IED - mera aparência
Silvio Figer
Valor Econômico, Quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010
De todas as bandeiras ufanistas desfraldadas no Brasil no período recente, nenhuma se compara ao Investimento Estrangeiro Direto (IED), apresentado como prova da solidez de nosso fluxo cambial e da confiança da comunidade internacional no acerto de nossa política econômica. Diferentemente dos capitais voláteis - destinados às aplicações financeiras - sujeitos à debandada ao menor sinal de alteração da política econômica, aqui ou em outros países, o IED representaria um capital enraizado em nossa economia, por se destinar ao investimento em empresas. A euforia internacional com o novo milagre brasileiro - o primeiro foi na década de 70, lembram? - é tamanha que já se trata de deter a enxurrada de capitais mediante taxação.
Euforias devem ser analisadas, antes que a sensatez desapareça de vez. Vamos recuar um pouco no tempo, recordar as realizações de nossa política econômica, que tanto elevaram nosso conceito, e avaliar onde nos encontramos hoje.
Iniciemos pelo superávit primário, que garantia a segurança do pagamento dos juros sobre nossas dívidas, e desapareceu com as políticas anticíclicas adotadas pelo governo. O que ainda resta de superávit primário é fruto de manobras contábeis de exclusões e inclusões de PAC, Petrobras, Tesouro etc. Também tínhamos uma execução fiscal responsável, sustentada por sucessivos recordes da arrecadação tributária, que minguou pelas renúncias fiscais das políticas anticíclicas, além do crescimento explosivo de nossa dívida pública. Outra realização elogiada, o crescimento das reservas internacionais em dólares, tornou-se fonte de preocupação, uma vez que essa é a moeda que mais se deprecia no mundo, além de pagar juros próximos a zero, o que implica em elevado custo de carregamento, pelo diferencial com nosso elevado juro interno. Ainda outro trunfo, a geração de superávits na balança comercial, que impulsionava a renda interna, reduziu-se, e a participação do setor primário na pauta de exportações teve alta expressiva, significando um retrocesso de décadas.
Por último uma elevada taxa de juros real que garantia um nível de consumo adequado à taxa de crescimento do PIB. Mas o efeito-juros foi anulado pelas medidas anticíclicas, que introduziram uma política de crédito a taxas de juros subsidiadas, do Tesouro ao BNDES, e pela repolitização dos bancos estatais, que se tornaram instrumentos de políticas econômicas voluntariosas.
Percebe-se que as políticas anticíclicas, que supostamente transformaram o Brasil em um oásis no deserto da recessão mundial, são justamente aquelas que eliminaram os parâmetros que sustentaram o nosso elevado conceito. Portanto, os investidores estrangeiros deveriam estar ariscos, aguardando, para ver o que vai acontecer. Mas, aparentemente, não é isso o que nos mostra o volume de entrada do IED, que supõe um desempenho muito positivo. Os investidores estrangeiros estariam bancando o risco Brasil, com investimentos não financeiros.
Para entendermos se isso é uma realidade, ou mera aparência, cabe analisar o movimento do IED líquido (investimentos menos desinvestimentos) no período conhecido como nunca antes na história deste país e compará-lo ao movimento de remessa de lucros e dividendos, que é um critério universal de avaliação do grau de confiança do investidor estrangeiro em qualquer país. Afinal, antes de entrar com novos investimentos muito mais sentido faz reinvestir os lucros.
Mas antes uma ressalva se faz necessária. Na demonstração gráfica tratamos de corrigir o que nos parece um equívoco conceitual do Banco Central, qual seja a inclusão no IED dos empréstimos intercompanhia. Ora, empréstimos são inequivocamente um movimento financeiro, de aplicação em renda fixa. E tão sujeitos à volatilidade quanto qualquer aplicação em renda fixa ou variável. Portanto, consideramos apenas a rubrica IED - Participação no Capital.
No quadro, o que se observa são dois períodos distintos. O primeiro, que vai de 2003 a 2007, quando as remessas de lucros e dividendos consumiram uma média superior a 50% do IED - participação no capital, com um notável pico em 2006, quando consumiram 80,5%. Isso significou que a cada período de menos de 2 anos o IED - participação no capital era anulado, exigindo uma reposição. O segundo período, cobrindo 2008 e 2009, quando as remessas consumiram, na média, mais de 90% do IED - participação no capital !!!
Tal comportamento descaracteriza um movimento de investimento não financeiro. É essencialmente um movimento financeiro. O que está ocorrendo é que o BC classifica os capitais entrados como deve ser, por seu destinatário: indústria A, ou rede varejista B. O que é muito diferente de controlar o que a tesouraria dessas empresas faz com esses capitais. Os movimentos indicam que destinam-se, prioritariamente, à geração de lucros financeiros e não de lucros operacionais. Aí está embutida uma operação de arbitragem de juros além de um eventual ganho cambial pela expressiva valorização do real.
Pode-se dizer que o IED é mera aparência. É praticamente nulo, tanto em valor absoluto, como em participação no PIB. Quanto à confiança em nossos destinos, parece que os investidores estrangeiros estão ariscos mesmo. Resta a euforia. Bem, essa vai durar o tempo que durar a nossa bolha, que maior nunca se viu na história deste país.
Sílvio Figer é economista e consultor de empresas.
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