terça-feira, 20 de outubro de 2009

146) Uma pre-candidata enroscada com a verdade...

O encontro confirmado
Editorial do jornal O Estado de S. Paulo, 20.10.2009

Na manhã de 9 de outubro de 2008, a então secretária da Receita Federal, Lina Maria Vieira, reuniu-se a sós no Palácio do Planalto com a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, a chamado dela. O encontro - no qual a ministra lhe teria pedido para agilizar a devassa na contabilidade de Fernando Sarney, filho do presidente do Senado - consta da agenda de Lina naquela data. Há dois meses, quando ela confirmou a reunião numa entrevista à Folha de S.Paulo, a reação da ministra foi taxativa. A reunião privada, a que ela se refere, eu não tive, assegurou. Convocada dias depois a depor no Senado, Lina não apenas manteve o que dissera, como acrescentou detalhes de sua ida ao palácio que não deixaram dúvidas sobre quem falava a verdade e quem mentia no caso.

Ainda assim, o governo achava que o episódio daria em nada porque Lina não estava de posse da agenda que sustentaria a sua versão. Demitida em julho do comando do Fisco, ela alegava que o documento estava na mudança enviada a Natal, onde vivia. Além disso, Lina não soube precisar quando se reuniu com Dilma. Mencionou, em termos vagos, o final do ano, o que permitiu ao governo afirmar que não havia nenhum registro da presença de Lina no Planalto em novembro e dezembro de 2008 - nem poderia haver, agora se sabe. Instado, pela oposição, a fornecer as imagens do circuito interno de TV do palácio, o governo disse que as fitas eram apagadas após 30 dias. Mas o Planalto informou que Lina esteve ali em outubro.

Aparentemente segura de si, Dilma desafiou a ex-secretária da Receita a provar o que dissera no Senado. Lina Vieira havia acusado Dilma de ter-lhe feito um pedido incabível, numa ingerência desnecessária e descabida na investigação da Receita, por ordem judicial de setembro de 2007, sobre as contas do primogênito do senador José Sarney, responsável pelos negócios da família. (Da operação resultaram 17 ações fiscais contra o empresário e a sua mulher.) A gente não afirma, a gente prova, fustigou a ministra. Não estamos na Idade Média, em que se prova a veracidade de alguma coisa por ênfase. Lina, de fato, foi enfática ao dizer que não mudo a verdade no grito, assim como ao relatar que nada fez para atender ao pedido de Dilma, depois de se certificar que tudo estava em ordem com a devassa. Não dei retorno, contou.

Ela disse também - e, pelo visto, sabia do que falava - que não precisava da agenda para dizer a verdade. Era uma resposta ao presidente Lula que, ao comprar pelo valor de face o desmentido de sua escolhida para suceder-lhe, se intrometeu desabridamente na história. Qual a razão que essa secretária tinha para dizer que conversou com a Dilma e não mostrar a agenda?, perguntou. Só tem um jeito: abrir a mala em que ela levou a agenda e mostrar a agenda para todo mundo, provocou. (Então) era só pegar as duas agendas e ver o que aconteceu. Acaba de levar o troco. A agenda apareceu e, segundo Lina, citada pela revista Veja, mostra o dia, a hora e o assunto tratado no encontro com Dilma. Logo em seguida à reunião, ela escreveu: Dar retorno à ministra sobre família Sarney - o que acabou não fazendo.

Lina teria encontrado a agenda apenas dois dias depois do seu depoimento no Senado. Mas, de acordo com a Folha de S.Paulo, ela ficou receosa de apresentar o documento porque teria recebido recados de pessoas ligadas ao governo para deixar o assunto morrer. Depois de uma viagem ao exterior e disposta a dar um desfecho formal ao caso, está pronta a entregar a agenda ao Ministério Público, caso seja convocada. Talvez tenha de fazer mais do que isso. O presidente Lula não pediu que Lina mostrasse a agenda? Agora é bom que as duas mostrem. Essa questão precisa de esclarecimento, argumenta o senador Sérgio Guerra, do PSDB. Dilma terá de vir a público e se explicar, cobra o líder do DEM, José Agripino.

Quando Lina disse no Senado que não tinha sido pressionada pela ministra, os líderes da base governista se apressaram a declarar que, diante disso, se houve ou não o encontro, não tem mais importância central. Nunca deixou de ter. A partir do momento em que Dilma negou de forma cabal a reunião privada com Lina, tratava-se de saber em primeiro lugar se a ministra-candidata falou a verdade ou faltou com a verdade. A resposta está dada.

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