Discurso bravo mas pouca radicalização
Maria Inês Nassif
Valor Econômico, 15.04.2010
As pesquisas de opinião que foram divulgadas desde o início do ano revelam uma sociedade muito menos radicalizada do que fazem crer os sangrentos debates em torno dos dois candidatos que polarizarão a campanha eleitoral para a sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em 2006, o PSDB foi bloqueado nas classes de renda e escolaridade baixas e o PT praticamente expulso do eleitorado de renda e escolaridade altas; e o PT praticamente monopolizou os votos nas regiões mais pobres, enquanto o PSDB manteve índices mais altos de votação em regiões mais ricas. Nessas eleições, pelo menos até agora, não parece existir um enorme bloqueio de acesso de candidatos a determinadas faixas de renda e escolaridade, ou mesmo a regiões.
Tomadas as pesquisas de intenção de voto de 2006 e de 2010 mais próximas da data de desincompatibilização para disputar as eleições (seis meses antes) do Instituto Vox Populi - a divulgada em março e a de junho de 2006 -, o quadro de radicalização das eleições passadas se revela, de forma explícita, na divisão regional. O Estado mais pobre, o Nordeste, em junho de 2006 acenava com 62% das intenções de voto a Lula; no Sudeste, o índice caía para 39%; no Sul do país, para 38% e no Centro-Oeste/Norte, ficava em 37%. Na média nacional, Lula tinha, nessa ocasião, 45% das intenções de voto. Na pesquisa do mês de março deste ano, o mesmo instituto não registra uma disparidade regional tão grande.
De todas as regiões, o Nordeste e o Sudeste parecem ser as regiões que mais radicalizam. No Nordeste, a candidata do PT, Dilma Rousseff, tem 40% das intenções de voto, contra 26% de José Serra (PSDB). Os votos declarados a ela em todo país representam 31% (9 pontos a menos que os dos nordestinos); a Serra, são 31% (8 acima dos votos a ele declarados no Nordeste). Naquela região, a taxa de rejeição de Dilma é de apenas 9% (contra 15% da média nacional); a de Serra sobe para 20% (contra 18% da média nacional).
No Sudeste, ocorre o inverso: José Serra tem 43% das preferências (5 pontos a mais que a média nacional), contra 27 de Dilma (6 a menos que a nacional). Mas, nessa região em que Lula amargou dificuldades em 2006, Dilma e Serra empatam nos índices de rejeição (19% cada, 1% acima da média nacional de Serra e 4% acima da média de Dilma).
Na Região Sul, onde o PT teve problemas de acesso em 2006, os dois candidatos mantém índices aproximados à média nacional de intenção de voto (Serra tem 38% e Dilma 34%). Nessa região, existem elementos nas pesquisas que podem indicar maior facilidade para a petista do que seu partido teve há quatro ano. Lá, a rejeição de Dilma está próxima da média nacional - 16%, 1 ponto acima. Serra tem 13%, 5 pontos abaixo de sua média nacional. Em compensação, Dilma é fortemente identificada como candidata de Lula, cuja avaliação positiva atinge 73% naquela região (contra 77% da avaliação nacional mas, de qualquer forma, muito alta). No Rio Grande do Sul, onde o Vox Populi fez uma pesquisa em janeiro, Serra tem uma grande vantagem: 38%, contra 24% de Dilma. Mas Lula, que perdeu no Estado nas eleições passadas, exibe um inédito poder de transferência: 15% dos entrevistados declararam que votariam, com certeza, num candidato indicado por Lula, e 33% que poderiam votar. Nesse mesmo Estado, Serra, de um partido que tem captado mais votos conservadores (eleitores mais velhos e de renda e escolaridade mais alta), exige uma singular posição entre jovens de 25 a 29 (46%) e mantém favoritismo entre os com mais de 50 anos (44%), mas consegue acesso a eleitores de até um salário mínimo (42%). Nessa última faixa de renda, Dilma obtém a preferência de apenas 16% dos entrevistados.
No índice nacional, existem também dados que podem indicar que o comportamento do eleitor nessas eleições não será exatamente o observado 2006. Serra, que tem 34% das intenções de voto, exibe 30% das preferências dos entrevistados que declaram ganhar até um salário mínimo e 36% entre os jovens de 16 a 24 anos. Dilma, que registrou 31% das preferências dos entrevistados em todo o país, teve 35% das declarações de voto dos eleitores com nível superior.
Os dados do Instituto Sensus parecem corroborar a tese de que as intenções de voto nos dois candidatos estão distribuídos de forma muito mais uniforme nessas eleições do que nas passadas. Pesquisa CNT-Sensus de 3 de abril de 2006 apontava a preferência de 37,5% dos entrevistados em Lula, contra 20,6 para o candidato do PSDB, Geraldo Alckmin. No Nordeste, Lula tinha 55,1% das preferências, 17,6 pontos acima da sua média nacional; Alckmin, apenas 8,7% das declarações de voto na região, 11,9 pontos a menos que sua média nacional. Alckmin tinha, no país, 34,6% das preferências dos entrevistados com curso superior ou mais, 14 pontos a mais que sua média nacional; nessa faixa, apenas 23,4% declararam que iriam votar em Lula, 11,1 pontos a menos que o índice total de intenções de voto no petista.
Na pesquisa do Instituto Sensus semana passada - coletada entre 5 a 9 de abril de 2010 -, Dilma aparece como a preferida de 43,6% dos nordestinos (um índice 11,2 acima de seu nacional) e Serra, com 25% das intenções de voto (menos 7,7 pontos que o nacional). Na faixa de escolaridade superior, Serra exibe 6,3 pontos acima de sua preferência nacional e Dilma, apenas 5,2% a menos que sua média.
Esses dados iniciais da campanha podem indicar que não será bom negócio, para os dois candidatos, uma grande radicalização ideológica. Para Serra, seria interromper um acesso junto ao eleitorado mais pobre e menos escolarizado - e, nesse momento, opera inicialmente com a vantagem de ser o mais conhecido para essa faixa da população. Para Dilma, radicalizar à esquerda poderia interromper uma aceitação maior junto aos mais ricos e aos mais escolarizados, que rejeitaram in limine o presidente Lula nas eleições passadas.
Maria Inês Nassif é repórter especial de Política
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