. Falar isso no século 21 é quase uma aberração.
FOLHA - Após 21 anos de ditadura, a democracia não é irreversível?
SANTA ROSA - Não acho. O povo não reage, está numa situação letárgica. Nosso povo não tem opinião, e quem tem se cala. Estamos anestesiados.
FOLHA - No seu e-mail contra o plano não havia nada disso.
SANTA ROSA - O nosso foco era a defesa da instituição militar.
FOLHA - Nosso? De quem?
SANTA ROSA - Meu. O foco militar era porque, se se conseguisse abrir a Comissão da Verdade, o resto seria facilmente alastrado. Houve uma reação institucional à qual até o próprio ministro [Nelson Jobim] aderiu, reconhecendo que iria causar uma desarmonia grande. Então, ele contrapôs aquele protesto que levou o presidente a flexibilizar a redação do plano.
FOLHA - Que nota o sr. dá para o ministro Nelson Jobim?
SANTA ROSA - Para o momento, é o melhor que se tem. É preparado, foi ministro do STF, da Justiça, tem relacionamentos de alto nível e é inteligente. O Ministério da Defesa é uma necessidade, faz parte da modernidade do Estado.
FOLHA - Como o sr. define o regime de 1964?
SANTA ROSA - Um regime emergencial, um mal que livrou o país de um mal maior.
FOLHA - E a tortura?
SANTA ROSA - Nunca foi institucionalizada, é um subproduto do conflito. A tortura começou com os chamados subversivos. Inúmeros foram justiçados e torturados por eles próprios, porque queriam mudar de opinião. A tortura nunca foi oficial.
FOLHA - O sr. critica que o plano está transportando para o país um regime autoritário, mas não foi justamente o de 1964?
SANTA ROSA - Foi autoritário, mas não totalitário.
FOLHA - Qual é a diferença?
SANTA ROSA - A imprensa, por exemplo, foi amplamente livre.
FOLHA - Como?!
SANTA ROSA - Só teve censura no momento de pico, a partir do AI-5 [1968]. Se não houvesse um enrijecimento político naquela oportunidade, poderia se perder o controle. Considero isso tudo um mal, mas um mal menor e necessário.
FOLHA - O sr. aceita um militar torturando uma pessoa indefesa, um jovem, uma mulher, desarmados?
SANTA ROSA - Nenhum militar torturou ninguém. Se houve, foi no Dops [Departamento de Ordem Política e Social, oficialmente vinculado à polícia].
FOLHA - Não é covardia matar pessoas e torturar rapazes e moças, algumas grávidas, depois de presas?
SANTA ROSA - Sinceramente, não sei de nenhum caso. O que existe é produto de imaginação.
FOLHA - O sr. tem dúvida? A própria ex-ministra Dilma Rousseff foi presa e torturada.
SANTA ROSA - Ela diz que foi torturada, mas... Só no Brasil, a pessoa que sobrevive, e está com boa saúde, alega a tortura para ganhar os benefícios, sejam políticos ou de pensão.
FOLHA - É mentira que houve tortura?
SANTA ROSA - Com certeza absoluta. Vocês conhecem algum ex-torturado cubano? Ou russo? Ou chinês? Não existe, porque não se deixava sair [da prisão]. Então foi a bondade, entre aspas, dos torturadores que permitiram que saíssem [no Brasil]. Institucionalmente, legalmente, não houve [tortura]. Não posso afirmar que, fora do controle, não tenha havido.
FOLHA - Não é justo, portanto, ter uma Comissão da Verdade para apurar se houve ou não houve?
SANTA ROSA - Seria justo se os dois lados dissessem a verdade. Se você perguntar a Dilma Rousseff quantas pessoas ela assaltou, torturou, matou...
FOLHA - Até onde se sabe, ela não matou ninguém.
SANTA ROSA - É o que ela alega. Sabe-se que tem vítima.
FOLHA - Qual é a sua opinião sobre José Serra? Ele foi presidente da UNE, exilado no Chile...
SANTA ROSA - É um administrador competente, um gestor público excelente, tanto que, se voltar para São Paulo, se reelege. Mas eu estou me atendo ao produto do trabalho dele.
FOLHA - E a Marina Silva?
SANTA ROSA - Tem uma visão da Amazônia igual à da Fundação Ford, igual à dos americanos. É uma visão internacionalista.
FOLHA - O sr. vota em quem?
SANTA ROSA - Na Dilma não voto de jeito nenhum, mas não é fácil engolir o Serra.
ENTREVISTA - MAYNARD MARQUES SANTA ROSA
Governo Lula quer implantar ditadura totalitária no país
LUCAS FERRAZ, DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
ELIANE CANTANHÊDE, COLUNISTA DA FOLHA
Folha de S.Paulo, 17 de maio de 2010
General pivô de polêmica defende que ditadura de 1964 foi autoritária, mas não totalitária, e deixou imprensa "amplamente livre"
RESPONSÁVEL até fevereiro deste ano pelo Departamento de Pessoal do Exército, o general Maynard Marques Santa Rosa, 65, disse à Folha que está em andamento um processo para transformar o Brasil numa "ditadura totalitária comunista" e que o 3º Programa Nacional de Direitos Humanos é parte dessa estratégia.
Ele afirma que "com certeza" há exagero quando se fala em tortura na ditadura militar (1964-85). "Vocês conhecem algum ex-torturado cubano? Ou russo? Não existe, porque não se deixava sair [da prisão]. Então, foi a bondade, entre aspas, dos torturadores que permitiu que saíssem [no Brasil]."
O general foi duro em relação à pré-candidata Dilma Rousseff ao dizer que a Comissão da Verdade, criada pelo PNDH, só seria correta "se você perguntasse a Dilma quantas pessoas ela assaltou, torturou, matou..."
Quanto à eleição, diz não estar animado: "Na Dilma, não voto de jeito nenhum, mas não é fácil engolir o Serra".
Santa Rosa foi exonerado após a Folha ter publicado e-mail em que ele classificou a Comissão da Verdade de "comissão da calúnia integrada por fanáticos". Ficou encostado no Comando da Força até passar para a reserva, em 31 de março. Segundo diz, "95% do Exército" pensa como ele. A diferença é que Santa Rosa é um dos raros casos de militar que diz o que pensa em público.
FOLHA - Qual é sua opinião sobre o governo Lula?
MAYNARD MARQUES SANTA ROSA - Acho o presidente uma pessoa simpática, tem empatia com o público e sensibilidade em detectar os anseios da massa. O que é diferente da linha governamental que ele segue. Está rodeado de pessoas impregnadas de preconceito e ideologia. O governo tem várias caras. Ideologicamente, é intolerante, autoritário. Para ser mais preciso, tem anseio totalitário.
FOLHA - O Lula?
SANTA ROSA - O governo. O presidente, não. Não sei se ele é usado ou se ele usa esse grupo para promover seus interesses.
FOLHA - O que caracteriza o autoritarismo do governo?
SANTA ROSA - A intolerância com opiniões contrárias. Quem examinar o Programa Nacional de Direitos Humanos vai interpretar o que digo. Aquilo é um tratado ideológico de extrema intolerância, onde se pretende regular uma sociedade inteira. Adota o tal princípio da transversalidade. Na medida em que se têm intenções que transcendem Legislativo e Judiciário, são pretensões que transcendem até preceitos da Constituição, portanto, totalitárias.
FOLHA - Em que parte o 3º PNDH transcende Legislativo e Judiciário?
SANTA ROSA - Quando propõe a institucionalização de mecanismos ilegais. Ingerir no processo judicial de reintegração de posse transcende a lei e na estimulação da degradação dos costumes à revelia da tradição cristã que temos, ao estimular a homoafetividade.
FOLHA - Totalitarismo não é o contrário, exigir que todos tenham o mesmo comportamento?
SANTA ROSA - Querer consertar isso com outra penada mais totalitária é que é o erro. Temos de deixar fluir a natureza, inclusive nas relações sociais.
FOLHA - Os dois planos elaborados no governo FHC já não continham basicamente os mesmos pontos.
SANTA ROSA - O primeiro plano não choca ninguém. Embora tenha bandeiras polêmicas, obedece ao princípio da naturalidade, não faz a sociedade civil engolir pontos que não lhe pertencem, diferentemente do de agora, fabricado de fora.
FOLHA - De fora? De onde?
SANTA ROSA - Se você pesquisar a similitude entre a Constituição venezuelana, e também a equatoriana e a boliviana, que são clones adaptados aos seus países, vai verificar qual é a origem. Isso tudo é uma composição organizada, é uma conspiração internacional.
FOLHA - Durante seus 49 anos no Exército, o sr. conheceu muitos gays nas Forças Armadas?
SANTA ROSA - Não, existe uma rejeição inata da estrutura militar contra isso. O problema é que existe uma articulação, no sentido de transformar a sociedade, colocar uma nova cultura goela abaixo na classe média, e isso é apenas uma fase preliminar para depois se implementar o que se quiser.
FOLHA - E o que se quer?
SANTA ROSA - Uma ditadura totalitária.
FOLHA - Comunista?
SANTA ROSA - Exatamente. Primeiro, transformar os costumes da sociedade, para, por último, implementar o sistema totalitário. Falar isso no século 21 é quase uma aberração.
FOLHA - Após 21 anos de ditadura, a democracia não é irreversível?
SANTA ROSA - Não acho. O povo não reage, está numa situação letárgica. Nosso povo não tem opinião, e quem tem se cala. Estamos anestesiados.
FOLHA - No seu e-mail contra o plano não havia nada disso.
SANTA ROSA - O nosso foco era a defesa da instituição militar.
FOLHA - Nosso? De quem?
SANTA ROSA - Meu. O foco militar era porque, se se conseguisse abrir a Comissão da Verdade, o resto seria facilmente alastrado. Houve uma reação institucional à qual até o próprio ministro [Nelson Jobim] aderiu, reconhecendo que iria causar uma desarmonia grande. Então, ele contrapôs aquele protesto que levou o presidente a flexibilizar a redação do plano.
FOLHA - Que nota o sr. dá para o ministro Nelson Jobim?
SANTA ROSA - Para o momento, é o melhor que se tem. É preparado, foi ministro do STF, da Justiça, tem relacionamentos de alto nível e é inteligente. O Ministério da Defesa é uma necessidade, faz parte da modernidade do Estado.
FOLHA - Como o sr. define o regime de 1964?
SANTA ROSA - Um regime emergencial, um mal que livrou o país de um mal maior.
FOLHA - E a tortura?
SANTA ROSA - Nunca foi institucionalizada, é um subproduto do conflito. A tortura começou com os chamados subversivos. Inúmeros foram justiçados e torturados por eles próprios, porque queriam mudar de opinião. A tortura nunca foi oficial.
FOLHA - O sr. critica que o plano está transportando para o país um regime autoritário, mas não foi justamente o de 1964?
SANTA ROSA - Foi autoritário, mas não totalitário.
FOLHA - Qual é a diferença?
SANTA ROSA - A imprensa, por exemplo, foi amplamente livre.
FOLHA - Como?!
SANTA ROSA - Só teve censura no momento de pico, a partir do AI-5 [1968]. Se não houvesse um enrijecimento político naquela oportunidade, poderia se perder o controle. Considero isso tudo um mal, mas um mal menor e necessário.
FOLHA - O sr. aceita um militar torturando uma pessoa indefesa, um jovem, uma mulher, desarmados?
SANTA ROSA - Nenhum militar torturou ninguém. Se houve, foi no Dops [Departamento de Ordem Política e Social, oficialmente vinculado à polícia].
FOLHA - Não é covardia matar pessoas e torturar rapazes e moças, algumas grávidas, depois de presas?
SANTA ROSA - Sinceramente, não sei de nenhum caso. O que existe é produto de imaginação.
FOLHA - O sr. tem dúvida? A própria ex-ministra Dilma Rousseff foi presa e torturada.
SANTA ROSA - Ela diz que foi torturada, mas... Só no Brasil, a pessoa que sobrevive, e está com boa saúde, alega a tortura para ganhar os benefícios, sejam políticos ou de pensão.
FOLHA - É mentira que houve tortura?
SANTA ROSA - Com certeza absoluta. Vocês conhecem algum ex-torturado cubano? Ou russo? Ou chinês? Não existe, porque não se deixava sair [da prisão]. Então foi a bondade, entre aspas, dos torturadores que permitiram que saíssem [no Brasil]. Institucionalmente, legalmente, não houve [tortura]. Não posso afirmar que, fora do controle, não tenha havido.
FOLHA - Não é justo, portanto, ter uma Comissão da Verdade para apurar se houve ou não houve?
SANTA ROSA - Seria justo se os dois lados dissessem a verdade. Se você perguntar a Dilma Rousseff quantas pessoas ela assaltou, torturou, matou...
FOLHA - Até onde se sabe, ela não matou ninguém.
SANTA ROSA - É o que ela alega. Sabe-se que tem vítima.
FOLHA - Qual é a sua opinião sobre José Serra? Ele foi presidente da UNE, exilado no Chile...
SANTA ROSA - É um administrador competente, um gestor público excelente, tanto que, se voltar para São Paulo, se reelege. Mas eu estou me atendo ao produto do trabalho dele.
FOLHA - E a Marina Silva?
SANTA ROSA - Tem uma visão da Amazônia igual à da Fundação Ford, igual à dos americanos. É uma visão internacionalista.
FOLHA - O sr. vota em quem?
SANTA ROSA - Na Dilma não voto de jeito nenhum, mas não é fácil engolir o Serra.
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