Ciro é um aliado que incomoda
Paulo Moreira Leite e Guilherme Evelin com Marcelo Rocha e Matheus Leitão
Época, Sábado, 26 de setembro de 2009
A pesquisa do Ibope mostra que Ciro cresceu entre todas as faixas etárias do eleitorado
Na noite de 19 de agosto, o mundo de Brasília prestava atenção nos movimentos da senadora Marina Silva, que naquele dia deixava o PT, após três décadas de militância. Ninguém reparou na presença de um grande número de autoridades no Palácio da Alvorada, onde o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebia convidados para um jantar em que o cardápio eleitoral estava à mesa. Pelo PT, compareceram a ministra Dilma Rousseff, vários deputados, senadores, ministros e lideranças do partido. Pelo PSB, vieram o deputado Ciro Gomes, o governador Eduardo Campos, de Pernambuco, e outros dirigentes.
O encontro foi amistoso e terminou em ambiente de fraternidade. Nas despedidas, estava claro que havia divergência entre os aliados. Convencido de que a transformação da eleição presidencial de 2010 num plebiscito entre seu governo e o de Fernando Henrique Cardoso será a melhor forma de garantir a vitória, Lula defendeu que o conjunto de partidos que apoiam o Planalto entrasse na campanha em defesa de uma candidatura única, da ministra- -chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, que ele mesmo escolheu e impôs ao PT.
Com índices de popularidade nada desprezíveis, além de duas campanhas presidenciais no currículo, Ciro deixou claro que também gostaria de concorrer. Argumentou que sua presença poderia ser uma boa estratégia para vencer a oposição. Quando ficou claro que não seria possível chegar a um acordo, todos decidiram adiar a decisão. "Você faz como quiser, e em março a gente resolve", disse Lula. Ele parecia convencido de que, até lá, seria possível persuadir Ciro a abandonar seus planos presidenciais e entrar na campanha de 2010 como candidato ao governo paulista, num pleito dificílimo contra o tucano Geraldo Alckmin.
Na semana passada, com a divulgação dos números da última pesquisa CNI/Ibope, alguns dos presentes àquele jantar puderam perceber a desvantagem de adiar sua decisão. A pesquisa desenhou um novo panorama para a sucessão:
• como era esperado, Marina cresceu. Com tão pouco tempo de vida útil fora do PT, soma 8% das intenções de voto;
• surpreendentemente, Ciro acumula 17% das intenções de voto, num avanço de 5 pontos em quatro meses;
• Dilma recuou 3 pontos e aparece em empate técnico com Ciro;
• o governador paulista, José Serra, principal candidato no PSDB, ainda lidera a pesquisa, mas perdeu 4 pontos.
É evidente, portanto, que a eleição deixou de se apresentar como um plebiscito entre Dilma e Serra, como desejava o Planalto. A principal novidade é a ascensão de Ciro. "Ele foi o que mais cresceu", diz Márcia Cavallari, diretora do Ibope. Numa simples simulação, quando o Ibope retirou o nome de Serra entre os pretendentes, Ciro ficou em primeiro lugar, com 25% das intenções de voto, o dobro do governador mineiro, Aécio Neves, segunda opção do PSDB.
É verdade que os números do Ibope receberam uma proteína especial. Nos dias anteriores à pesquisa, o PSB inundou as TVs de todo o país com a propaganda política no horário nobre, o que sempre ajuda a ativar a preferência do eleitor ao responder às pesquisas. Mas os dados trazem tendências que podem mudar os rumos da campanha. A alta de Ciro – combinada à entrada de Marina na disputa – obriga todos os participantes a redesenhar suas estratégias. Ciro cresceu em todas as faixas etárias. Entre os brasileiros de nível superior, Dilma caiu 7 pontos, e Serra caiu 5 pontos. Ciro subiu 9. Ciro ainda subiu 4 pontos na Região Sudeste, que abriga o maior colégio eleitoral do país, e 9 pontos no Norte- -Centro-Oeste. No Sul, cresceu 8 pontos. "De uns tempos para cá, Ciro parece outro homem", diz um governador. "Está feliz, sorri, conta piadas. Tudo parece bem para ele."
A dúvida que se coloca agora diante de todos é: será que essa onda Ciro tem sustentação no futuro? Até que ponto ele estará disposto a entrar em disputa com a candidata do presidente mais popular da história do Brasil? Pela coreografia imaginada no Planalto, já era hora de Ciro partir para o sacrifício geográfico e preparar-se para o confronto com Alckmin. Com bons índices de popularidade em São Paulo, ele poderia ajudar a levantar o palanque de Dilma e impedir o PSDB de cravar uma vantagem de até 6 milhões de votos com os paulistas. Essa é uma diferença que mesmo um cabo eleitoral tão poderoso como Lula teria dificuldade para compensar em outras regiões.
Interessada em contar com o prestígio de Lula nos palanques estaduais, a executiva do PSB apoia o acordo paulista por ampla maioria. Antes da pesquisa eleitoral, Ciro estava disposto a cumprir pelo menos uma formalidade indispensável: transferir seu domicílio eleitoral do Ceará para São Paulo, num prazo que vence nesta sexta-feira, 2 de outubro. Seria, pelo menos, um sinal de que ele estaria disposto a entrar no jogo de Lula. Depois da pesquisa, Ciro ficou tão animado com a perspectiva de disputar o Planalto que ele se recusa a fazer isso. Ciro acha que os eleitores podem interpretar a mudança de domicílio como prova de incerteza quanto à candidatura presidencial. Embora diga que está disposto a ouvir argumentos de aliados, em especial do presidente Lula, e reafirme que "cumprirá o que o partido decidir", sua postura é de quem não pretende mudar de ideia. “Antes, a transferência era provável", diz um dos governadores do PSB. "Agora é apenas possível.
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O número 2 de Lula
Otávio Cabral
Veja, Sábado, 26 de setembro de 2009
DIVISÃO DE TAREFAS
Dilma seguirá o roteiro de herdeira de Lula, enquanto Ciro se encarregará de atacar os tucanos: o compromisso fechado com o presidente é que não haja fogo amigo entre seus aliados
OBSESSÃO
Lula quer garantir um candidato oficial no segundo turno. Mas quem?
Para o presidente Lula, eleger o sucessor em 2010 é uma obsessão. Ele é dono de índices espetaculares de aprovação, coleciona comendas mundo afora e está convicto de que a história do Brasil será dividida entre os períodos a.L. e d.L. – antes de Lula e depois de Lula. A derrota nas urnas de um herdeiro político não cabe nesse currículo. Há mais de seis meses o presidente está em campanha apresentando nos palanques sua candidata, a ministra Dilma Rousseff. Até agora, porém, a fama de eficiente dela e a popularidade dele não têm se transformado em intenções de voto no volume esperado. O que parecia ser a receita correta para o continuísmo está se mostrando um fracasso na prática. Diante do quadro até agora desfavorável, Lula pôs em andamento um plano alternativo. O governo decidiu dividir as bênçãos da aprovação plebiscitária de Lula entre Dilma e um segundo nome identificado com a atual administração – o deputado Ciro Gomes, do PSB.
Disputar a eleição presidencial com dois candidatos ungidos pelo Planalto parece, à primeira vista, mais uma daquelas obras de arquitetura política muito atraentes no papel, mas que não se sustentam no mundo do concreto. A estratégia faz mais sentido quando examinada em dois tempos. Dar publicidade a esse caminho agora aumenta, pelo menos teoricamente, a perspectiva de continuidade no poder do atual grupo governante. Isso soa como música aos ouvidos dos potenciais aliados que abominam a ideia de sentir saudade das emas do Palácio da Alvorada a partir de janeiro de 2011. Quanto maior a perspectiva de vitória, maior o poder de atração de apoios. Quem se beneficiou disso foi Ciro Gomes. O deputado apareceu na última pesquisa de intenção de voto empatado na segunda colocação com Dilma Rousseff – ambos muito atrás do governador de São Paulo, José Serra. A diferença é que Ciro está em ascensão, enquanto Dilma vem perdendo fôlego, principalmente depois do anúncio da candidatura da senadora Marina Silva, do PV.
Lula relutou em abraçar a candidatura Ciro Gomes. Nos últimos três meses, o presidente se empenhou em tentar convencer o deputado a transferir o domicílio eleitoral para São Paulo e disputar o governo estadual. Assim, com uma única tacada, ele se livraria de um adversário incômodo no plano federal e ganharia um aliado em São Paulo. As últimas pesquisas, porém, mostraram que Ciro e Dilma podem, pelo menos no primeiro turno, constituir uma aliança informal pelo parentesco ideológico e, principalmente, pelo adversário comum. Ciro é um orador inflamado, exímio construtor de frases que, a despeito da falta de lógica e amparo na realidade, têm poderoso efeito comunicador. Os julgamentos sobre o que é certo ou errado, bom ou ruim, velho ou novo, saem da boca de Ciro com a certeza de um pregador protestante. Ele faz o mundo parecer simples. Isso agrada aos ouvidos de certo tipo de eleitor incapaz ou indisposto diante do desafio de destrinchar discursos mais complexos. Nesse particular, Ciro é o oposto de Dilma. A ministra é quase sempre cerebral ao ponto de enregelar as audiências com o fogo frio de seu olhar e a cordilheira de números que deita sobre seus ouvidos.
O ponto decisivo para convencer Lula foi o fato de a estratégia ter dado certo antes. Eduardo Campos, atual governador de Pernambuco, estava em terceiro lugar, mas acabou vencendo a eleição no segundo turno. Para superar o candidato que liderava com folga todas as pesquisas, PT e PSB, aliados, lançaram cada um seu próprio candidato com o compromisso de que o perdedor apoiaria o vencedor num eventual segundo turno. Deu Campos. Diz Ciro Gomes, que adorou o arranjo: Eu não serei um candidato contra o governo ou contra Dilma. Pelo contrário, a condição para eu ser candidato é ser aliado de Lula. A candidata do partido dele é Dilma, mas ele também vai me apoiar. Na campanha, uma das principais funções do candidato do PSB, segundo o plano traçado pelo governo, será fustigar José Serra. Enquanto Dilma fará uma campanha propositiva, aos moldes do Lulinha paz e amor de 2002, Ciro vai atacar o tucano, relembrando escândalos do governo FHC e mostrando os pontos fracos do governo paulista. Ele não terá dificuldades em cumprir esse papel. Ciro, que já foi do PSDB, tem uma antiga rixa com o governador paulista. Ele abandonou o ninho tucano por desavenças políticas e pessoais com a ala paulista do partido, principalmente com Serra. Na campanha de 2002, ele atribuiu ao tucano o naufrágio de sua candidatura. Havia uma equipe de TV do Serra no meu encalço o tempo todo. Todo escorregão que eu dava estava no dia seguinte no programa de TV do PSDB, conta, ainda demonstrando muita mágoa. Ciro repetirá que o governo de Lula foi melhor que o de Fernando Henrique Cardoso e que a eleição de um novo presidente tucano seria um retrocesso. Não podemos deixar que eles voltem é bordão repetido em entrevistas e debates do candidato.
Eleitoralmente, Ciro também representa um contraponto à própria Dilma, o que pode parecer um problema, mas também já foi devidamente calculado. Lula acredita que essa diferença é útil em uma campanha, pois cada um pode enfraquecer Serra em uma frente distinta. Dilma, a número 1, é novata em disputas eleitorais, enquanto Ciro, o número 2, está no ramo há quase trinta anos. Dilma é mineira e fez carreira no Rio Grande do Sul, enquanto Ciro é paulista e fez a vida no Nordeste. A petista lutou na clandestinidade contra a ditadura quando o socialista ainda nem pensava em fazer política. Pelas pesquisas, Dilma tem mais penetração no eleitorado menos esclarecido, mais pobre e morador do interior, enquanto Ciro se destaca entre os mais escolarizados, com mais dinheiro e moradores de grandes cidades. Parece perfeito, mas o PSB e o governo têm uma preocupação capital: a personalidade do próprio Ciro. Em 2002, quando estava bem cotado nas pesquisas, ele mesmo se derrotou ao chamar um eleitor de burro em um programa de rádio. Depois, disse que a função de sua mulher, a atriz Patrícia Pillar, era apenas dormir com ele. Para tentar evitar novos contratempos, o PSB estabeleceu condições para aprovar a candidatura. Ciro não poderá falar mal de Lula e do governo, nem hostilizar o PT – e terá de manter o equilíbrio, sem reagir a provocações. Diz o deputado: A política é cruel, aprendi. Vão me provocar, mas eu vou ter de engolir, vou ter paciência, dar uma risadinha e deixar pra lá.
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