terça-feira, 9 de março de 2010

347) Politicas publicas: bolha financeira-universitaria

Caixa cobra 37 mil fiadores de universitários
Patrícia Gomes
Folha de S.Paulo, 9/03/2010

Dados mais recentes obtidos pela Folha apontam inadimplência em 50 mil dos 250 mil contratos em fase de pagamento
Quando Daiane Lima, 31, entrou para a faculdade de engenharia, esperava começar a pagar o financiamento estudantil logo que arranjasse o primeiro emprego. As prestações, porém, tomavam quase todo o seu salário e ela não tem conseguido honrar o compromisso.

Passados cinco anos da formatura, ela tem hoje 14 prestações, sua dívida está em R$ 76 mil e sua sogra, a fiadora do empréstimo, corre o risco de perder a casa se nenhuma das duas arranjar o dinheiro.

Ao menos 37 mil fiadores estão na mesma situação: foram acionados pela Caixa Econômica Federal em processos de execução das dívidas do Fies, programa de crédito educativo do governo Fernando Henrique Cardoso que financia estudos de universitários de baixa renda em instituições privadas.

Os dados obtidos pela Folha são de julho de 2009, quando havia cerca de 250 mil contratos em fase de quitação da dívida. Desses, em mais de 50 mil havia inadimplência. Questionada, a Caixa não confirma os números, mas afirma que a taxa de inadimplência do Fies é de aproximadamente 25%.

O problema afeta principalmente quem aderiu ao Fies até 2006, quando os juros anuais eram de 9%, e agora vive a segunda fase de amortização da dívida, em que as parcelas, muitas vezes, são incompatíveis com o orçamento de um recém-formado.

O advogado Antony Argolo, cujo escritório defende mais de 500 causas de estudantes do Fies, critica o programa: "É uma bola de neve. Os juros incidem sobre juros e a dívida aumenta em progressão geométrica". Para ele, portanto, a redução dos juros para 3,5% por parte do MEC não resolve o problema.

No caso de Daiane, o curso de engenharia custou aproximadamente R$ 50 mil, mas ela só arcava com 30% do valor -os 70% restantes eram financiados pelo programa federal.

Com a renegociação proposta pela Caixa, ela teria de pagar R$ 390 por 300 meses, o que significa mais de R$ 116 mil no final do financiamento, além dos cerca de R$ 35 mil que já pagou. Para encaixar a parcela no bolso da família -o filho de dois anos acaba de entrar na escola e o marido começará a pagar o financiamento do curso dele-, ela reivindica estender o prazo para 480 meses, o que é negado pela Caixa.

Na época em que o Fies foi lançado, em 1999, os juros anuais foram calculados de forma a representar um terço da Selic (taxa básica de juros). Em 2006, os juros do programa foram reajustados para 6,5% na maior parte dos cursos e para 3,5% em graduações tidas como prioritárias, como as licenciaturas. Em janeiro deste ano, o percentual de 3,5% passou a valer para todos os cursos.

Questionado sobre a situação dos fiadores dos contratantes antigos do Fies, o MEC informou que essa é uma relação dos estudantes com a Caixa.

Banco afirma que só aplica o que prevê a lei

Questionada sobre o elevado número de execuções de fiadores em um programa social para ajudar estudantes carentes, a Caixa Econômica Federal disse que cumpre a legislação e que dá todas as informações necessárias aos seus clientes.

"Somos um agente financeiro. Obedecemos ao que está na lei", afirmou o gerente nacional de Aplicação Pessoa Física-Renda Básica, Jorge Pedro de Lima Filho.

A Caixa se recusou a confirmar os dados apresentados pela Folha, mas não os negou. A esse respeito, disse apenas que a taxa de inadimplência dos contratos firmados até 2002 chega a 25%.

Sobre o acionamento judicial dos fiadores, Lima Filho explicou o modo como opera. Com 30 dias em atraso, o banco manda uma carta para o fiador e para o aluno.

Ambos passam a ter nome sujo na praça. O tempo que demora uma execução, disse o gerente, depende de muitos fatores, como a região do país de onde vem o contrato e a capacidade produtiva do banco. Mais uma vez, Lima Filho ressaltou que todas essas etapas estão previstas em contrato.

A respeito do caso de Daiane, o gerente nacional da Caixa afirmou que a aluna foi atendida pessoal e virtualmente sempre que precisou e recebeu todas as informações a respeito de sua dívida.

Disse ainda que estender o prazo de pagamento para 480 meses, como ela quer, não é possível porque a lei determina 300 meses como período máximo para quitar a dívida.

Afirmou também que a engenheira não vai ter mais um "tratamento vip" porque procurou a Folha. Lima Filho disse que não prejudicaria a engenheira, mas também não trocaria mais e-mails com ela sobre o seu caso.

Quanto à redução dos juros determinada pelo MEC, Lima Filho disse que a Caixa já aplicou os novos valores e que isso reduziu muitas dívidas.

Fies já chegou a cobrar 9% de juros ao ano

Numa reação à baixa adesão e à alta inadimplência, o MEC decidiu reduzir, mais uma vez, a taxa de juros do Fies para 3,5% em janeiro deste ano -o programa de financiamento estudantil já chegou a cobrar 9%. A intenção é "facilitar o acesso do estudante ao financiamento".

Para Daniela Pelegrino, 36, líder do movimento Fies Justo (www.fiesjusto.com.br), que reúne alunos com problemas em pagar o financiamento, a nova taxa de juros ajuda os novos contratantes. "Quem for fazer o Fies agora vai ficar bem melhor. Os juros deveriam ter sido 3,5% desde o início."

Para os contratos antigos, no entanto, parte do problema persiste. Isso porque os juros de 3,5% serão aplicados apenas no saldo devedor.

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