A errata do Santander e o futuro
ROBERTO MACEDO
O ESTADO DE SÃO PAULO - 04/03/10
Meu último artigo refutou estudo do Santander assinado por seu economista-chefe, Alexandre Schwartsman. Publicado no dia 9 do mês passado, concluiu que o presidente Lula e o governador Serra tiveram desempenhos fiscais semelhantes nos últimos três anos, em que exerceram mandatos simultâneos.
Tal conclusão contrastou com a muito difundida crença de que Serra é mais firme na gestão fiscal, ao conter despesas correntes, como as de pessoal e custeio, como proporção do PIB estadual, e privilegiar investimentos, como em infraestrutura. Na sexta-feira, entretanto, respondendo a uma nota técnica da Secretaria da Fazenda do Estado, e com pequena nota sobre meu artigo, o Santander publicou errata que reafirma a crença na firmeza fiscal de Serra.
Volto ao assunto por dois motivos. Primeiro, tendo em vista que reconhecer erros é incomum no Brasil, no caso até com pedido de desculpas, tanto o banco como Schwartsman merecem efusivos cumprimentos. O segundo é ressaltar o que ficou com essa retificação e outros aspectos interessantes do estudo e da errata.
Nas minhas preferências políticas tem peso importante a condição de economista. Como todos os brasileiros, quero o melhor para o País e sintetizo isso na busca do desenvolvimento econômico e social. Para alcançá-lo, entre outras metas, é fundamental ampliar bastante o investimento público, ou seja, gastos destinados à melhoria da frágil infraestrutura brasileira, alcançando também o investimento no ser humano, como em educação e saúde, e no estímulo ao desenvolvimento tecnológico.
Se o estudo original do Santander se revelasse correto, à minha frustração com o governo Lula, pela forma como gasta, se somaria sentimento similar com relação ao governo Serra. Recorde-se que o primeiro só despertou para o investimento público no seu segundo mandato, e ainda assim sonolentamente, com seu trôpego e pequeno PAC. Entretanto, como acompanho a gestão fiscal dos dois governos, estava convencido de que o estudo estava errado e, para escrever meu artigo anterior, fiz minhas próprias pesquisas sobre as despesas do Estado no site da Secretaria da Fazenda, além de buscar informações de autoridades da área.
O principal erro foi a contagem dupla de despesas estaduais com aposentadorias e pensões cujo pagamento, a partir de 2007, passou progressivamente a uma nova entidade estadual, a SPPrev. Com isso, veio também uma daquelas armadilhas capazes de fazer muitos analistas sucumbirem à Lei de Murphy, que diz que, se alguma coisa pode dar errado, em algum momento acabará dando errado. Meu entendimento do assunto, contudo, foi facilitado porque, como professor aposentado da USP, passei a receber da SPPrev, e quando isso começou indaguei sobre o que se passava. Assim, ao consultar as despesas do Estado não foi difícil perceber a dupla contagem de despesas, da Fazenda para a SPPrev e desta para seus beneficiários.
A errata deixou claro que o crescimento das despesas correntes, sempre como proporção do PIB estadual, foi contido no governo Serra. Mais precisamente, ela diz que "o investimento responde virtualmente por todo o crescimento das despesas primárias", que incluem a totalidade das despesas exceto os juros da dívida. Enquanto isso, conforme o estudo original, numa conclusão não alterada pela errata, no período analisado as despesas correntes representaram 70% do crescimento das despesas primárias federais. Vale repetir: quase zero desse crescimento no Estado de São Paulo e 70%(!) no governo federal.
Outro aspecto interessante dos dois documentos, e até aqui não abordado pelo noticiário, é que seu autor fez também a comparação das despesas correntes do Estado e do governo federal, deste último excluindo as do INSS. Textualmente, afirma-se que a comparação do tamanho dessas despesas sem essa exclusão "não é inteiramente justa", pois o governo federal é "responsável pelos pagamentos da Previdência Social".
Concordo que não é inteiramente justa, mas a expansão sensível também desses gastos foi uma decisão política do governo federal. Ainda que responsável pelos pagamentos, ele se mostra irresponsável na gestão da Previdência, expandindo fortemente seus gastos e deixando de lado o empenho numa reforma que cuidasse de suas distorções, como a aposentadoria precoce. Aliás, essa é a tônica do governo Lula: expandir despesas correntes, em particular beneficiando eleitores, ou seja, gente que vota. Crianças não recebem a mesma atenção.
Finalmente, outro aspecto do estudo original foi que, depois de comparar Serra e Lula, Schwartsman extrapolou suas conclusões para Serra e Dilma e para o futuro, o que levou alguns jornalistas a daí concluir que, quanto à firmeza fiscal, não se deveria esperar mais do primeiro do que da segunda. Na mesma linha a errata também deve ser examinada relativamente a essa conclusão.
Nesse contexto, cabe novo elogio a seu autor, pois em nenhum momento se mostrou interessado em comparar Lula e FHC, como fazem os petistas que, como os argentinos, querem avançar com forte olhar no passado. Ora, o que realmente interessa é o Brasil do futuro e em que mãos estará após as eleições deste ano.
Assim, permito-me extrapolar a errata na direção contrária à dessas conclusões que vieram do estudo original e reafirmar que firmeza fiscal se pode esperar mesmo é de Serra, e não de Dilma. Aliás, espero também que o resultado dessa discussão seja um dos pilares da comparação que virá no debate eleitoral.
E não me culpem pela extrapolação, pois o próprio governo federal e seu principal partido de apoio se empenham em dizer que Dilma é Lula. Serra é ele mesmo, como vem demonstrando no governo paulista.
Roberto Macedo, economista (UFMG, USP e Harvard), professor associado à Faap, é vice-presidente da Associação Comercial de São Paulo
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