Melhor entender por que, como, o quê, ele diz...
Todas as palavras do presidente
Compilação organiza os discursos de Lula.
Por Márcio Ferrari, de São Paulo
Valor Econômico, 04/09/2009
Livro:
"Dicionário Lula" - Ali Kamel
Nova Fronteira 672 págs., R$ 59,90 / AA+
Ali Kamel: "O Lula que emerge destas páginas é um comunicador sem igual"
Este é um trabalho útil e pronto para ser usado. O sociólogo e jornalista Ali Kamel pesquisou e sistematizou um grande volume de discursos e entrevistas de Luiz Inácio Lula da Silva como presidente da República e procedeu a uma minuciosa análise quantitativa.
O resultado se apresenta por temas em 347 verbetes, que vão de aborto a vontade. Cada um se divide em subverbetes com diferentes abordagens do tema.
Não se trata de uma antologia das proverbiais metáforas do presidente, tampouco de suas informalidades com o idioma. Pelo contrário, um dos alcances mais interessantes do livro é propiciar um contato com os temas e histórias que não costumam chegar à imprensa por não conter nada de particularmente noticioso.
São as ocasiões em que o presidente fala de seus assuntos preferidos, com destaques para a própria biografia e a experiência na chefia do Poder Executivo, marcada, acima de tudo, pela diferença entre "eu acho" e "eu faço", como ele gosta de dizer.
O universo de trabalho de Kamel, que é diretor de jornalismo da Rede Globo e contou com a colaboração do historiador Rodrigo Elias, abrange os discursos feitos de improviso (no todo ou em parte), as entrevistas e o conteúdo do programa de rádio "Café com o Presidente". Isso totaliza 3 milhões de palavras em 1.554 textos.
Mesmo não sendo novidade o fato de que o Brasil tem um presidente tagarela, são números impressionantes. Na comparação com Fernando Henrique Cardoso, o sucessor fez 52% pronunciamentos a mais em período semelhante. Ficaram de fora do trabalho de compilação e análise os discursos escritos, porque o autor considera que "o Lula mais real está no improviso".
Com a ajuda de dois softwares, Kamel pôde fazer a triagem das palavras e famílias semânticas mais usadas pelo presidente e proceder à organização por tema e abordagem. E concluiu: "O Lula que emerge destas páginas é um comunicador sem igual; um homem que vê o mundo a partir de sua experiência concreta de vida, de uma maneira que salta aos olhos; coerente, mas com incoerências importantes; um cidadão que preza os valores tradicionais da família e de Deus; um filho legítimo do capitalismo que almeja para os outros a mobilidade social que conseguiu para si (quando se tornou torneiro mecânico); um conciliador, cujo objetivo, ao menos no nível da retórica, é alcançar a harmonia entre os polos extremos da sociedade, tendo, para isso, como principal instrumento, políticas assistencialistas".
Na primeira parte do livro (a segunda é o dicionário propriamente dito), Kamel analisa algumas dessas coerências e incoerências. A percepção imediata mais surpreendente é que Lula, na Presidência, se aproximou muito do que era no início de sua trajetória de líder sindical - ou seja, relativamente apolítico e desconfiado dos dogmas da esquerda.
Mas o que se pode depreender agora, como adverte o autor, é apenas o começo de um trabalho que deve demandar décadas. As palavras de Lula no poder já evidenciam e sugerem muita coisa. Imagine-se então quando elas forem comparadas com os discursos de campanha e com a prática do governo.
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