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quarta-feira, 3 de novembro de 2010

O papel da oposicao - editorial Estadao

O papel da oposição
Editorial - O Estado de S.Paulo
03 de novembro de 2010

"Minha mensagem de despedida neste momento não é um adeus. É um até logo. A luta continua." Ao reconhecer a vitória de Dilma Rousseff, José Serra exortou os oposicionistas a se articularem para cumprir o papel que lhes cabe no cenário político nacional. "Para os que nos imaginam derrotados - acrescentou - quero dizer: nós estamos apenas começando uma luta de verdade." É ver para crer.

Um dos fatores decisivos da vitória de Lula foi o comportamento errático, quando não pura e simplesmente omisso, da oposição, ao longo de oito anos de governo petista e na campanha eleitoral deste ano. Lula elegeu-se em 2002 com a imagem de líder popular que fez contrastar com a de intelectual, representante da elite, de seu antecessor, Fernando Henrique. Com grande competência, Lula soube manipular esse contraste para construir a própria imagem de líder e defensor dos fracos e oprimidos e colar nos opositores o estigma de inimigos do povo. FHC virou anátema. Seu governo, "herança maldita". E a oposição, como que sofrendo de grave crise de identidade, assistiu inerme a toda essa mistificação. A tal ponto que em 2005, quando estourou o escândalo do mensalão, Lula estava blindado e imune aos efeitos negativos da corrupção que grassava ao seu redor. Por muito menos, alguns anos antes Fernando Collor fora forçado a renunciar à Presidência.

É animador, portanto, ouvir o até agora principal líder da oposição convocar seus companheiros à continuação da luta política. Pois toda nação democrática necessita de governo competente e honesto tanto quanto de oposição viva e operante, pronta e apta a fazer cumprir o fundamento da alternância no poder.

Condições objetivas para o exercício de uma oposição eficiente a partir de 1.º de janeiro existem, apesar de a base governista ter aumentado no Congresso Nacional. A oposição sai das urnas com desempenho melhor, nos pleitos majoritários, do que quatro anos atrás. A diferença de votos entre Dilma e Serra foi menor, em cerca de 10 milhões de votos, do que aquela que Lula teve sobre Alckmin em 2006, o que pode ser explicado em parte, é claro, pelo fato de que Dilma não é Lula. Além disso, o PSDB acaba de conquistar 8 governos estaduais (foi o partido que mais governadores elegeu), que se somam aos 2 do DEM e abrangem a maioria dos Estados mais populosos e prósperos, como São Paulo, Minas, Paraná e Santa Catarina.

A mesma disposição manifestada por Serra foi reiterada pelo presidente nacional dos tucanos, senador Sérgio Guerra, para quem "o PT e os que ganharam de nós nesta eleição trabalharam para construir uma hegemonia, e não uma democracia. No Congresso, vamos agir para que o contraditório se estabeleça". Por sua vez, depois de defender a necessidade de o maior partido da oposição partir para alianças e até fusões, o governador de São Paulo, Alberto Goldman, colocou o dedo na ferida: "Nós não fomos suficientemente combativos ao longo dos oito anos do governo Lula."

Pode facilitar o trabalho da futura oposição o fato de que Dilma, apesar de dispor de ampla base de apoio parlamentar, certamente não terá sobre seus aliados o mesmo controle que detém o atual presidente. E, certamente ainda mais relevante, o bloco governista poderá bater cabeça diante de previsíveis e inevitáveis discrepâncias entre políticas a serem defendidas pela próxima presidente e aquelas hoje adotadas por Lula. A considerar, ainda, a evidência de que uma importante legenda da base governista, o PSB, chega a 2011 fortalecido pelo aumento de sua bancada parlamentar e pela eleição de 6 governadores, quase todos no maior reduto petista - o Nordeste. Disposto, portanto, a trilhar tanto quanto possível seus próprios caminhos em direção à sucessão presidencial de 2014.

Mas qualquer projeto oposicionista se frustrará, principalmente em termos de consolidação da democracia, se não houver a sincera disposição de banir da vida política duas práticas nefandas que o lulo-petismo consagrou: o exercício da oposição, como fez no plano nacional até 2003, pautado exclusivamente por interesses eleitorais e o tratamento de adversários políticos como inimigos a serem dizimados. A oposição há que ser firme e combativa, sempre, e construtiva, quando possível.

domingo, 31 de outubro de 2010

Analises da jornada eleitoral - editorial Estado, Dora Kramer, Sergio Fausto

Afinal, o que queremos?
Editorial - O Estado de S.Paulo
30 de outubro de 2010

Encerra-se hoje a mais longa campanha eleitoral de que se tem notícia no País, e certamente em todo o mundo: oito anos de palanque na obstinada perseguição de um projeto de poder populista assentado sobre o carisma e a popularidade de um presidente que, se por um lado tem um saldo positivo de realizações econômico-sociais a apresentar, por outro lado, desprovido de valores democráticos sólidos, coloca em risco a sustentabilidade de suas próprias realizações na medida em que deliberadamente promove a erosão dos fundamentos institucionais republicanos. Essa é a questão vital sobre a qual deve refletir o eleitor brasileiro, hoje, ao eleger o próximo presidente da República: até onde o lulismo pode levar o Brasil?

Quanto tempo esse sentimento generalizado de que hoje se vive materialmente melhor do que antes resistirá às inevitáveis consequências da voracidade com que o aparelho estatal tem sido privatizado em benefício de interesses sindical-partidários? Tudo o que ambicionamos é o pão dos programas assistenciais e do crédito popular farto e o circo das Copas do Mundo e Olimpíada?

Lamentavelmente, as questões essenciais do País não foram contempladas em profundidade pelo pífio debate político daquela que foi certamente a mais pobre campanha eleitoral, em termos de conteúdo, de que se tem notícia no Brasil. Mais uma conquista para a galeria dos "nunca antes neste país" do presidente Lula, que nessa matéria fez de tudo. Deu a largada oficial para a corrida sucessória, mais de dois anos atrás, ao arrogar-se o direito de escolher sozinho a candidata de seu partido. Deu o tom da campanha, com a imposição da agenda - a comparação entre "nós e eles", entre o "hoje e ontem", entre o "bem e o mal" - e com o mau exemplo de seu destempero verbal.

Uma das consequências mais nefastas dessa despolitização que a era lulo-petista tem imposto ao País como condição para sua perpetuação no poder é o desinteresse - resultante talvez do desencanto -, ou pelo menos a indulgência, com que muitos brasileiros tendem a considerar a realidade política que vivemos. A aqueles que acreditam que podem se refugiar na "neutralidade", o antropólogo Roberto DaMatta se dirigiu em sua coluna dessa semana no Caderno 2: "Você fica neutro quando um presidente da República e um partido que se recusaram a assinar a Constituição e foram contra o Plano Real usam de todos os recursos do Estado que não lhes pertencem para ganhar o jogo? (...) Será que você não enxerga que o exemplo da neutralidade é fatal quando há uma óbvia ressurgência do velho autoritarismo personalista por meio do lulismo, que diz ser a ‘opinião pública’? O que você esperava de uma disputa eleitoral no contexto do governo de um partido dito ideológico, mas marcado por escândalos, aloprados e nepotismo? Você deixaria de tomar partido, mesmo quando o magistrado supremo do Estado vira um mero cabo eleitoral de uma candidata por ele inventada? É válido ser neutro quando o presidente vira dono de uma facção, como disse com precisão habitual FHC? Se o time do governo deve sempre vencer porque tem certeza absoluta de que faz o melhor, pra que eleição?"

Quatro anos atrás, nesta mesma página editorial, dizíamos que "as eleições de hoje são o ponto culminante da mais longa campanha eleitoral de que se tem notícia no Brasil. Desde 1.º de janeiro de 2003, quando assumiu a Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva não deixou, um dia sequer, de se dedicar à campanha para a reeleição. Tudo o que fez, durante seu governo (...) teve por objetivo esticar o mandato por mais quatro anos". Erramos. O horizonte descortinado por Lula era, já então, muito mais amplo. Sua ambição está custando à Nação um preço caríssimo que só poderá ser materialmente aferido mais para a frente. Mas que já se contabiliza em termos éticos, toda vez que o primeiro mandatário do País desmoraliza sua própria investidura e não se dá ao respeito. Mais uma vez, essa semana, no Rio de Janeiro, respondeu com desfaçatez a uma pergunta sobre o uso eleitoral de inaugurações: "Não posso deixar de governar o Brasil por conta das eleições." Ele que, em oito anos no poder, só pensou em eleições!

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Imagem e semelhança
Dora Kramer
O Estado de S.Paulo, 31 de outubro de 2010

Hoje à noite o Brasil terá novo presidente. Depois de oito anos de Presidência "irradiada" - como se dizia na era das transmissões exclusivamente radiofônicas - daqui a dois meses o País volta ao normal em termos de conduta presidencial.
A menos que Luiz Inácio da Silva pretenda substituir-se ao presidente - seja como chefe da oposição ou como tutor da chefe da Nação - e ocupe todo dia algum microfone por alguma razão, chega ao fim um período peculiar no que tange à figura de alguém que fez da Presidência um exercício de egolatria.
Daí a singularidade da campanha eleitoral que ontem chegou ao fim, exatamente no molde pretendido por Lula: uma guerra desprovida de conteúdo político (na melhor acepção do termo), na qual o que menos importou foram os atributos dos candidatos e os respectivos projetos de País.
Sinal mais expressivo é que nenhum dos dois se deu ao trabalho de expor ao eleitorado um plano de governo bem explicado e detalhado. E pelo pior dos motivos: medo de criar polêmica e, com isso, prejudicar as chances de vitória.
Embromaram no que seria substantivo e capricharam no adjetivo, no "aqui e agora" do embate. Diga-se, por sinal, que esse tipo de atitude seria impossível se o voto fosse facultativo, com os candidatos precisando lutar pelo interesse do eleitor.
Prevaleceu uma disputa na qual o eleitor foi ora espectador, ora massa de manobra, ora inocente útil, e Lula o protagonista.

A sociedade foi ativa ao provocar um segundo turno?
É relativo: o segundo turno é da regra, sempre esteve no cenário. Representou apenas um fato surpreendente em relação ao quadro de artificialismo triunfante criado pela máquina de propaganda governamental em conjunto com pesquisas, cujos números acabaram se mostrando excessivos no tocante ao favoritismo da candidata oficial.
Lula conseguiu exatamente o que queria ao se impor como a figura central da campanha. Não lhe importa a evidência de que isso significa uma deformação institucional. Por si fácil de ser entendida, mas podemos ilustrar com o exemplo mais ou menos recente da então presidente do Chile, Michelle Bachelet, que mesmo popularíssima perdeu a eleição. Só não perdeu a compostura.

Para não ir longe, mas recuando bem mais no tempo, tivemos aqui Fernando Henrique Cardoso na transição civilizada para o PT. Mérito? Só porque a comparação é com Lula, pois de verdade seria uma obrigação.
Fragilizado politicamente, José Sarney ficou distante da eleição de 1989 servindo apenas de muro de pancadas dos muitos candidatos da época.
Itamar Franco não jogou o governo na luta pelo sucessor. Fernando Collor, com toda ausência de zelo pela coisa pública e arrogância doentia, enfrentou o período de acusações, investigações e impedimento sem fazer um centésimo do que Lula fez em matéria de abuso da máquina pública.
Pintou e bordou como nunca se viu diante de parte da sociedade perplexa, parte embasbacada, parte inebriada com a chance de comprar e crente que tudo se deveu à vontade, à coragem e à sensibilidade social de Lula.
Fez e aconteceu nas barbas da Justiça Eleitoral totalmente leniente e de um Ministério Público ausente.
Usou governo, ministros, capacidade de pressão, ludibriou e ainda se fez de ofendido quando a oposição resolveu parar de apanhar calada. Conseguiu que, ao final, a impressão fosse de "baixarias de parte a parte".
Quem fez campanha ilegal por dois anos e transgrediu fora do limite de qualquer responsabilidade? Pois é.
Na regra limpa, no mano a mano, Dilma Rousseff teria chegado aonde chegou? Pois é.
Pode-se argumentar que os presidentes citados, à exceção de Itamar, foram derrotados pelas circunstâncias.
Lula saiu vencedor, no mínimo no quesito popularidade. Falta ainda esperar que a História conte a história toda: aquela parte que fala da credibilidade e fica para sempre.

Abstenção. Hoje não é demais repetir: "O maior castigo para aqueles que não se interessam por política é que serão governados pelos que se interessam". Arnold Toynbee.

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A miséria da política
Sergio Fausto
O Estado de S.Paulo, 30 de outubro de 2010
Campanhas eleitorais raramente se destacam pela discussão substantiva dos temas mais relevantes para o futuro do país. Principalmente agora que o marketing ganhou precedência sobre a política e os candidatos obedecem às orientações emanadas da "ciência" dos marqueteiros.
Essa é uma tendência em todas as democracias, que se manifesta com especial força nos países onde o peso da imprensa escrita é minúsculo comparado ao da televisão, as identidades partidárias são diluídas, a média do eleitorado tem nível de instrução baixo e a indústria do marketing e da propaganda goza de grande fama e prestígio.
Assim, não chega a surpreender a pobreza da discussão política nas eleições que hoje se encerram. Não surpreende, mas decepciona, sobretudo quando se considera a riqueza dos avanços obtidos e dos problemas gerados ou não resolvidos ao longo dos últimos 16 anos, em geral muito positivos para o País. Era de esperar que o desenvolvimento (em sentido amplo) observado nesse período se refletisse em maior qualidade do debate político. Não foi o que se viu.
A pobreza da discussão política nestas eleições foi uma escolha das campanhas e dos principais candidatos. Com a contribuição inestimável do sr. presidente da República, que entrou na disputa como chefe de torcida uniformizada.
A pobreza da campanha oficial derivou da decisão de fabricar mentiras para estigmatizar o governo Fernando Henrique Cardoso e criar mitos para engrandecer o governo atual, em doses muito além do aceitável numa disputa política minimamente comprometida com os fatos e com uma interpretação razoável a seu respeito. Já a pobreza da campanha oposicionista decorreu essencialmente da recusa - maior no primeiro do que no segundo turno - a responder às mentiras referentes ao passado e desconstruir os mitos relativos ao presente. Nessa toada, por ação ou omissão, uma e outra campanha concorreram, ainda que em graus diferentes, para distorcer o passado, mitificar o presente e embaçar o futuro.
Tome-se o exemplo do tratamento dispensado à Petrobrás e ao pré-sal. A campanha oficial procurou pregar a mentira de que o governo FHC tencionava privatizar a companhia. Lorota de pernas curtas: como se não bastasse a suposta intenção jamais ter figurado em programa, discurso ou documento do governo anterior, há carta pública do ex-presidente ao Senado comprometendo-se com a permanência da Petrobrás em mãos do Estado brasileiro, sob o regime de competição regulada estabelecido em 1997. A companhia não apenas permaneceu sob controle estatal, como se tornou muito mais competitiva sob o novo regime.
Findo o monopólio da Petrobrás, mas assegurada a propriedade da União sobre o subsolo brasileiro, com mais competição, novas empresas e maiores investimentos, a participação do setor de petróleo e gás cresceu de 2% para 12% do produto interno bruto (PIB), gerando maior renda e mais e melhores empregos. Base sólida para o candidato do PSDB passar à ofensiva e perguntar o porquê de o governo atual querer mudar, para a exploração do pré-sal, um regime que se mostrou tão bem-sucedido. Quais as vantagens e os riscos de o Estado brasileiro ingressar no comércio de barris de petróleo, em lugar de arrecadar tributos? A quem poderia interessar a entrada do Estado num negócio pouco transparente que tanta margem oferece a ganhos ilícitos? A legislação atual já não permite, por simples decreto presidencial, capturar para o Estado brasileiro os ganhos extraordinários que possam advir da exploração do pré-sal? Por que, então, fazer uma mudança atabalhoada, em regime de urgência constitucional, sem tempo para que o Congresso Nacional e a sociedade pudessem conhecê-la e discuti-la? Nenhuma dessas perguntas foi feita.
Em vez de aceitar a luta política no centro do ringue - onde se poderiam confrontar dois modelos distintos de gestão do Estado e regulação da economia -, a candidatura do PSDB escolheu os cantos do tablado, na suposição de que o embate de biografias, em torno da competência gerencial para implementar programas setoriais, lhe fosse assegurar uma "merecida vitória", como se a política fosse uma prova de méritos individuais.
Tão importante quanto discutir a Petrobrás e o pré-sal teria sido pôr em pauta o tamanho da carga tributária. Será sustentável a mobilidade social ascendente observada nos últimos anos sem uma reforma tributária que reduza responsavelmente a carga de impostos, melhore a qualidade da tributação e permita o desenvolvimento do setor de pequenas e médias empresas? Ou vamos apostar que a emergência da chamada classe C será sustentada pelo emprego e renda gerados pela expansão do Estado e pelo fortalecimento das grandes empresas, as únicas capazes de suportar a carga tributária atual e mover-se no cipoal tributário existente? Silêncio total sobre um assunto vital para o futuro do País, em que duas visões sobre o Estado, a economia e a sociedade poderiam haver se confrontado. O que se ouviu foram apenas promessas eleitorais de mais gastos públicos correntes, cujo ritmo de crescimento precisa ser contido para tornar viável a redução da carga tributária.
Conduzidas as campanhas desse modo, sobrou a falsa impressão de que a escolha se dará entre um candidato que tem notável currículo político-administrativo e se apresenta como um continuador melhorado das "proezas" que se fizeram nos últimos oito anos, embora não conte com o apoio do autor das proezas, e uma candidata com modesto currículo político-administrativo, mas que tem o vistoso apoio do chefe de sua torcida, chefe de Estado nas horas vagas.
Ainda assim é muito bom votar. Já tinha quase 30 anos quando votei pela primeira vez para presidente. Meus filhos, com menos de 20, já o fizeram neste 3 de outubro. Viva a democracia! E vamos às urnas, pois. Meu voto não é segredo: é Serra.
DIRETOR EXECUTIVO DO iFHC, É MEMBRO DO GACINT-USP. E-MAIL: SFAUSTO40@HOTMAIL.COM


sábado, 16 de outubro de 2010

Deformacoes da representacao politica no Brasil

Deformações eleitorais
Editorial, - O Estado de S.Paulo
14 de outubro de 2010

Eleições livres, limpas, periódicas e abertas a toda a população adulta são condições necessárias para o ingresso de um país no grupo das democracias estáveis. Mas não são suficientes, por si sós, para atender a outros requisitos, a partir dos quais se pode medir a legitimidade dos resultados eleitorais, no caso das disputas para as Casas Legislativas. Um é a igualdade de oportunidades entre os candidatos. Outro é a representatividade dos eleitos.

Esses objetivos - aos quais se acrescentam o fortalecimento do sistema partidário e a qualidade do processo legislativo - costumam ser alcançados uns à custa dos outros, porque ainda está para nascer um sistema eleitoral livre de distorções. Que nem por isso devem permanecer intocadas. No Brasil, duas delas são particularmente perversas. Os seus efeitos combinados desfiguram a vontade do eleitorado nacional.

Em primeiro lugar, o princípio clássico da democracia - um homem, um voto - é atropelado pela norma que estabeleceu um piso e um teto (8 e 70) para a representação dos Estados na Câmara dos Deputados. Foi uma regra imposta de cima para baixo. Fez parte do conjunto de mudanças constitucionais baixadas pelo presidente Ernesto Geisel a partir de 1.º de abril de 1977 - quando ordenou o fechamento do Congresso Nacional por duas semanas exatamente para isso. O chamado Pacote de Abril visava sobretudo a perpetuar a maioria governista no Legislativo.

Para isso, além de manter as eleições indiretas para governadores, criou a figura do senador biônico, as sublegendas nos pleitos para o Senado e o único entulho autoritário que os políticos se recusaram a remover - a ampliação das bancadas federais dos Estados menos habitados. Neles, a Arena, o partido oficial do regime militar, conseguiu manter-se à tona no naufrágio eleitoral de 1974, quando a oposição, reunida no MDB, obteve surpreendente votação no País.

O argumento de que a alteração se destinava a diminuir a concentração do poder político nos Estados já detentores do poder econômico não passava, portanto, de pretexto para um golpe político. A distância entre a distribuição das cadeiras na Câmara e a distribuição do eleitorado pela Federação faz com que um voto digitado em Roraima, por exemplo, valha 11 vezes mais que o de um eleitor registrado em São Paulo. No pleito recente, essa foi a diferença entre o maior e o menor quociente eleitoral (número de votos válidos em cada Estado, dividido pelas vagas a que tem direito) do País.

Não se trata de sugerir que os candidatos de um Estado sejam piores ou melhores do que os de outro. Mas é fato que o sistema tende a prejudicar os partidos mais votados nos Estados mais populosos. Foi o caso do PSDB. Metade dos seus 11,3 milhões de votos para a Câmara veio de São Paulo e Minas Gerais. Esses Estados deram ao PMDB apenas 12% dos seus 12,5 milhões de votos. Isso ajuda a explicar por que, embora a votação do PMDB tenha sido apenas 9% maior que a do PSDB, o número de cadeiras conquistadas pelo primeiro foi 49% maior que o deste.

O outro grande fator que deforma os resultados das eleições parlamentares é o mais lembrado. A cada pleito, só uma ínfima parcela de deputados se elege com os seus próprios votos. Este ano foram 35 em 513, ou 7%, os candidatos que alcançaram o quociente eleitoral em seus Estados. Em São Paulo, apenas dois candidatos, o notório Tiririca, do PR, e o vereador Gabriel Chalita, do PSB, ultrapassaram o mínimo necessário de 304 mil votos. Com as sobras, elegeram companheiros de viagem e correligionários.

É conhecida a causa do chamado desvio de votos, pelo qual o eleitor marca o candidato A do partido X e acaba elegendo, sem saber, o candidato B do partido Y a ele coligado. É a regra que permite parcerias partidárias em eleições para Câmaras e Assembleias. Elas servem para os partidos nanicos cederem tempo de TV em troca de vagas na chapa a que se juntaram. Bastaria acabar com as coligações em eleições proporcionais e um grande passo teria sido dado para diminuir o hiato entre a composição do Congresso e a intenção do eleitor.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

...Mas poderia ser melhor: PSDB quer debater questoes reais...

O fim de um tabu
Editorial - O Estado de S.Paulo
08 de outubro de 2010

A partir de hoje, quando recomeça a propaganda eleitoral na televisão e no rádio, se saberá de que forma e com que intensidade a campanha do tucano José Serra assumirá o legado do governo Fernando Henrique, aceitando enfim, à sua maneira, o desafio da candidata Dilma Rousseff e do seu mentor, o presidente Lula, de confrontar o atual período com o que o antecedeu.

Foi o que os seus principais aliados - a começar do ex-governador mineiro e senador eleito Aécio Neves - defenderam enfaticamente no encontro que marcou a largada para o segundo turno, anteontem em Brasília, com a presença dos governadores e parlamentares eleitos pela coligação oposicionista. Na primeira fase da disputa, pôde-se contar nos dedos de uma mão quantas vezes Serra mencionou o ex-presidente. O seu nome e o termo privatizações eram considerados venenosos. O candidato acusava a rival de ter "duas caras". Ele próprio, porém, tinha uma cara ao sol e outra à sombra.

O mantra de Serra era discutir quem tinha de fato visão, experiência e capacidade para "fazer mais" no pós-Lula. Não funcionou. Se dependesse exclusivamente disso, Dilma seria a esta altura a presidente eleita do Brasil, graças ao seu patrono. Os resultados do 3 de outubro representaram para o tucano, mais do que uma derrota eleitoral, uma derrota política. Ou seja, como diria Marina Silva, "perdeu perdendo". É verdade que também Dilma saiu derrotada politicamente, por ter embarcado na canoa da invencibilidade que o seu chefe conduzia.

Salvo na 25.ª hora por mudanças para as quais não contribuiu - a migração de votos dilmistas para Marina Silva e a preferência pela candidata verde de muitos dos até então indecisos -, Serra acabou premiado com a chance de, na pior das hipóteses, perder ganhando no tira-teima do dia 31. Até hoje, nenhum candidato a presidente e raros candidatos a governador conseguiram virar o jogo no segundo turno. Ainda que o retrospecto se confirme, a oposição pelo menos sairá da peleja com a coluna vertebral no lugar se fizer com que a coerência prevaleça sobre a conveniência.

Se não exatamente com essas palavras, foi seguramente com esse espírito de catar o touro à unha que os serristas partiram para a nova empreitada. "Seja mais Serra do que marketing", exortou, sob intensos aplausos, o ex-presidente e senador eleito, Itamar Franco. Trata-se de adaptar a estratégia de comunicação ao foco político da campanha - e não o contrário. E esse foco só se firmará se o candidato se dispuser a ir além da rememoração das realizações de sua trajetória para encaixá-las na moldura da ideologia que as inspirou - e que chegou ao poder com Fernando Henrique. "Não precisa esconder ninguém", aconselhou Itamar.

"Devemos defender isso com altivez e iniciar o segundo turno falando dele", apontou por sua vez Aécio Neves, credenciado por seu sucesso nas eleições mineiras a ocupar um lugar central na campanha pelo Planalto. O ex-governador mostrou, ele próprio, o que isso significa - e o que Serra não disse no horário eleitoral. "Não teria havido o governo Lula se não tivesse havido o governo Itamar, com a coragem política de lançar o real, e se não tivesse havido o governo FHC, que consolidou e abriu a economia", começou, antes de encarar a questão até aqui tabu.

"Se querem condenar as privatizações, estão dizendo a cada cidadão brasileiro que pegue o celular no seu bolso, na sua bolsa e jogue na lata de lixo mais próxima", provocou. "Foi a privatização do setor que permitiu a universalização de acesso da população, por exemplo, à telefonia celular." Abertas as comportas, Serra lembrou que "o governo Lula continuou a privatizar", citando os casos do Banco do Estado do Maranhão e do Banco do Estado do Ceará, no primeiro mandato. "Se privatizou, não era tão contra."

Ao devolver a bola para o campo do adversário, o PSDB finalmente virou a página da equivocada conduta no segundo turno de 2006, quando o então candidato Geraldo Alckmin ficou na defensiva diante da propaganda lulista que o acusava de desejar a privatização da Petrobrás e do Banco do Brasil. Nesse sentido, o segundo turno de agora é, sim, uma nova eleição.

domingo, 26 de setembro de 2010

Dois editoriais da "grande midia" contra Lula - OESP e FSP

A "imprensa golpista" da' a resposta a quem pretende dar um golpe na liberdade de expressao...

Todo poder tem limite
Editorial - Folha de S.Paulo
Domingo, 26 de setembro de 2010

Os altos índices de aprovação popular do presidente Lula não são fortuitos. Refletem o ambiente internacional favorável aos países em desenvolvimento, apesar da crise que atinge o mundo desenvolvido. Refletem,em especial, os acertos do atual chefe do Estado.
Lula teve o discernimento de manter a política econômica sensata de seu antecessor. Seu governo conduziu à retomada do crescimento e ampliou uma antes incipiente política de transferências de renda aos estratos sociais mais carentes.A desigualdade social, ainda imensa, começa a se reduzir. Ninguém lhe contesta seriamente esses méritos.
Nem por isso seu governo pode julgar-se acima de críticas.O direito de inquirir,duvidar e divergir da autoridade pública é o cerne da democracia, que não se resume apenas à preponderância da vontade da maioria.
Vai longe, aliás, o tempo em que não se respeitavam maiorias no Brasil. As eleições são livres e diretas, as apurações, confiáveis -e ninguém questiona que o vencedor toma posse e governa.
Se existe risco à vista, é de enfraquecimento do sistema de freios e contrapesos que protege as liberdades públicas e o direito ao dissenso quando se formam ondas eleitorais avassaladoras, ainda que passageiras. Nesses períodos, é a imprensa independente quem emite o primeiro alarme, não sendo outro o motivo do nervosismo presidencial em relação a jornais e revistas nesta altura da campanha eleitoral.
Pois foi a imprensa quem revelou ao país que uma agência da Receita Federal plantada no berço político do PT, no ABC paulista, fora convertida em órgão de espionagem clandestina contra adversários.
Foi a imprensa quem mostrou que o principal gabinete do governo, a assessoria imediata de Lula e de sua candidata Dilma Rousseff, estava minado por espantosa infiltração de interesses particulares. É de calcular o grau de desleixo para com o dinheiro e os direitos do contribuinte ao longo da vasta extensão do Estado federal.
Esta Folha procura manter uma orientação de independência, pluralidade e apartidarismo editoriais, o que redunda em questionamentos incisivos durante períodos de polarização eleitoral.
Quem acompanha a trajetória do jornal sabe o quanto essa mesma orientação foi incômoda ao governo tucano. Basta lembrar que Fernando Henrique Cardoso,na entrevista em que se despediu da Presidência, acusou a Folha de haver tentado insuflar seu impeachment.
Lula e a candidata oficial têm-se limitado até aqui a vituperar a imprensa, exercendo seu próprio direito à livre expressão, embora em termos incompatíveis com a serenidade requerida no exercício do cargo que pretendem intercambiar.
Fiquem ambos advertidos, porém, de que tais bravatas somente redobram a confiança na utilidade pública do jornalismo livre. Fiquem advertidos de que tentativas de controle da imprensa serão repudiadas -e qualquer governo terá de violar cláusulas pétreas da Constituição na aventura temerária de implantá-lo.

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O mal a evitar
Editorial - O Estado de S.Paulo
Domingo, 26/09/2010

A acusação do presidente da República de que a Imprensa "se comporta como um partido político" é obviamente extensiva a este jornal. Lula, que tem o mau hábito de perder a compostura quando é contrariado, tem também todo o direito de não estar gostando da cobertura que o Estado, como quase todos os órgãos de imprensa, tem dado à escandalosa deterioração moral do governo que preside. E muito menos lhe serão agradáveis as opiniões sobre esse assunto diariamente manifestadas nesta página editorial. Mas ele está enganado. Há uma enorme diferença entre "se comportar como um partido político" e tomar partido numa disputa eleitoral em que estão em jogo valores essenciais ao aprimoramento se não à própria sobrevivência da democracia neste país.

Com todo o peso da responsabilidade à qual nunca se subtraiu em 135 anos de lutas, o Estado apoia a candidatura de José Serra à Presidência da República, e não apenas pelos méritos do candidato, por seu currículo exemplar de homem público e pelo que ele pode representar para a recondução do País ao desenvolvimento econômico e social pautado por valores éticos. O apoio deve-se também à convicção de que o candidato Serra é o que tem melhor possibilidade de evitar um grande mal para o País.

Efetivamente, não bastasse o embuste do "nunca antes", agora o dono do PT passou a investir pesado na empulhação de que a Imprensa denuncia a corrupção que degrada seu governo por motivos partidários. O presidente Lula tem, como se vê, outro mau hábito: julgar os outros por si. Quem age em função de interesse partidário é quem se transformou de presidente de todos os brasileiros em chefe de uma facção que tanto mais sectária se torna quanto mais se apaixona pelo poder. É quem é o responsável pela invenção de uma candidata para representá-lo no pleito presidencial e, se eleita, segurar o lugar do chefão e garantir o bem-estar da companheirada. É sobre essa perspectiva tão grave e ameaçadora que os eleitores precisam refletir. O que estará em jogo, no dia 3 de outubro, não é apenas a continuidade de um projeto de crescimento econômico com a distribuição de dividendos sociais. Isso todos os candidatos prometem e têm condições de fazer. O que o eleitor decidirá de mais importante é se deixará a máquina do Estado nas mãos de quem trata o governo e o seu partido como se fossem uma coisa só, submetendo o interesse coletivo aos interesses de sua facção.

Não precisava ser assim. Luiz Inácio Lula da Silva está chegando ao final de seus dois mandatos com níveis de popularidade sem precedentes, alavancados por realizações das quais ele e todos os brasileiros podem se orgulhar, tanto no prosseguimento e aceleração da ingente tarefa - iniciada nos governos de Itamar Franco e Fernando Henrique - de promover o desenvolvimento econômico quanto na ampliação dos programas que têm permitido a incorporação de milhões de brasileiros a condições materiais de vida minimamente compatíveis com as exigências da dignidade humana. Sob esses aspectos o Brasil evoluiu e é hoje, sem sombra de dúvida, um país melhor. Mas essa é uma obra incompleta. Pior, uma construção que se desenvolveu paralelamente a tentativas quase sempre bem-sucedidas de desconstrução de um edifício institucional democrático historicamente frágil no Brasil, mas indispensável para a consolidação, em qualquer parte, de qualquer processo de desenvolvimento de que o homem seja sujeito e não mero objeto.

Se a política é a arte de aliar meios a fins, Lula e seu entorno primam pela escolha dos piores meios para atingir seu fim precípuo: manter-se no poder. Para isso vale tudo: alianças espúrias, corrupção dos agentes políticos, tráfico de influência, mistificação e, inclusive, o solapamento das instituições sobre as quais repousa a democracia - a começar pelo Congresso. E o que dizer da postura nada edificante de um chefe de Estado que despreza a liturgia que sua investidura exige e se entrega descontroladamente ao desmando e à autoglorificação? Este é o "cara". Esta é a mentalidade que hipnotiza os brasileiros. Este é o grande mau exemplo que permite a qualquer um se perguntar: "Se ele pode ignorar as instituições e atropelar as leis, por que não eu?" Este é o mal a evitar.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Dilemas da oposicao: fazer o governo perder

Missão quase impossível
Editorial O Estado de S.Paulo
02 de julho de 2010

Com a escolha do deputado federal Antonio Pedro Índio da Costa (DEM-RJ) para compor, como candidato a vice-presidente da República, a chapa oposicionista encabeçada pelo ex-governador José Serra, completa-se, finalmente, o quadro sucessório e a campanha eleitoral entra em sua fase crucial, que culminará com a escolha, pelo eleitorado, dos que governarão o País nos próximos quatro anos. É de se registrar que a chapa do PSDB se constituiu, na undécima hora, como solução de uma crise que quase levou à ruptura da aliança com o Democratas, que se sentira excluído e humilhado com o anúncio da formação de uma chapa "puro-sangue" tucana, tendo como vice o senador paranaense Álvaro Dias.

O recuo dos tucanos apaziguou seus aliados e acrescentou à chapa oposicionista um político jovem, ligado ao mais recente e prestigiado movimento da sociedade civil ? aquele que resultou no Projeto Ficha Limpa.

Permanece, no entanto, a grande dificuldade que enfrenta a candidatura José Serra, para tentar superar a candidatura Dilma Rousseff, em razão do que é sabido: não é com ela que Serra disputa, mas sim com Lula, que concorre por interposta pessoa ao terceiro mandato.

Tanto assim que o presidente deixou de usar suas habituais metáforas e alegorias para dizer, sem subterfúgios e pudor, que o nome "Lula" deverá ser lido pelos eleitores, na urna eletrônica, no lugar em que estiver escrito o nome "Dilma". Não poderia deixar mais clara a sua intenção. E aí está, justamente, o aspecto inusitado da atual campanha sucessória presidencial: a oposição enfrenta um candidato fortíssimo que não é candidato.

Nunca, na história deste país, houve eleições com estas características, por mais que na política contemporânea tenham surgido criaturas "inventadas" por líderes populares para sua sucessão. Tampouco abundam exemplos de transferência de votos, como as pesquisas indicam que acontecerá no pleito de outubro.

Quando o ex-governador José Serra se tornou candidato à sucessão presidencial, uma questão fundamental se colocou: qual seria o discurso da oposição? Que mensagem o candidato deveria transmitir ao eleitorado? Ninguém discutiu ? como foi o caso de Dilma ? o seu preparo para o cargo, reconhecido pelos próprios adversários, nem a sua experiência na gestão da coisa pública. Mas faltava a definição de um discurso que caracterizasse as alternativas da oposição a um governo chefiado por um presidente de popularidade imbatível.

A ideia contida no bordão "o Brasil pode mais" até que, num primeiro momento, pareceu um caminho interessante para o discurso oposicionista, já que não confrontava o presidente. Mas isso e o reconhecimento das qualidades da gestão lulista, que completava o quadro, não eram suficientes para conquistar a massa eleitoral que apoia o carismático presidente.

Como não poderia deixar de ser, todo o esforço da candidatura oposicionista consiste em fazer a confrontação entre pessoas reais ? Dilma Rousseff e José Serra ? comparando biografias e experiências na vida pública, na tentativa de mostrar que Lula, o mito, não está à disposição do eleitorado para ser eleito pela terceira vez. As pesquisas eleitorais indicam que esse esforço da candidatura oposicionista ainda não tem sido bem-sucedido e a campanha sucessória presidencial segue, exatamente, o rumo plebiscitário traçado pelo presidente Lula.

Em sua recente viagem aos Estados atingidos pela tragédia das enchentes, no Nordeste, uma população castigada e que não foi contemplada pelo governo federal com investimentos e obras contra calamidades aclamou Lula com devoção assemelhada à dedicada a figuras como Padre Cícero ou Antonio Conselheiro. Na verdade, a popularidade de Lula não se deve só ao seu carisma e à sua habilidade para se comunicar com o povo. Deve-se, basicamente, ao fato de que ? não principalmente por mérito do seu governo ?, nestes últimos oito anos, todos os setores da sociedade brasileira foram beneficiados por um desenvolvimento econômico global, só interrompido no fim de 2008 por essa crise que pouco afetou os países em desenvolvimento.

Por isso a missão quase impossível do candidato Serra é provar que não é verdade que oposição não ganha eleição; governo é que perde eleição. 

terça-feira, 13 de abril de 2010

395) O tom do discurso do candidato da Oposicao - editorial do Estadao

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A resposta ao 'nós e eles'
Editorial O Estado de S.Paulo
13 de abril de 2010 | 0h 00

O PSDB finalmente expôs a sua alternativa ao plebiscito a que o presidente Lula, o PT e a candidata Dilma Rousseff querem reduzir a campanha sucessória - como que coagindo o eleitor a escolher entre a história oficial do governo que se vai e a sua versão daquele que se foi há 9 anos. No encontro de lançamento da candidatura José Serra, sábado último em Brasília, o ex-governador apresentou pela primeira vez a sua resposta para a armação eleitoral com que o lulismo pretende camuflar o contraste entre o noviciado de Dilma ("a minha biografia é o governo Lula", reconhece) e o currículo político-administrativo do adversário.

De um lado, Serra denunciou as "falanges do ódio" que dividem os brasileiros entre ricos e pobres, nortistas e sulistas, patriotas e inimigos da pátria - a construção populista que se condensa no "nós e eles" de Lula e serve de arrimo ideológico para o seu postiço plebiscito. De outro, o tucano se declarou apto a "fazer mais" do que este governo, cujas deficiências o condutor varre para o canto com a desenvoltura proporcionada por sua extravagante popularidade. Numa amostra do que terá a criticar no plano administrativo - descontada a esqualidez moral e política do petismo no poder -, apontou o dedo para diversos fracassos de Lula.

Transitando entre temas de variado apelo popular - da economia à política externa -, demorou-se na questão educacional e denunciou, além da má qualidade do ensino, "um retrocesso grave dos últimos anos: a estagnação da escolaridade entre os adolescentes". Credenciado pelo seu desempenho como ministro da área, afirmou que a saúde pública estagnou ou avançou muito pouco, "mas pode avançar muito mais e nós sabemos como fazer isso acontecer". Na mesma linha, disse que o Brasil poderia ter crescido mais se a infraestrutura nacional não tivesse sido relegada, a ponto de o transporte de uma tonelada de soja de Mato Grosso ao Porto de Paranaguá custar mais do que dali até a China, como exemplificou. Foi o desnudamento do PAC.

Chamou a atenção dos observadores o fato de Serra ter conseguido evitar tanto o tom tecnocrático quanto o falsamente coloquial; foi incisivo, mas não ofensivo. Para os otimistas, ele já teria encontrado o tom certo para se dirigir ao eleitor, enquanto Dilma ainda tropeça na forma, tentando imitar Lula, e sobretudo no conteúdo, com a sua crescente coleção de impropriedades. A mais recente escapou em um evento arranjado de última hora pelo PT em São Bernardo para concorrer com o encontro da oposição em torno de seu candidato. Buscando desqualificar o opositor, dessa vez no plano pessoal, disse que não foge "quando a situação fica difícil" - Serra se exilou depois do golpe de 1964, como se tantos dos atuais companheiros dela não tivessem feito o mesmo.

O tucano, por sua vez, limitou os seus ataques à esfera política. Ao arrolar as mudanças experimentadas pelo Brasil desde a redemocratização, lembrou que não foram "conquistas de um só homem ou de um só governo, muito menos de um único partido". Disse que "o Brasil não tem dono", mas é dos brasileiros que "não dispõem de uma boquinha, dos que exigem ética na vida pública, dos que não contam com um partido ou com alguma maracutaia para subir na vida". Eleitoralmente, é cedo para saber o que terá representado a estreia do candidato. Politicamente, no entanto, o ato foi o passo sincronizado que de há muito os tucanos e seus aliados não conseguiam dar.

Ninguém, nem Serra, encarnou melhor esse movimento do que o seu antigo rival tucano pela indicação para o Planalto, o agora ex-governador mineiro Aécio Neves. Acolhido aos gritos de "vice, vice", surpreendeu pela robustez de suas expressões de apoio ao paulista, incluindo a promessa de estar ao seu lado "onde quer que seja convocado" - embora depois reiterasse o seu projeto de se candidatar ao Senado. Surpreendeu ainda mais pela contundência inédita de suas críticas ao PT e pela ênfase com que instou a oposição a comparar, sim, os governos Fernando Henrique e Lula, não se furtando a elogiar as privatizações das telecomunicações e da siderurgia, difamadas pelo lulismo. "Não há nada", desafiou, "do que nos envergonhar."
O Estado de S.Paulo