Das bravatas ao assistencialismo governamental: o Brasil mudou para pior?
Iraci del Nero da Costa (*)
Informações FIPE, n. 348. Setembro de 2009, ISSN: 1234-5678, p. 14-15 ()
Um conjunto de decepções com o modo tradicional, aventureiro ou mentiroso de governar levou as camadas médias brasileiras a aceitar as propostas de mudanças substanciais na vida política e econômica da Nação propaladas pelo sindicalista tornado líder político nacional à frente do PT. Assim, a chamada “opinião pública”, que sempre trouxe acopladas a si as parcelas menos privilegiadas da população, conduziu a parcela majoritária do eleitorado a garantir a primeira eleição do atual presidente da República.
Como sabemos, as esperanças de alterações de fundo no modelo político e socioeconômico, de há muito dominante entre nós, viram-se rapidamente frustradas. As antigas promessas foram identificadas como bravatas necessárias a angariar votos, e a emergência de seguidos escândalos na órbita governamental e no seio do PT restaram reduzidos a algo de somenos, tidos pelo governo central como fenômenos comuns e universais que permeiam todo o correr de nossa história.
Não obstante a desesperança de alguns, o episódio do mensalão evidenciou a possibilidade de se dar o descolamento, com respeito às demais camadas sociais, daquela composta pelos mais pobres e desvalidos.
Como tive a oportunidade de anotar em outros escritos, o atual presidente da República, muito habilmente, mediante o alargamento e mudança das práticas assistencialistas, trabalhou de sorte a consolidar a aludida autonomização, monopolizando o apoio da grande maioria dos mais necessitados.
Tal fato, como é de conhecimento geral, colocou-se na base da reeleição do chefe da Nação e contribui decisivamente para garantir o alto grau de aceitação popular do qual ele desfruta. Evidentemente, como apontei em outro artigo, o estabelecimento de um verdadeiro “coronelismo governamental” representa, já que desacompanhado de reformas substantivas, um irrecusável retrocesso com respeito à vivência política da Nação e aos direitos de cidadania de toda a sua população, pois, como anotamos há anos, com porcentagem ínfima do PIB tornou-se viável a compra de um grande número de eleitores.
De toda sorte, deve-se ter presente que este descolamento trata-se de fenômeno social definitivo e irreversível, vale dizer, vivemos uma nova quadra de nossa história política e eleitoral. Destarte, tanto as agremiações político-partidárias como os pactos e as alianças eleitorais terão, doravante, de pautar-se segundo o novo perfil assumido pelo cenário no qual se movimentam os eleitores brasileiros; velhos atores, cujos papéis eram de meros coadjuvantes, podem definir-se, no futuro imediato, como protagonistas.
Se nos falta, a historiadores, sociólogos e politicólogos, conhecimento pleno e análises percucientes do processo em desenvolvimento, tal carência revela-se mais evidente ainda quando tomamos em conta nossos partidos políticos, sobretudo os da oposição.
Encontram-se eles, em larga medida, verdadeiramente baratinados e confusos; daí este sentimento generalizado de que não existe oposição ao governo central ou de que ela se omite ou não age corretamente. A nosso juízo, o problema não está na ausência de uma
oposição, nem em eventuais falhas de atuação; na realidade, a oposição simplesmente não sabe como se comportar em face das novas peças e dos arranjos recentemente introduzidos no tabuleiro no qual se fere o jogo político.
Como se aproximar política e ideologicamente desta parcela inorgânica do eleitorado, aparentemente dominada pela situação? Como atender a seus interesses, ora saciados pelo poder central? Quais serão suas expectativas situadas além do simples atendimento de seus interesses imediatos? Tais expectativas já estão definidas pelos interessados, ou eles próprios ainda não alcançaram plena consciência de um processo que lhes garantiu algum dinheiro e uns poucos bens, os quais, a seus olhos, foram oferecidos por um governo benevolente que os levou em conta e o qual urge preservar a qualquer custo?
Haverá projeção deste novel panorama, definido em termos nacionais, no plano dos Estados e no nível dos Municípios?
Enfim, como preencher o hiato existente entre as costumeiras práticas oposicionistas e as figuras praticamente desconhecidas que passaram a ocupar o proscênio de nossa vida política?
Já a situação, no âmbito nacional, parece estar plenamente acomodada em seu papel de distribuidora generosa de umas poucas migalhas altamente significativas para seus beneficiários, extremamente carentes.
Tais atitudes, assumidamente Paternais (e Maternais, como quer o presidente da República) serão bastantes para garantir sua continuidade no poder?
Portanto, a pergunta crucial que se põe no presente não diz respeito ao fato de ter ocorrido e se fixado a independentização em pauta, mas, sim, se a massa de eleitores despossuídos vergar-se-á passivamente a este coronelismo de novo tipo.
Caso isto venha a se dar, o Brasil estará fadado a um período indefinido de estagnação institucional e de degeneração política ainda mais acentuada do que a experimentada nos últimos lustros.
Referências:
COSTA, Iraci del Nero da. A voz do povo. Informações FIPE. São Paulo, FIPE, n. 309, p. 21-23, 2006a.
______. Brasil: os mesmos atores e novos papéis? Informações FIPE. São Paulo, FIPE, n. 312, p. 25-26, 2006b;
______. Da política desenvolvimentista ao clientelismo de Estado. São Paulo. (Texto com divulgação pela Internet, setembro de 2007).
______. Brasil: população redundante e coronelismo governamental. São Paulo. (Texto com divulgação pela Internet, outubro de 2007).
______. Eleições municipais de 2008: algumas especulações. São Paulo. (Texto com divulgação pela Internet, outubro de 2008).
______. Fixando ideias. Informações FIPE. São Paulo, FIPE, n. 345, p. 35-36, 2009.
(*) Professor Livre-docente aposentado da FEA-USP. (E-mail: idd@terra.com.br).
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