domingo, 31 de outubro de 2010

Programa do PSDB: uma critica a um elemento central


O programa do candidato do PSDB para o Brasil: uma crítica central

Paulo Roberto de Almeida

Durante toda a campanha, o "programa" de campanha de José Serra limitou-se a dois discursos que ele tinha feito em reuniões do PSDB, o que é lamentável.
Apenas agora, nas vésperas das eleições em segundo turno, ele comparece com um programa digno desse nome, uma análise sistemática do que o candidato acredita serem os principais problemas do Brasil e suas propostas e diretivas de ação para cada um das áreas selecionadas como prioritárias.
Como sempre acontece com os candidatos, TUDO é prioritário, e parece que eles vão revolucionar o Brasil no dia seguinte, com base, provavelmente, numa infinidade de recursos que vão brotar do nada.
Mas, vou limitar-me a transcrever aqui o que considero ser a parte central da mensagem de Serra ao público votante, aquela na qual ele diz o que o Brasil e os brasileiros pretendem ser e qual seria o principal obstáculo a isso:

O povo brasileiro aspira a coisas simples e concretas. Quer viver num país mais próspero e decente, respeitado lá fora, justo dentro de suas fronteiras. Um país onde não falte a seus filhos condições básicas de saúde e educação. Que ofereça oportunidades de trabalho aos jovens. Que permita a seus cidadãos que andem pelas ruas sem medo da violência. Um país que vença a desigualdade e respeite as diferenças, que proteja os necessitados. Os brasileiros querem progredir, melhorar a qualidade de vida, garantir um futuro melhor às gerações seguintes. E querem fazê-lo com plena liberdade de escolha e expressão política, sem paternalismos nem mandonismos. Querem ser donos do seu destino.

O maior obstáculo à construção do país com que sonhamos é a desigualdade. O Brasil não é mais um país subdesenvolvido. É, isso sim, um país injusto. Sua economia se coloca entre as maiores do mundo, com pujante agropecuária, indústria de base e de manufaturados, próspero comércio. Mas a distribuição da riqueza continua concentrada, separando a imensa massa de pobres de uma elite riquíssima. Essa distância somente poderá ser reduzida com o engajamento crescente da sociedade e a definida participação do Estado, executando políticas verdadeiramente eficazes de crescimento econômico e promoção social e humana.
Fonte: Programa de Governo José Serra, p. 17.

Agora comento (PRA):
Concordo inteiramente com o primeiro parágrafo. Os brasileiros, na verdade, querem viver num país "normal", como tantos outros que existem no mundo. Mas preferencialmente isso deveria ser alcançado pelos próprios brasileiros, através de seu trabalho e dos mecanismos de mercado, sem qualquer paternalismo ou assistencialismo exagerado por parte do Estado, como parece implícito na proposta do candidato, que pretende também ser um gestor de um Estado ativo, não necessariamente um estimulador da atividade empresarial privada, que deve e pode atender à maior parte das reivindicações dos brasileiros.

Mas discordo frontalmente do segundo parágrafo, o que pretende que o maior obstáculo a tudo isso é a desigualdade. Não, não é, nem no plano lógico-conceitual, nem no plano material-conceitual, ainda que o final do parágrafo aponte o caminho correto na superação da desigualdade.

Explicito meu pensamento. A falta de igualdade, ou se quisermos a "desigualdade" não explica a falta de prosperidade, as más condições de saúde, a violência e a delinquência generalizadas e diversos outros problemas não diretamente abordados, mas implícitos, no parágrafo anterior: o desemprego, o mau funcionamento do Estado, a corrupção, a ausência de infra-estrutura, os preços absurdamente elevados que pagamos por bens e serviços cartelizados, etc. Nada disse se deve à suposta desigualdade que caracterizaria o Brasil, que é um fato, mas que não é a causa primária da maior parte de seus problemas.

O fato de colocar a "desigualdade" como elemento central dos problemas brasileiros apenas revela que o PSDB, de acordo com sua verdadeira natureza social-democrática, ainda pretende resolver os problemas do Brasil pela via do distributivismo social, não pela via do produtivismo econômico, o único meio, mais rápido e eficiente de promover o crescimento e a elevação da renda das camadas mais pobres, junto com o adequado funcionamento das instituições públicas e uma melhoria revolucionária na qualidade da educação da população brasileira.

O que, na verdade, impede o Brasil de ser mais próspero, de ter maior nível de crescimento, maior rapidez na criação de empregos, de dispor de melhores estradas, hospitais, escolas, menor violência nas ruas, é a falta de investimentos, que se traduz, portanto, em menor taxa de crescimento e em um aumento lentíssimo da prosperidade (que existe, por certo, mas é tão reduzida que se perde no longo prazo).
E o que impede o Brasil de ter uma taxa mais elevada de investimentos não é a falta de investimentos estatais, como pretendem muitos, e sim a falta de investimentos privados, que existiriam, pelo menos em parte, se não fosse a tremenda "despoupança" estatal que caracteriza o Brasil.
Que isso seja verdade, é simplesmente comprovado pelo nível de carga fiscal existente no Brasil, praticamente no patamar dos países da OCDE -- de cerca de 38% do PIB -- para um PIB per capita cinco ou seis vezes menor. Ou seja, o Brasil é uma anomalia absoluta na economia mundial: o Estado absorve dois quintos do PIB e mantem uma taxa de investimento pública ridiculamente baixa, de 1% do PIB aproximadamente, consumido todo o restante em despesas correntes e transferências obrigatórias.

Se o PSDB, e a população brasileira, o que é mais importante, não perceberem isso, vamos continuar a patinar indefinidamente na mesma situação em que estamos vivendo pelos últimos 50 ou 60 anos, pelo menos. A desigualdade, volto a repetir, não é a causa dos problemas brasileiros, ela é apenas o reflexo das disfunções do funcionamento do sistema público no Brasil, que concentrou nas mãos do Estado a responsabilidade principal pelos mecanismos da vida econômica e, justamente, converteu o Estado na mais poderosa máquina de concentração de renda e de criação de desigualdades que poderíamos ter.

Foi o Estado quem produziu inflação, o mais perverso imposto contra os pobres e o mais poderoso mecanismo de transferência de renda de quem é pobre para as mãos e os bolsos dos ricos. Foi o Estado quem produziu descontrole fiscal, que explica o primeiro fenômeno e contribui para premiar quem já é rico, com recursos subsidiados. Foi o Estado que continua privilegiando os ricos, ao manter um sistema de ensino que concentra verbas no superior, em lugar de se ocupar da educação obrigatória universal. Foi e é o Estado que impede a concorrência e a competição saudáveis, ao manter um protecionismo exagerado e ao alimentar cartéis e monopólios, públicos e privados, que extraem renda do conjunto da população para entregar a industriais protegidos e os cartéis dos principais setores. É o Estado que garante salários duas a três vezes superiores no setor público do que no privado, uma aberração completa e absoluta, ademais da estabilidade total nos cargos público, outro absurdo anti-produtivo; é também o Estado que garante pensões acintosas para os funcionários públicos, contra magros rendimentos para os que são contemplados no sistema geral.
Basicamente é o Estado que cria a desigualdade que o documento do PSDB aponta como o "principal problema" do Brasil, quando não é; ela é apenas o reflexo desse mau funcionamento do Estado, com instituições deformadas, funcionando apenas a serviço dos privilegiados e dos próprios funcionários públicos, gastando em primeiro lugar consigo mesmo, não com a população (mas observo que o Estado não "deveria gastar" com a população, bastaria que ele não arrecadasse recursos que a própria população ou os empresários poderiam consumir, com seu bem-estar, ou investir, para fornecer serviços e bens, o que o Estado pretende  fazer e faz mal, como sempre.

Que o Brasil seja um país injusto, disso ninguém duvida. Que as fontes dessa injustiça estejam na "desigualdade" já é duvidoso, pois a desigualdade pode ser gradualmente absorvida com crescimento econômico -- a ser feito basicamente por investimentos privados, e não públicos --, com uma estrutura tributária menos iníqua, que retire menos dinheiro do trabalho e dos lucros e mais do consumo, da renda e do patrimônio, com uma repartição de despesas que incida sobre serviços universais, não para transferir mais renda para os ricos -- como ocorre agora com o bolsa-empresário do BNDES, com o bolsa-classe média das universidades gratuitas, etc. -- e sobretudo com a melhoria brutal dos padrões educacionais nos dois primeiros níveis de ensino e na educação técnico-profissional de qualidade.

Este é único caminho pelo qual o Brasil poderá ser tudo aquilo que os brasileiros pretendem que ele seja, como colocado no primeiro parágrafo aqui selecionado do programa do PSDB.
Ou seja, errando no diagnóstico e errando nas prescrições é muito provável, que mesmo com a vitória do candidato do PSDB neste dia de eleições, o Brasil continue patinando penosamente em direção ao futuro nos próximos anos (ou décadas).

Boas escolhas a todos.
Paulo Roberto de Almeida
(Shanghai, 31 de outubro de 2010)

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