Salvar a democracia. O resto é detalhe
jornal O Estado (Fortaleza, CE), 28 de outubro de 2010
Em outubro de 2002, Lula veio fazer comício em Fortaleza. Dali a alguns dias ele venceria no segundo turno o candidato do PSDB, José Serra. Eu estava lá na Praça do Ferreira, 17 anos, sol do meio-dia, o menino mais feliz do mundo, vestindo uma camisa adquirida no comitê da petralhada.
A multidão aguardava a aparição do futuro presidente operário (perdeu um dedo trabalhando!) como quem espera Mick Jagger surgir por detrás da cortina. Quando Lula tomou o palco, a comoção da massa me fez acreditar que eu participava de um famoso “momento histórico”. Como eu era consciente! Como era crítico o meu pensamento! Eu morria de orgulho de mim.
Não há uma fala retardada de Lula que não me remeta àquele dia na Praça do Ferreira. Ele discursava, adivinhem, contra Fernando Henrique Cardoso (antes, hoje e sempre). Debochava de sua formação acadêmica. A exaltação da ignorância me fazia vibrar. Naquela fase mental da minha vida, eu bem que poderia estufar o peito para dizer que Lula cursara a escola da vida.
Lá pelas tantas, na cólera do ataque ao homem que havia cometido o crime de derrotar a inflação, Lula soltou a jactância triunfal. Milhões de anos passarão e eu não esquecerei as palavras: “Ele pode saber falar inglês, mas eu sei falar a língua do povo”. Foi uma explosão. Aplaudi com força, quase tive um orgasmo. Eu era um adolescente-massa com as rédeas soltas, em festa junto aos meus semelhantes.
Não é fácil revelar um episódio desses. Minha ingenuidade foi um crime. Ainda ouço a frase. Sempre sentirei vergonha do meu aplauso fanático, da minha admiração abjeta por aquele sociopata que fez carreira puxando as cordas da multidão com o bom e velho culto do ressentimento, da inveja, da estupidez e de toda sorte de instinto primitivo e politicamente útil. Os mesmos instintos primitivos que os petistas atiçam agora para manipular os simplórios de sempre.
Oito anos depois, estou escrevendo um artigo que começa com uma confissão de culpa e termina com um desejo de expiação. Nossa República, para resumir, está apodrecendo, na iminência de ir para nunca mais voltar. Para qualquer lado que se olhe, lá está a manifestação do mal, a apologia da iniqüidade, o esforço pela rendição ao Partido. São nossos colegas, amigos, familiares, todos cúmplices na institucionalização do reino da mentira.
Investindo dia após dia contra tudo que é bom e verdadeiro, Lula imbecilizou todo um povo. Agora pretende usar seu ventríloquo para dar o golpe final. Leitor, não há nenhum dilema aqui. Dilma é o PNDH 3. Quaisquer que sejam nossas discordâncias com Serra, e eu as tenho, ele é a ferramenta de que dispomos para salvar a democracia. É simples assim, e todo o resto é detalhe.
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