Os impostos na eleição de 2010
Por Alberto Carlos Almeida, de São Paulo
Valor Econômico, 04/09/2009
Termômetro: Nem Lula, nem Dilma, nem o PT são os mais indicados para levantar a bandeira da diminuição dos tributos desejada pelos brasileiros.
Qual é a solução proposta pelo governador do Rio para resolver a impasse acerca da distribuição de royalties do pré-sal? Adivinhem, qual é a proposta? Há uma só chance. Ela é muito simples: aumentar impostos. Espanta a facilidade com que nossos políticos defendem o aumento de impostos. É a solução simples e fácil: retirar recursos da sociedade e colocar nas próprias mãos. Por que não há uma força política de destaque que defenda a redução de impostos? Os economistas sabem que o país não suporta mais aumento de impostos. Os empresários, em razão de razões práticas, sabem a mesma coisa que os economistas. O povo pobre também.
Quando se fala de tributação real, e não somente a nominal, nada menos do que 56% do preço da manteiga é imposto. No caso do açúcar, quase 44% de seu preço é imposto. O óleo de cozinha, necessário para que sejam feitos quase todos os alimentos, é tributado em 35%. Quando tomamos o nosso querido cafezinho, pagamos um quarto de seu preço para o governo. Para que o brasileiro compre uma dúzia de bananas, é preciso que pague por 15. Dito de outra forma, paga-se uma dúzia e recebem-se oito bananas. Pobre povo brasileiro, até na banana ele paga impostos. E elevados.
Em todas as eleições presidenciais o tema que dá a vitória é o consumo popular. Esse consumo foi sinônimo de Plano Real em 1994. Com a abrupta redução da inflação, Fernando Henrique Cardoso se tornou o mais popular político entre os pobres. Com o voto dos pobres ele corroeu os votos de Lula e foi eleito presidente no primeiro turno.
O efeito do Plano Real esteve presente em 2008. Mais uma vez ele foi o tema da campanha eleitoral, dessa feita acompanhado dos grandes símbolos do consumo popular do quadriênio: frango, iogurte, queijo, dentadura e muitas outras coisas que as pessoas de classe média já compravam havia várias gerações, mas os pobres só puderam comprar após controlar o dragão inflacionário.
Em 2002, o consumo dos pobres teve uma denominação bastante diferente: levou o nome de desemprego. Os oito anos de Fernando Henrique significaram grande melhora na vida da população pobre. Foram duas as grandes quedas de seu bem-estar: em 1999, quando da desvalorização do câmbio, e em 2001, por causa do apagão. O desemprego, nos dois episódios, foi resultado de forte desaceleração no crescimento econômico.
O primeiro semestre de 2001 era distante o suficiente da eleição de 2002 para que houvesse uma recuperação econômica que retirasse da agenda o tema do desemprego. Não ocorreu. Não é possível controlar tudo. O risco-Lula acabou de fazer o estrago. O medo dos investidores resultou em uma nova desvalorização cambial justo na reta final das eleições. O bem-estar dos pobres despencou e Lula venceu.
Lula era a pessoa certa na hora certa. Era o pobre defendendo o pobre. O ex-sindicalista defendendo o emprego. O fundador do PT defendendo o social.
Ele fez a mesma coisa em 1994 e em 1998. Não funcionou. Simplesmente não funcionou porque esse terreno já estava ocupado. Fernando Henrique era, nas duas eleições, aquele que mais defendera o interesse dos pobres. O próprio Fernando Henrique reconhecera isso. O então presidente declarara em 1997: "Antigamente falavam, ah, o frango foi o herói do real, depois foi o iogurte, agora eu acho que é a dentadura. Vai ver os pobres botando dente. Isso não é para rir, isso é verdade, isso é um avanço imenso, a pessoa poder cuidar de si." Essa frase é muito emblemática: é Fernando Henrique reconhecendo que o apoio eleitoral é dado para aquele que defende o aumento do consumo dos pobres. E o Brasil é feito mais de pobres do que de não-pobres.
Aí veio 2006. Lula, como escrevi há duas semanas, é um homem de sorte. A liquidez internacional permitiu que a bonança econômica atingisse todos os países, sem a exceção do Brasil. Houve também a ampliação do Bolsa Família. O Bolsa Família, como a redução da inflação e o aumento do desemprego, tem um formidável impacto no consumo das famílias. Quem menospreza ou ignora o Bolsa Família deve passar a considerar dois elementos centrais da vida da população pobre.
O primeiro é que não adianta trabalhar muito. Isso não muda a vida dos pobres. Simplesmente porque não há a perspectiva de que se tenha uma carreira profissional. Os rendimentos dos pobres se alteram pouco trabalhando-se muito ou pouco. Não há ética do trabalho porque, para a maioria, o trabalho não compensa. Não há ética do trabalho porque não há ambição e não há ambição porque são poucas, ou nenhuma, as perspectivas de melhora. Isso não se aplica a quem completou o curso universitário e reside em cidades dinâmicas como São Paulo ou Rio.
O segundo elemento fundamental da vida dos pobres é a irregularidade dos rendimentos. Há trabalhos sazonais, há muito emprego informal, há inúmeras vicissitudes que atingem justamente aqueles que, no mercado de trabalho, têm o menor poder de barganha. Quem não tem renda regular não pode se endividar. Há o medo de perda não do emprego (porque ele não existe), mas do rendimento. Pelo sim e pelo não, é melhor não se endividar.
O Bolsa Família resolve esses dois problemas ao mesmo tempo. A vida melhora mesmo que não se aumente a carga de trabalho. Porém, mais importante do que tudo, como o Bolsa Família é uma renda de longo prazo, é uma espécie de renda permanente pelos próximos 5, 10 ou 15 anos, seus beneficiários podem contrair dívidas nas Casas Bahia desta vida. O Bolsa Família, diga-se em alto e bom som, permite que a população melhore o seu supermercado e também compre bens duráveis. É comum encontramos no interior do Nordeste famílias que compraram sua primeira TV de 29 polegadas graças ao Bolsa Família. Sabemos disso hoje, mas o efeito sobre o consumo já existia em 2006. Foi em 2006 que o Bolsa Família se tornou o principal tema da campanha eleitoral.
Recapitulando, o consumo popular foi sinônimo de queda da inflação nas duas eleições de Fernando Henrique. Depois, esse mesmo consumo se tornou sinônimo de desemprego. Mais recentemente, em 2006, o consumo dos pobres se tornou sinônimo de Bolsa Família. O que sobrou para 2010? Certamente não são nem a queda da inflação, um benefício já incorporado e defendido pela população, nem o Bolsa Família, um tema esgotado no nosso debate público. Que esse programa social deva ser mantido e, eventualmente, ampliado, não há dúvida. Mas isso não significará um passo à frente na vida dos pobres.
O passo à frente na vida dos pobres será a redução dos impostos que incidem sobre o seu consumo. Por que impostos e não juros? Porque são os pobres quem dizem, ou melhor, é toda a população adulta brasileira. Quando se pergunta o que é melhor para combater o desemprego, se a redução dos impostos ou a redução dos juros, aproximadamente 70% ficam com os impostos e 30% com os juros. Dito com clareza: a redução dos impostos é bem mais popular do que a redução dos juros. O motivo disso é simples. A população não paga juros quando compra alimentos, mas paga impostos quando faz isso.
Os pobres sabem que pagam impostos quando compram alimentos. Sim, sabem. Proponho a todos aqueles que conduzem pesquisas qualitativas, discussões em grupo, em qualquer lugar do Brasil, que façam as seguintes perguntas em grupos focais feitos com pessoas de classe C para baixo: de onde vêm os recursos do governo? Você paga impostos? Quando você paga impostos? Os produtos que você compra têm impostos? Quais produtos? Se os impostos fossem reduzidos, você compraria mais desses produtos? Vejam que resultado sairá de tais perguntas. O resultado ficará de acordo com uma pesquisa nacional quantitativa que o Instituto Análise conduziu em todo o Brasil em abril.
Nada menos do que 85% de todos os brasileiros dizem que pagam impostos quando compram alimentos. A mesma pergunta foi feita para outros nove itens. A média dos 10 ficou na casa de 84%. Ou seja, 84% dos brasileiros reconhecem que pagam impostos quando compram não somente alimentos, mas também roupas, artigos de higiene, combustível, produtos de saúde, itens habitacionais, serviços bancários, serviços pessoais, serviços de telefonia e energia elétrica.
Quando questionados sobre se aumentariam o consumo desses mesmos itens caso o imposto fosse diminuído, 81% dos entrevistados dizem que aumentariam o consumo de alimentos, uma marca incrível. É a proporção mais elevada em todos os dez itens. Aliás, a média para elas é de 57%. Isso diz muito: as pessoas querem comprar mais comida, e não apenas arroz, feijão, macarrão, fubá e farinha.
O nome do consumo popular em 2010 é imposto. Quem vai pegar essa bandeira, o Lula do IPI reduzido para automóveis? Opa, isso não atinge os pobres.
A propósito, Lula acabou de elogiar a Europa. Ele afirmou que lá o imposto é elevado porque o estado de bem-estar social também é grande. Lula se esqueceu de dizer, ou não sabe, que a Europa perdeu a liderança da economia mundial para os Estados Unidos. Que seus países, tomados individualmente, foram ultrapassados pelo Japão e em breve a Ásia, como um todo, e a China, em particular, também ultrapassarão a Europa. Pode ser que não se deva exclusivamente à carga tributária europeia, mas certamente é um aspecto relevante da falta de dinamismo do velho continente.
Dizem as más línguas que o europeu nasce aposentado. Lá todos vivem sob a égide de um grande Bolsa Família, esse generoso estado de bem-estar social tão admirado por Lula. Lula admira esse modelo e por isso não é a pessoa mais indicada para levantar a bandeira da redução de impostos. Nem Lula, nem Dilma, nem o PT.
Alguns poderão achar que os democratas já fizeram isso. Com a palavra Fernando Henrique na página 209 do livro "O Presidente segundo o Sociólogo", uma entrevista a Roberto Pompeu de Toledo: "O PFL (DEM) é um partido que nasceu do Estado. Até posso me complicar politicamente com o que estou dizendo, mas muita gente no PFL (DEM) não tem nada a ver com liberalismo. Porque nasceu no Estado ou muito próximo do Estado". O figurino da redução de impostos não se encaixa no partido descrito por Fernando Henrique.
Se o PT não vai fazer isso em 2010, e o DEM, se fizer, não teria a efetividade desejada, quem então poderia empunhar essa bandeira? Eu apostaria no PSDB.
Alberto Carlos Almeida, sociólogo e professor universitário, é autor de "A Cabeça do Brasileiro" (Record).
E-mail: Alberto.almeida@institutoanalise.com www.twitter.com/albertocalmeida
sexta-feira, 4 de setembro de 2009
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