A campanha antecipada
Editorial O Estado de S. Paulo, 11/02/2010
O julgamento de uma representação encaminhada pela oposição ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostra que a Corte não está vendo o que está à vista de todos, ou seja, que a campanha eleitoral está nas ruas. Impetrada pelo PSDB, DEM e PPS, a representação acusava o presidente Lula e a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, de estarem fazendo campanha eleitoral antecipada e de terem convertido em comício político as inaugurações de duas barragens em Minas Gerais, no dia 19 de janeiro.
Os advogados dos três partidos alegaram que, ao discursar no evento, Lula se referiu a Dilma como "minha candidata"; afirmou que "vamos ganhar para que (as obras do PAC) possam ter continuidade"; e disse que precisava inaugurar "o máximo possível de obras" até o prazo de desincompatibilização da chefe da Casa Civil, para se candidatar à Presidência da República. Na representação, os advogados da oposição também afirmaram que, a pretexto de fiscalizar andamento de obras e execução de programas governamentais, o presidente e a ministra vêm fazendo propaganda eleitoral de modo acintoso.
Embora os trechos transcritos na representação não deixem dúvidas quanto ao caráter eleiçoeiro da fala presidencial nos dois eventos, o ministro Joelson Dias a rejeitou, sob a alegação de que Lula somente teria tecido "considerações" sobre a importância econômica das duas obras e de suas implicações sociais para a região. Ele também afirmou que as duas solenidades foram realizadas antes do período de três meses que antecedem as eleições, no qual o comparecimento de qualquer candidato à inauguração de obras públicas é proibido, e disse que é "lícito ao administrador público inaugurar obras e relatar feitos de sua administração".
Ora, nos últimos meses, Lula jamais se limitou a fazer "considerações técnicas" nas duas ou três solenidades diárias de que participa ? e que são fartamente noticiadas pelos jornais, rádios e televisões. Ao contrário, os discursos que o presidente vem pronunciando em profusão pelo País têm em comum o objetivo claro e único de angariar votos para Dilma Rousseff. Além disso, a conversão de "inaugurações" de obras públicas em comícios configura uma ilegal transferência de verbas oficiais e equipamentos governamentais para atividades partidárias.
Nos meios forenses, há quem considere a legislação eleitoral difícil de ser aplicada, por não serem nítidas as fronteiras entre o que é divulgação de atos governamentais e o que é propaganda política e partidária. "Quando inaugura uma obra e faz discurso, o presidente exerce uma função que é própria dele. O problema é quando o agente público beneficia seus correligionários. A conduta é reprovável e até imoral, mas, juridicamente, é difícil de impedir", diz o professor de direito eleitoral da Universidade Federal de Juiz de Fora Geraldo Mendes. Outros juristas lembram que, assim como Lula, vários governadores aproveitam as brechas da lei e fazem propaganda dissimulada.
Mas na terça-feira o presidente Lula fez questão de remover qualquer possível dúvida. Num comício em Governador Valadares, referindo-se explicitamente ao recurso do PSDB e DEM ao TSE, disse com todas as letras o que está fazendo e o que fará: "Acho que nossos adversários estão fazendo como o time mais frágil que tenta parar o jogo no tranco, fazendo falta... O que eles queriam. Que eu ficasse sentado em Brasília? Vou fazer muita força para eleger minha sucessora." E, prometendo que o ritmo das viagens vai se intensificar "até 31 de dezembro", concluiu: "Até lá, a festa é minha."
Para o ex-ministro Carlos Mário Velloso, que presidiu o TSE e o STF, a Justiça Eleitoral seria mais eficaz se divulgasse nota técnica definindo para os partidos políticos e para os candidatos os limites do que pode e não pode ser feito em matéria de divulgação de obras públicas antes do início do período em que é permitida a propaganda eleitoral, em 6 de julho. "O TSE não julga apenas. Também tem a função administrativa de disciplinar as eleições. Ele poderia fazer uma advertência e, se não fosse cumprida, aplicar as punições", afirmou.
Com isso, de fato, o TSE poderia evitar abusos como os que têm sido cometidos por Lula e Dilma e que desmoralizam tanto a legislação eleitoral como o tribunal.
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MAS, AFINAL, QUEM PRESSIONA O TSE?
Reinaldo Azevedo, 11.02.2010
Reproduzi aqui um excelente editorial do Estadão que trata da leniência — tal termo uso eu — do TSE com a escancarada campanha eleitoral antecipada protagonizada pelo presidente Lula e pela candidata Dilma Rousseff, do PT, que ministra não é mais. A questão não está só na antecipação, é óbvio, mas no uso do dinheiro público em favor de um partido:
- são públicos os recursos que garantiram a feitura das obras — às vezes, nem feitas estão…;
- são públicos os recursos que financiam a pajelança: transporte de autoridades, armação de palanque, mobilização da segurança, o lanchinho amigo para os presentes…
Em parecer que, tenho certeza, há de se tornar histórico, o ministro Joelson Dias, que não é zagueiro do Mocoembu de Dois Córregos, mas chuta a bola pro mato, recusou representação das oposições e não viu nada demais na ação da dupla. Leiam o que informa a Folha Online. Volto em seguida:
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A oposição ingressou nesta quinta-feira com uma nova representação no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) por propaganda eleitoral antecipada. Desta vez, DEM, PSDB e PPS argumentam que Lula fez discurso durante cerimônia na cidade de Teófilo Otoni (MG) em defesa da pré-candidata do PT ao Palácio do Planalto.
“Mais uma vez, o presidente da República estava, sim, fazendo comício em prol da candidata ‘de fato’ do Partido dos Trabalhadores para o próximo pleito presidencial. Desse modo, sob o pretexto de fiscalizar as obras do governo federal em Minas, o que fez foi mais uma explícita propaganda em favor de Dilma”, argumenta a oposição.
DEM, PSDB e PPS afirmam, na representação, que a principal razão da viagem de Lula e Dilma “não era outra senão a de divulgar que está trabalhando para eleger o seu sucessor”.
Em discurso no evento, Lula disse que os mineiros poderiam estar certos de que “nós vamos fazer a sucessão neste país, para dar continuidade ao que nós estamos fazendo. Porque este país não pode retroceder. Este país não pode voltar para trás como se fosse um caranguejo”.
A oposição afirma, no texto, que “por mais que a legislação advirta que a existência formal de candidatura somente se dá com a escolha do representante em convenção partidária, o que deflagra o processo eleitoral, o chefe do Poder Executivo inflama seu discurso sucessório sem qualquer tipo de limitação”.
A lei eleitoral estabelece que a propaganda só é permitida após o dia 5 de julho do ano da eleição.
DEM, PSDB e PPS já ingressaram com pelo menos outras quatro representações contra Lula e Dilma por propaganda eleitoral antecipada. Duas já foram arquivadas pelo tribunal.
Voltei
Alguns dirão: “Ihhh, não vai adiantar nada de novo!” Pode ser. Nem por isso as oposições devem renunciar aos mecanismos disponíveis no estado de direito para conter os abusos. Se o TSE vier a se mostrar mera extensão do petismo, também é importante que se estabeleça esse registro. Nessa hipótese, saberemos que houve um dia um TSE do B — ou melhor, do PT!
Dia desses, Ayres Britto, presidente do tribunal, afirmou que o órgão não se deixa pressionar. Que bom! Espero que se deixe, no entanto, pressionar pelos fatos. Que está pegando mal o rigor empregado com governadores e prefeitos em contraste com o que parece desídia quando a figura em pauta é o presidente, ah isso está!
FICA PARECENDO, MINISTRO AYRES BRITTO, QUE O TRIBUNAL SE DEIXA PRESSIONAR, NÃO É MESMO?
Mas, por favor, não se sinta pressionado por mim, hein.
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MINISTRO DO TSE QUE REJEITOU AÇÃO DAS OPOSIÇÕES É CHAPA DE ERENICE GUERRA, O OUTRO BRAÇO ESQUERDO DE DILMA. UM VÍDEO ILUMINA A SUA DECISÃO
Reinaldo Azevedo, 6.02.2010
O Tribunal Superior Eleitoral recusou, como viram, a representação das oposições contra a candidata Dilma Rousseff e o presidente Lula por campanha eleitoral antecipada. Como vocês se lembram, no dia 21, escrevi aqui o texto TSE PODE MUITO CONTRA QUEM PODE POUCO; CONTINUARÁ A PODER POUCO CONTRA QUEM PODE MUITO? Pois é… E quem foi que deu o “arquive-se”? O ministro auxiliar do TSE Joelson Dias.
Joelson Dias tem um currículo para 800 talheres. A gente corre o risco de ficar mais inteligente só de ler. Vejam vocês mesmos. Volto em seguida:
Mestre em Direito pela Universidade Harvard. Sócio de Barbosa & Dias Advogados Associados. Ministra cursos de Direito Eleitoral promovidos pela Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil, Seções do Distrito Federal (OAB-DF) e Sergipe (OAB-SE), pelo Instituto dos Magistrados do Distrito Federal (IMAG-DF) e pelo Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal (TRE-DF). Ministrou a disciplina “Direitos das Minorias” em 1999 e revisão sobre “Direitos Humanos na América Latina”, em 2000, no Curso de Pós-Graduação em Direitos Humanos promovido pela Universidade de Brasília, Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios e Universidade de Essex, Inglaterra; e a disciplina “Teoria Geral do Processo” durante o curso de treinamento dos integrantes do Poder Judiciário do Timor Leste, promovido pelo International Development Law Institute (IDLI) com o apoio da Organização das Nações Unidas (ONU). Foi Conselheiro Titular e representante do Conselho Federal da OAB no Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência - CONADE (2004-2008). É Secretário da Comissão de Relações Internacionais do Conselho Federal da OAB. Participou da 7ª. Sessão do Comitê Especial da ONU que elaborou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2006). Atuou no Tribunal Penal Internacional para a Ex-Iugoslávia (1997), na Missão Civil Internacional das Nações Unidas e Organização dos Estados Americanos no Haiti (1993-1994). Fluente em inglês, francês, espanhol e creole haitiano. Nível intermediário em italiano.
Ufa! Com tudo isso, ele certamente entende português e está apto a analisar o conteúdo das falas de Dilma e Lula que estão no vídeo abaixo - inclusive aquela na cidade de Jenipapo, que motivou a representação movida pelas oposições. Se Luila tivesse falado em creole, Joelson entenderia. Vejam o vídeo abaixo ou continuem a leitura e depois voltem a ele.
Voltei
Pois bem. Agora leiam uma nota publicada no dia 6 de abril do ano passado no blog do senador Álvaro Dias (PSDB-PR). Comento em seguida:
Erenice Guerra, o braço direito da ministra Dilma Rousseff na Casa Civil da presidência da República (envolvida na elaboração do dossiê anti-FHC), emplacou Joelson Dias, seu ex-sócio em um escritório de advocacia, como novo ministro substituto do Tribunal Superior Eleitoral. Ele tomará posse no próximo dia 16. O Supremo Tribunal Federal (STF) deveria ter encaminhado para a escolha de Lula uma lista com os nomes dos advogados Admar Gonzaga, Alberto Pavi e de um terceiro. O de Gonzaga, que constara de listas anteriores, evaporou-se. Ele advogou várias vezes para o DEM. Pavi passou a encabeçar a lista. Que foi completada com Evandro Pertence, filho do ex-ministro do STF Sepúlveda Pertence, e Joelson. Lula mandou às favas o costume que respeitou nos últimos seis anos de nomear o cabeça de lista.
Comento e encerro
Que Joelson tenha formação intelectual para ser ministro do TSE, bem, isso parece fora de dúvida, não é mesmo? Já a ligação com Erenice Guerra complica um pouco as coisas, uma vez que é patente que ela quase é aquilo que está no texto do senador. Eu digo “quase” porque não acho que ela seja “braço direito de Dilma”. Acho que ela é outro braço esquerdo. Isto: Dilma tem dois braços esquerdos. Quando faz omelete, então…
Não estou afirmando, claro, que essa ligação o impede de entender língua portuguesa, mesmo quando é a língua de Lula, mesmo quando é a língua de Dilma. Mas eis um caso em que o melhor teria sido declara-se impedido. Afinal, convenham: as pessoas acabam desconfiando de que falta isenção ao TSE, não é?, ainda que isso seja de uma injustiça danada.
E é evidente que sempre resta uma curiosidade: se o que vai naquele vídeo não é campanha eleitoral, o que será? Acho que estão se confirmando as piores expectativas sobre o TSE, verdugo de governadores e prefeitos. Mais do que isso: foi até eleitor único de mandatários, que assumiram governos sem terem sido eleitos para isso. Ayres Britto quase fez poesia a respeito dessa prática democrática que consiste em conceder mandato por decisões cartoriais.
A propósito: há poucos dias, Gilmar Mendes, presidente do STF, lembrou o rigor do TSE com prefeitos e governadores e expressou o desejo de ver triunfar os mesmos critérios em qualquer caso. Britto respondeu que o TSE era imune a pressões etc e tal. Achei que a fala tinha exalado um cheiro ruim.
Talvez o TSE devesse se deixar pressionar ao menos pelo decoro.
PS: Sejam espertos; não enviem comentários que vocês sabem que não serão publicados… Não preciso desenhar, não é, caras e caros?
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