Acorda, Brasil!
Blog Vespeiro
Fernão Lara Mesquita, jornalista (29.10.2010)
O caráter jurássico do discurso que dominou esta campanha e o generalizado rebaixamento do nível de tolerância critica que se depreende da pouca reação que ele provoca é o dado mais impressionante deste momento crucial da vida nacional.
Ponho de lado a massa de manobra dos resgatados da miséria que não se podem dar o luxo de fazer objeções de consciência às intenções antidemocráticas que movem quem lhes dá a assistência que os mantém à tona, por mais claras e explícitas que elas sejam.
Também não é o PT que me provoca estranhamento.
Você conhece algum petista que não tenha um emprego publico? Ou algum empregado publico que não seja petista?
Pois é. Não é mera coincidência.
No passado, antes da utopia se transformar em pesadelo, o petismo, com o resto da esquerda, explorava fundamentalmente o medo ancestral que cada um de nós sente “do outro”; o nosso justificado horror à competição; o sonho imemorial da libertação da escravização pela necessidade.
O homem sempre balançou diante da sugestão de sacrificar sua liberdade por essa miragem.
Mas o socialismo real provou mais uma vez que, se lutar por espaço é um horror, a alternativa para isso é o parasitismo pois em todo o reino da Natureza, neste mundo onde é preciso comer, não ha almoço grátis. Ou você caça o seu, ou você rouba o do vizinho.
Assim, o que sobra do sonho, cada vez que se cede a ele, é a impiedosa exploração dos sonhadores pelos vendedores de miragens.
O petismo que sobreviveu ao fim do socialismo real, lá atrás, e à debandada da esquerda honesta depois da ascensão do lulismo, é isso. O extrato concentrado dos que, pelos caminhos que nós todos conhecemos, conseguiram por um pé dentro do Estado, o único “patrão” no mercado que esta dispensado de produzir e vender para continuar empregando, e hoje desfrutam os privilégios que disso decorre.
Para eles a vida não melhora se, e somente se, trabalharem mais e melhor que o vizinho, como acontece aqui fora. Lá onde o jogo do poder prevalece sobre o esforço e o mérito, chora menos quem reivindica mais. Progride-se na carreira trocando lealdade por cargos. O salário aumenta em função da “luta” com aspas, aquela dos discursos dos sindicalistas pelegos e dos políticos com poder de outorgar “conquistas” independentes da qualidade do trabalho executado que se transformam instantaneamente em direitos adquiridos perpétuos, transferíveis por herança como nos tempos do feudalismo.
O privilégio, como sempre aconteceu na História, se conquista com mentiras. Uma vez na mão, a verdade se restabelece. Daí por diante, trata-se de defende-lo com unhas e dentes, sem ilusões nem utopias.
Para essa elite sem aspas que tomou o Estado de assalto, que tem o poder de legislar em causa própria, determinar o valor do próprio salário, se aposentar mais cedo e mais rica, permanecer imune às crises e não se apertar com as pequenezas da luta diária para não perder o emprego, a defesa da estatização não é apenas natural e plena de sentido. É um imperativo de sobrevivência.
Vista por esse angulo a obsessão de Dilma com a “ameaça” da privatização faz todo sentido. É, antes de mais nada, o discurso de mobilização da militância. A ordem unida para mantê-la disposta a tudo. Em bom português, quer dizer o seguinte: “A hora é agora! É tudo ou nada! Ou vocês se agarram pra valer, ou perdem a têta!”
Mas porque é que, em pleno Terceiro Milênio, com a União Soviética morta, Cuba se arrastando de greve de fome em greve de fome, a China, que modera reivindicações trabalhistas com tiros na nuca, entregue ao capitalismo de Estado e a aldeia global plenamente instalada e atuando em rede a eleição brasileira tem de girar em torno de estatizar ou não estatizar a economia; demolir ou não demolir os pilares da democracia, começando pelo da liberdade de imprensa?
Quando a campanha sai desse samba de uma nota só é para acenar com a generalização da educação publica como uma panacéia salvadora. Mas ninguém faz uma única referencia sequer ao fato clamoroso dela estar infiltrada de ponta a ponta e instrumentalizada para nos transformar na ilha ideológica fora do tempo e do espaço que esta campanha provou que somos.
Não é evidente para qualquer um que quanto mais tivermos da “educação publica” que temos, pior ficará a situação?
É aí que se começa a vislumbrar a tomografia do pais. O que está acontecendo abaixo da superfície.
Ha um incomodo descompasso entre o discurso dos que relatam e dos que debatem o país e a realidade que já está nas ruas. Um estranho pudor em afirmar aquilo que todo mundo sabe que é a verdade. Até na imprensa, o templo sagrado da critica, ressalvadas algumas exceções individuais e certas paginas de opinião, passam como retos os discursos mais tortos sem nenhum sinal visível de estranhamento.
O próprio candidato da oposição, indiscutivelmente um autêntico democrata, é a síntese desse fenômeno em sua permanente hesitação.
O sistema inteiro falhou. Somos Os Rinocerontes de Ionesco, que não enxergamos os chifres que nos estão crescendo à frente do nariz. O pais está intoxicado pelo veneno que ha anos vem lhe sendo instilado nas veias à traição mas não dá sinais de ter consciência de que está doente. E enquanto não tiver essa consciência, não se submeterá a tratamento.
Domingo assistiremos à ultima prova de força do hibrido antropofágico de Granmsci com Macunaíma que regeu o país e esta regendo esta eleição mesmo sem concorrer a ela. Se permitirmos que vença estaremos entrando num túnel cuja primeira saída visível está a 12 anos de distancia. Mas já a partir da próxima segunda começará o trabalho do lulismo para honrar a promessa tantas vezes reiterada de fechá-la antes que a alcancemos.
O caminho para baixo estará, então, aberto. E que não haja ilusões. Quando uma sociedade perde um certo degrau que ninguém sabe exatamente em que altura está, não ha mais limite para o quanto se pode descer. A Argentina, com seus 150 anos de decadência, está aí para nos lembrar disso.
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