sábado, 17 de outubro de 2009

140) O assalto à companhia Vale - materia da IstoÉ Dinheiro

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Vale, o lucro sob ataque
Por Leonardo Attuch e Hugo Cilo
IstoÉ Dinheiro, 17.10.2009

Roger Agnelli só entregou bons resultados à frente da mineradora, mas o governo quer derrubá-lo. O que há por trás da ofensiva contra a empresa e por que ela não faz sentido.

(Foto) Roger Agnelli, presidente da Vale, passou de mocinho a vilão por não atender aos pedidos do presidente Lula

Eram 16h23 da quarta-feira 14, quando os portões do Palácio da Liberdade, em Belo horizonte, se abriram para o executivoRoger Agnelli. ele entrou pela porta dos fundos e se reuniu rapidamente com o governador aécio neves. minutos depois, os dois seguiram para o salão nobre da sede do governo mineiro. o presidente da Vale vestia um terno escuro e parecia abatido - o único detalhe que resplandecia na sua imagem era a gravata dourada, guardada para ocasiões especiais. Agnelli leu um discurso escrito, evitando olhar para as lentes dos fotógrafos. no único momento de improviso, fez um desabafo: "aqui nunca nos faltou apoio." e depois anunciou investimentos de R$ 9,5 bilhões em minas Gerais. Sem responder a nenhuma pergunta, ele saiu também pela porta dos fundos. e foi direto para o aeroporto da Pampulha, onde embarcou no avião da companhia, de volta para o rio de Janeiro. aquela era a primeira aparição pública de Agnelli em 22 dias. e ocorreu cercada de mistério - o encontro foi divulgado apenas pelos assessores de aécio, e não da Vale. tudo porque o presidente da companhia tem sido alvo, nas últimas semanas, de um intenso bombardeio orquestrado pelo próprio Palácio do Planalto. o objetivo: apeá-lo do comando da maior empresa privada do Brasil. Visto de Brasília, Agnelli é hoje um alvo. Um executivo na mira do governo, muito embora tenha transformado a Vale na mineradora mais lucrativa do mundo - desde a privatização, a empresa se valorizou 3.433%, acima de qualquer outro investimento no País.

(Foto) Depois de 22 dias sumido, Agnelli reapareceu ao lado de Aécio e disse: "Em Minas, não nos falta apoio"
(Foto) Sérgio Rosa, da Previ, é cotado para suceder Agnelli, numa manobra estimulada pelo PT

Com números tão positivos, é incompreensível que a Vale esteja sofrendo tantos ataques de quem mais deveria defendê-la. Nos 55 anos em que foi estatal, a empresa pagou US$ 3 bilhões em dividendos aos acionistas - o maior era a União. Nos 12 anos pósprivatização, o valor subiu para US$ 11 bilhões, favorecendo sócios que são direta ou indiretamente ligados ao Estado, como o BNDES e os fundos de pensão. Por isso mesmo, o tiroteio, que começou em dezembro do ano passado, quando a empresa anunciou 1,3 mil demissões, foi ganhando contornos distintos, de acordo com as conveniências. O primeiro argumento, usado pelo presidente Lula e por alguns de seus assessores, foi o de que a Vale teria jogado combustível na fogueira da crise ao demitir pessoal. Mas o balanço da empresa nesse aspecto é extremamente positivo - de 1997 até hoje, o número de funcionários passou de dez mil para mais de 60 mil. Depois, a companhia foi acusada de não agregar valor ao minério de ferro. Ocorre que a Vale é hoje a empresa que mais investe em siderurgia. Em seguida, ela foi criticada por não comprar navios no Brasil. Só que isso, segundo o presidente do próprio sindicato da construção naval, Ariovaldo Rocha, ainda não é possível. "Os estaleiros nacionais não estão preparados para as encomendas que foram feitas pela Vale", disse ele à DINHEIRO.

Agora, o que mais se ouve é que o Brasil não pode só exportar matérias-primas, como o minério de ferro. Mas o fato é que as vendas internacionais da Vale, acima de US$ 25 bilhões ao ano, foram cruciais para a virada das contas externas nacionais e para conquistas que hoje são festejadas pelo governo - como, por exemplo, o fato de o Brasil ter se tornado credor do Fundo Monetário Internacional. Como se isso não bastasse, mesmo no que diz respeito ao aço, setor que o governo passou a considerar "estratégico", os números da balança comercial brasileira têm sido favoráveis. As exportações saltaram de US$ 2,7 bilhões, em 2000, para US$ 8 bilhões, no ano passado. E o saldo foi de US$ 4,4 bilhões, o que representou 17,6% do superávit nacional. Além do mais, não consta que o governo esteja cobrando investimentos de empresas como CSN, Usiminas e CST, com a intensidade com que age em relação à Vale. "O que está acontecendo é claramente uma ação política, quase uma tomada de controle, disfarçada por argumentos nacionalistas", acusa Luis Afonso Lima, presidente da Sobeet, entidade que estuda o comportamento das multinacionais no Brasil. "Isso começou na telefonia, chegou ao petróleo e está avançando para a mineração e a siderurgia, o que terá consequências negativas no longo prazo."

Nesse processo, dois personagens têm atuado com especial desenvoltura. Um deles é Sérgio Rosa, presidente da Previ, o maior fundo de pensão nacional, que pertence aos funcionários e aposentados do Banco do Brasil. Rosa, homem forte do PT e sindicalista ligado aos bancários de São Paulo, lidera um bloco de fundações com 49% da Valepar, a holding que controla a Vale. Na condição de maior acionista, fez uma crítica aberta a Agnelli, ao questionar os investimentos da empresa em publicidade - gastos que só estão ocorrendo, diga-se de passagem, para que a Vale se defenda dos ataques promovidos pelo governo. "Não precisava tanto", disse Rosa. Uma campanha com o ator José Mayer, que iria ao ar na semana passada, chegou a ser suspensa. O segundo personagem envolvido na trama é o bilionário Eike Batista, ironicamente o filho de Eliezer Batista, o visionário que ajudou a criar a Vale e hoje mantém um canal direto com o presidente Lula. Eike conseguiu construir a maior fortuna do País com empresas que foram listadas na Bovespa, mas são apenas promessas e praticamente não entraram em operação. No domingo 11, ele concedeu uma entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, como se tivesse ensaiado seu discurso no próprio Palácio do Planalto. Eike criticou a atual gestão e disse que, se adquirisse uma participação na mineradora, colocaria o próprio Rosa no lugar de Agnelli. E declarou que a Vale tem "diamantes não lapidados". Uma postura, no mínimo, deselegante.

Nos dois casos, as atitudes são também incompreensíveis. Na Previ, que é uma entidade privada, pertencente aos funcionários e aposentados do Banco do Brasil, a preocupação deveria ser o retorno dos investimentos - e não o poder de influir diretamente no rumo de um ou de outro setor da economia. Desde a privatização, ocorrida em maio de 1997, o retorno das ações da Vale (3.433%) ficou bem acima do CDI (717%), do Ibovespa (563%) e da própria rentabilidade média da carteira geral dos fundos de pensão, na casa dos 700%. Portanto, a Vale é a empresa que mais contribui para o pagamento dos benefícios dos 87 mil aposentados do Banco do Brasil, que recebem, em média, R$ 5,2 mil por mês - valores altos para a média nacional. No mundo de Eike, ele próprio tem diamantes a lapidar. E dentro de casa. De acordo com um levantamento da empresa Economática, a MMX, mineradora de Eike, é a empresa que tem apresentado os piores resultados operacionais entre todas as companhias listadas na Bovespa.

(foto) Com cachê de R$ 800 mil, o ator José Mayer estrelaria campanha da Vale que foi suspensa na última hora

Mas o que, num primeiro olhar, parece incompreensível, também tem lá suas razões. Para Eike, qual seria a lógica de gastar bilhões na compra de uma companhia para depois entregar seu comando a um grupo político? Segundo analistas de mercado ouvidos pela DINHEIRO, não se trata de patriotismo nem de simpatia pelo PT - mas de necessidade. Na operação sonhada por Eike, ele tentaria adquirir a Bradespar, empresa do Bradesco que indicou Agnelli ao comando da Vale, numa operação de até R$ 15 bilhões. Ato contínuo, a Vale compraria não só a MMX como também o porto LLX - duas companhias de Eike que vinham tendo seus valores inflados nos últimos pregões. A LLX, que só entrará em operação em 2012, estava sendo avaliada em quase R$ 6 bilhões, como se a Vale, sob nova gestão, pudesse pagar essa quantia pelo ativo. Um valor 230% maior do que o da Santos Brasil, que administra o maior terminal portuário do País. "Enquanto a atual gestão da Vale estiver aqui, a empresa não fará nenhum investimento que não gere valor para a companhia e seus acionistas", disse à DINHEIRO um alto diretor da mineradora. E bastou que Agnelli ressurgisse, em Belo Horizonte, para que as corretoras disparassem ordens de venda dos papéis da MMX e da LLX.

(Foto) Companhia siderúrgica do atlântico, no rio: o maior investimento do Brasil em aço, no valor de US$ 6,6 bilhões, está saindo do papel graças à Vale

Nesse jogo pesado, o fiel da balança é o Bradesco, responsável pela gestão da Vale. O banco, capitaneado por Lázaro Brandão e Luiz Carlos Trabuco Cappi, já rechaçou uma proposta de Eike, que girava em torno de R$ 12 bilhões pelas ações da Bradespar. Mas os papéis da empresa continuaram subindo, como se, mais cedo ou mais tarde, o banco fosse ceder. "Até agora, a única coisa que o Eike conseguiu com toda essa confusão foi valorizar as ações da Bradespar", disse à DINHEIRO um diretor do banco. Na quinta-feira 15, o próprio bilionário parecia ter jogado a toalha. Assustado com a repercussão negativa dos seus movimentos, ele negou estar buscando qualquer participação de controle na Vale e soltou uma nota curiosa. "Sou empresário. Meu interesse na Vale não deve ser politizado. Se deveu (sic), exclusivamente, ao fato de identificar certos diamantes por lapidar e por acreditar que poderia contribuir para a criação de riqueza para a empresa e seus acionistas. Nunca como instrumento de política partidária. Desejo boa sorte à Vale na consecução dos seus planos de investimento no País."

(Foto) Eike começou a semana atacando Roger Agnelli e terminou assustado com a repercussão negativa
(Foto) A decisão de Lázaro Brandão é vital para definir como será a face do capitalismo brasileiro

Nessa guerra, a decisão do Bradesco será crucial para definir a nova cara do capitalismo brasileiro. Se o modelo será mais ou menos intervencionista. Mais ou menos estatista. E também se os fundos de pensão, que até agora têm sido os grandes investidores da economia nacional, passarão a assumir um novo papel: o de gestores das empresas em que têm participação acionária. Algo que é defendido abertamente por lideranças do PT. "Os fundos têm, entre seus dirigentes, pessoas com uma extraordinária capacidade administrativa", disse à DINHEIRO o deputado Ricardo Berzoini, presidente nacional do partido. Apesar das pressões, a semana terminou com um sinal de distensão, vindo de Brasília. O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, disse que o governo não irá mais interferir no caso Vale. Ainda assim, na briga do rochedo com o mar, ou do governo com a maior empresa privada do País, muitas vezes quem sofre é o marisco. No caso, o presidente Roger Agnelli. Um executivo que entregou resultados ao governo, mas colheu ingratidão.

* Com Denize Bacoccina e Gustavo Gantois

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