O PT, CIRO E AÉCIO. OU: “MINAS É O ALVO”
Reinaldo Azevedo, 07/02/10
Há micos que eu não pago de jeito nenhum! Não digo o que as pessoas mais abastadas do que eu devem fazer com o seu dinheiro, por exemplo. Nem preciso explicar por quê. Deixo isso para alguns que escrevem sobre economia & finanças. Diz um amigo que é muito rico e lida com o mercado financeiro: “Sempre que um jornalista me dá uma dica sobre investimento, eu pergunto que carro ele tem…” Entendi. Também não dou conselhos a políticos poderosos. Eu apenas narro, descrevo às vezes, o que vejo. E faço alguns prognósticos. Acho que mais acerto do que erro. A julgar pelo número de leitores do blog, sempre crescente, vocês também acham. Vamos a dois casos.
O caso Ciro
Quem fizer uma pesquisa no arquivo sobre o que escrevi a respeito de Ciro Gomes encontrará, nas vezes em consegui levá-lo a sério, um diagnóstico e um prognóstico, que sintetizei dia desses numa imagem: “O PT o quer como concubina, não para casar. O coroné Lula pode até montar pra ele uma casa nos arrabaldes da cidade, animar-se com seu jeito sestroso, mas não vai levá-lo à missa”. Da Arena ao PSB, Ciro já foi muita coisa. Petista nunca. E isso o condena. Serviu a Lula com denodo, desvelo e fúria de capitão do mato às vezes. E o presidente e seu partido o querem apenas como boca de aluguel contra José Serra.
Ciro finalmente concorda com o que tenho escrito há anos a respeito de sua relação com o PT. Na sexta, numa entrevista a uma rádio de Recife, afirmou: “O PT tem um traço de arrogância; trata seus aliados como peças subalternas que podem ser tangidas como se fossem ovelhas (…). O partido acostumou-se a tratar os seus parceiros como bucha de canhão”.
Como vocês notam, a metáfora dele é outra, mas o conteúdo coincide com a minha. A sua figuração ficou entre o imaginário campestre e bélico, o que combina com ele; a minha é, assim, mais sensual, o que combina comigo, rá, rá, rá!!!
Ciro, dia desses, andou citando o teórico comunista italiano Antonio Gramsci, maltratando um tanto o conceito de “hegemonia”. A sua tentativa de ser um ungido do PT evidencia que ele não entendeu nem Gramsci nem o PT. A “hegemonia” do processo político não se esgota em liderar isso ou aquilo; trata-se de erigir um sistema de valores fora do qual não existe virtude. E Ciro está fora. Se quer manter o vínculo, é como ovelha ou bucha de canhão mesmo. Ou concubina.
O caso Aécio
Vejamos agora o caso do governador de Minas, Aécio Neves, do PSDB. Ainda hoje, ele alimenta uma tese que pode ser interessante caso se saiba seu conteúdo: a política brasileira entraria na fase “pós-Lula”. Não tenho dúvida de que ele tentou, com a formulação, um movimento de duplo efeito:
1 - afirmar que a polarização PSDB-PT torna os atores políticos reféns de uma dicotomia que existiria mais no interesse de algumas lideranças do que na prática; nesse contexto, ele apareceria, a um só tempo, como mediador e pacificador, apelando a correntes que ficam zanzando entre essas duas forças. Não por acaso, quando ele condena a tese plebiscitária de Lula, faz crer que o plebiscito só seria possível com Serra como candidato tucano. Ele próprio, Aécio, por alguma razão inexplicável — ou, ao menos, inexplicada — não seria um outro pólo. Acho a formulação curiosa porque, ideologicamente, Serra me parece mais próximo do PT do que Aécio;
2 - acenar para o petismo que ele não é “anti” coisa nenhuma; nesse sentido, num dado momento da trajetória, poderiam estar marchando juntos. E o pós-Lula seria, então, esse momento de conciliação que compõe a mitologia da política mineira.
Imprudência
Ocorre que tudo o que Lula realmente recusa é a possibilidade de que possa, um dia, haver um “pós-Lula”. Aí, a sua vaidade pessoal se casa com os conceitos que plasmaram o petismo para tentar esmagar qualquer possibilidade de que o país volte a assistir à alternância de poder.
O presidente da República, está claro, divide a história do Brasil — e do mundo!!! — em a.L e d.L: “antes de Lula” e “depois de Lula”. Sendo assim, qualquer resultado que não seja a vitória do PT não seria encarado como um evento normal de um regime democrático, mas como um retrocesso. O próprio Ciro, de quem falava há pouco, sai arrotando por aí que a eventual vitória de Serra seria uma “volta ao passado”. Não percebe — porque, de fato, é muito menos íntimo da teoria política do que faz supor sua metralhadora verbal — que é justamente esse discurso que o tira do tabuleiro de possibilidades do PT. Ele também não é do “partido”. Retrocesso, para a legenda, é a vitória de qualquer não-petista. Volto a Aécio.
Sua resistência, que não é de hoje, em reconhecer o caráter exclusivista do PT — o que o fez, por exemplo, alia-se aliar-se a petistas para eleger o prefeito de Belo Horizonte —, acho eu, revela incompreensão dos propósitos do partido. Está-se desenhado na sucessão mineira um alinhamento de forças que pretende esmagá-lo.
Hoje, o candidato de Lula ao governo de Minas se chama José Alencar — com um vice saído do PT: Patrus Ananias ou Fernando Pimentel. Tudo depende apenas da saúde do atual vice-presidente da República. Com o devido cuidado e respeito, é preciso pensar o que isso implica. Curado do câncer, obviamente, Alencar não estará. Negar o cálculo óbvio dos petistas nessa composição é negar uma das essências da política: o realismo.
O governo Aécio é aprovado pela maioria dos mineiros. Por enquanto, Antonio Anastasia, vice-governador e escolhido para disputar a sucessão pelo PSDB, está longe de vencer a disputa. Isso pode mudar? É evidente! Mas pensem na força que não teria uma chapa encabeçada por Alencar, secundada por petistas e, ainda que haja algumas dificuldades, apoiada pelo PMDB.
A figura de Alencar está ganhando contornos de um suave messianismo. A muitos pareceria até indelicado não votar nele, dada a sua luta contra o câncer. Em países, vamos dizer, mais frios, calculistas e desenvolvidos do que o Brasil, a doença pode assustar o eleitor, que tende a pensar nos riscos. Os democratas e a imprensa americana não hesitaram em lembrar os três diagnósticos de melanoma que tivera John McCain como fator de risco para… os Estados Unidos! Por aqui, mensagens sutis excitariam um mecanismo de culpa que poderia ser compensado com o voto. Ademais, Alencar é um figura simpática, terna até.
Nada de conselho
É evidente que, mesmo sendo meio mineiro (ver posts abaixo), não ouso dar conselhos a um político de Minas. Chamo a atenção para o que vejo. E vejo que, estando José Alencar no padrão em que se encontra hoje, ele disputa o governo, com o apoio entusiasmado de Lula e o apoio calculista do PT. Isso acaba liberando ao menos mais um petista para disputar uma vaga no Senado. Já estão na fila Itamar Franco, Helio Costa e, consta, Aécio. Um Patrus Ananias ou um Fernando Pimentel pode lhes fazer companhia. A eleição de Aécio para o Senado, que parece ser pule de dez, pode vir a dar trabalho. Num outro cenário, Alencar não disputa o governo, mas se candidata… ao Senado.
Reitero: o arranjo Alencar em Minas só não sai se a saúde do vice-presidente não permitir. Estaria formado no estado um palanque fortíssimo para Dilma Rousseff.
“O que você quer, Reinaldo? Empurrar Aécio para ser vice de Serra?” Eu? Não quero nada. Já disse que não pago mico de dar conselho para políticos. Estou narrando o que vejo e antevejo. A depender das forças que se conjurem em Minas, Anastasia enfrentará sérias dificuldades, e Aécio encontra um caminho bastante congestionado para o Senado. Os petistas não gostariam de esmagá-lo menos do que gostariam de esmagar Serra. Lembro que Dante de Oliveira, então governador de Mato Grosso em 2002, tinha índices de aprovação superiores a 70%. E não conseguiu se eleger senador. Não estou prevendo nada. Estou dizendo que a política pode ser traiçoeira. Só isso.
Meu texto não tem segundas intenções. Nunca tem! Só primeiras. O fio condutor deste artigo continua o mesmo — e não vou repetir a minha metáfora sensual, mas aquela campestre-bélica de Ciro: “O PT tem um traço de arrogância; trata seus aliados como peças subalternas que podem ser tangidas como se fossem ovelhas (…). O partido acostumou-se a tratar os seus parceiros como bucha de canhão”.
Encerro lembrando que uma precondição para o “período pós-Lula” é mesmo a derrota da candidata de Lula.
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