domingo, 18 de abril de 2010

407) Triste Fim de Ciro Policarpo Gomes Quaresma: um ingenuo ou um trapalhao

CIRO EM SEU LABIRINTO
Reinaldo Azevedo, 18.04.2010

O deputado ex-cearense Ciro Gomes (PSB), agora com domicílio eleitoral em São Paulo, está magoado, sozinho e recluso, e quem faz a sua defesa púbica é a senadora Patrícia Saboya (PDT-CE), que já foi Gomes um dia. É sua ex-mulher. Acho que isso é um emblema do que Cecília Meireles chamou num poema “meu (dele) patético momento”. Antevi em detalhes o mico que ele pagaria. O arquivo está aí. Tem razões para estar chateado.

Ciro foi sempre tão fiel! Em vários momentos, comportou-se como um jagunço de Lula. Endossou o coro dos que afirmavam que acusar a existência do mensalão era coisa de golpistas e chegou a classificar de invenção da “imprensa paulista” o dossiê da Casa Civil, então chefiada por Dilma, contra FHC e Ruth Cardoso. Ciro queria ser o escolhido, o ungido. Foi esmagado. Está, tudo indica, à espera de um agrado de Lula. Triste desfecho para quem esperava ser seu sucessor.

Não tenho nenhuma simpatia por ele, como se nota. Mas nem por isso deixo de reconhecer que Lula não lhe dispensa um tratamento à altura da sua fidelidade. Ocorre que Lula não é fiel a ninguém. Já deixou companheiros de sindicato e de partido na chuva quando se provaram incômodos. Por que seria fiel a Ciro? Dilma Rousseff, como sabemos, não é exatamente jeitosa nesse negócio de política, é verdade. Ocorre que a sua viagem ao Ceará, por exemplo, não foi decisão pessoal, mas partidária.

Com um pouco mais de experiência, ela teria dito “não” à sugestão. Mas é quem é. E lá foi ela num ato de humilhação extrema ao aliado de todas as horas. O PT tripudiou de modo cruel sobre as pretensões de Ciro. Há coisa de dois anos, aparecia com cerca de 20% das intenções de voto. Ontem, o Datafolha lhe deu 9%.

Não tendo conseguido ser o candidato oficial — sua tola pretensão —, Ciro tentou provar a sua utilidade estratégica: entrar na disputa para “impedir a vitória da oposição”. Mas esse juízo se choca com a escolha tática de Lula: o plebiscito. Ficou sem lugar. E, se pensarmos um pouco nos motivos do presidente, não poderia ser diferente.

Se Lula cede a Ciro um pedaço da base para tornar viável a sua candidatura, haveria o risco de ele superar Dilma Rousseff no primeiro turno. Posso pensar o diabo a respeito do deputado do PSB, mas ele, como político, tem mais densidade do que ela. E partia de um patamar de votos muito superior. Fosse ele o “outro” candidato de Lula, estaria em segundo lugar. Neste ponto, o leitor pode perguntar: “Reinaldo, se é assim, então por que Lula não preferiu Ciro?”

Porque isso vai contra a natureza do PT. Há um bom tempo, ironizo aqui uma expressão de que Ciro vinha abusando: ele representaria uma “nova hegemonia política e intelectual” no país. Ele não deve saber o significado político da palavra “hegemonia”, que deve ter pescado num Gramsci mal lido. Ela não se estabelece por meio de homens, de indivíduos, de guerreiros, mas de um partido, de um ente que deve representar uma coletividade. Lula ser quem é, o demiurgo, não nos deve impedir de entender que ele representa um esquema gigantesco. Toda aquela bobajada autopromocional do presidente esconde uma máquina sindical e partidária infiltrada em todas as áreas do estado e da sociedade. “Hegemonia”, deputado Ciro Gomes, compreende uma guerra de valores, não de personalidades.

Ora, Ciro jamais seria um deles sem ser efetivamente um deles. O PT, já escrevi aqui, só aceita subordinados. Não quer nem mesmo parceiros. O PMDB tem conseguido alguns vitórias no embate direto. Mas quem fala é a máquina.

Tenho relatado aqui a longa biografia de “nãos” do PT, que Aécio Neves lembrou no dia 10, em Brasília, no lançamento da pré-candidatura de José Serra. Aquele “não” a Tancredo, por exemplo, era apenas mais um de muitos “nãos” ditos antes a outras forças que se opuseram ao regime militar. O partido não aceitou, é bom lembrar, compor com Leonel Brizola e Miguel Arraes. Em 1989, Lula rejeitou o apoio de Ulysses Guimarães — o Ulysses das Diretas e da Constituinte — no segundo turno das eleições presidenciais. Seus puxa-sacos na imprensa dizem que fez, depois, um mea-culpa. E daí?

São tantas as culpas do PT que ele poderia passar a vida se desdizendo. O partido não aceita participar de processos dos quais ele não possa ser a força — atenção, Ciro! — hegemônica. E só por isso tinha se negado a participar do Colégio Eleitoral. Não queria “endossar” Tancredo. E, por isso, não homologou a Constituição nem aceitou participar do governo Itamar Franco, declarando-se “na oposição”. ORA, OPOSIÇÃO A QUÊ? Nem governo havia! Tratava-se começar do zero. Por que o PT faria de Ciro um continuador de sua obra? Vênia máxima, deputado, é preciso ser meio bobo para acreditar nisso!

Ciro deveria fazer um exame de consciência e um mea culpa e voltar ao PSDB, sabendo, claro, que ele não poderá exterminar a seção paulista do partido. E também não conseguirá varrer São Paulo do mapa. Durante um bom tempo, o lulo-petismo abrigou a sua retórica preconceituosa contra os inimigos comuns. Ele só não percebeu que não era o PT que estava lhe sendo útil; ele é que estava sendo útil ao PT. O partido, nesses anos, só se fortaleceu. E ele foi ficando menor. Até chegar a este ponto: solitário e em silêncio humilhante.

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