Serra quer mudar sem mexer no tripé
Raymundo Costa
Valor Econômico, terça-feira, 5 de janeiro de 2010
Num país onde a popularidade do presidente é essencialmente atribuída ao êxito da política econômica, o governador José Serra, virtual candidato do PSDB à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é uma voz dissonante. Não raro é possível ouvir Serra dizer que a situação macroeconômica "está péssima". Ele nunca escondeu sua implicância com juros altos e câmbio sobrevalorizado. Mas nunca deixou claro a saída que pretende adotar sem fazer desmoronar o tripé câmbio flutuante, responsabilidade fiscal e meta de inflação.
Trata-se de resposta obrigatória de quem lidera as pesquisas de intenção de votos para a Presidência da República. Serra tem sido coerente nas críticas à política econômica, neste e no governo de seu amigo Fernando Henrique Cardoso. Agora dá pistas sobre como pretende encaminhar a solução em entrevista publicada no livro "Retrato de Grupo - 40 anos de Cebrap", publicado pela editora Cosac Naif, como parte das comemorações dos 40 anos do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento.
Serra derruba alguns mitos, como o de que fora contrário ao Plano Real, conforme foi difundido pelo próprio FHC na eleição de 2002. O governador paulista e virtual candidato do PSDB a presidente, nas eleições de outubro, conta que não tinha dúvidas em relação ao plano, do "ponto de vista teórico". Sua apreensão, em 1994, era política. Duvidava que o governo, em meio ao processo eleitoral, desse sustentação ao plano. Dúvida procedente, como mostraram os acontecimentos: por mais de uma vez FHC, já fora do Ministério da Fazenda e candidato a presidente, teve de conter o então presidente Itamar Franco na intenção de fazer um congelamento de preços, decisão que contribuíra efetivamente para o fracasso dos nove planos anteriores de estabilização.
Uma outra lenda ronda atualmente a candidatura de José Serra a presidente. Diz que o mercado financeiro é contrário a sua candidatura. É certo que os bancos, talvez nem mesmo no governo de FHC, tenham lucrado tanto quanto nos oito anos de Lula e do PT. Mas é um exagero afirmar que os banqueiros armaram uma barricada para se defender de Serra, quando entre os principais interlocutores do governador de São Paulo, entre outros, estão Luiz Carlos Mendonça de Barros e o ex-presidente do ex-PFL (atual Democratas) Jorge Bornhausen, que o PT, então na oposição, não cansava de classificar de legítimo representantes dos interesses do setor financeiro no Congresso.
O livro dos 40 anos do Cebrap também é esclarecedor sobre essa questão: Serra não só reza a cartilha do tripé, como acredita ter sido ele o primeiro a formular esse conceito durante o governo de Fernando Henrique. "Não há uma única maneira de se implantar e fazer funcionar esse tripé", afirma José Serra, para deixar claro que não discorda do remédio, mas entende que o receituário poderia ser outro. O atual, segundo acredita o presidenciável, pode lançar o país na desindustrialização e torná-lo refém de um modelo primário exportador. Por causa dos juros altos e da sobrevalorização do câmbio, que condena agora como condenou à época do governo FHC.
"No caso do Brasil, a preocupação com a desindustrialização não é com uma desindustrialização no sentido de que não haverá mais indústrias", disse José Serra aos entrevistadores Álvaro Comin, Cláudio Amitrano, Flávio Moura e Henri Gervaiseau, acadêmicos e integrantes do Cebrap. Ele citou um exemplo: "A Embraer foi bem privatizada, mas até poucos anos atrás ela tinha 60% de componente doméstico no valor gerado", afirmou. "Hoje tem 30%. Ela está ai produzindo avião, mas está perdendo as cadeias produtivas, só por causa dos juros siderais e da sua consequência pior: a taxa de câmbio megavalorizada".
Esse é o problema, diz Serra, e ele nada teria a ver com a suposta divisão entre desenvolvimentistas (entre os quais é classificado) e monetaristas. "Essa análise não tem muito sentido, é até cretina", diz. "O problema é outro. O termo tem sido espertamente utilizado para insinuar que os que se preocupam com o desenvolvimento o querem a qualquer preço, mesmo à custa de mais inflação - não há necessariamente esse dilema, estabilidade x desenvolvimento".
A diferença - opina - "existe em relação a políticas macroeconômicas, e não à estabilidade. Eu só posso dizer o seguinte: em nenhum dos preceitos do Consenso de Washington figura a ideia de que para desenvolver o país você precisa megavalorizar a moeda. Isso é simplesmente um erro, não é ortodoxo nem heterodoxo".
O Brasil tem uma geração qualificada na questão da economia formada sob a superinflação, mas não criou ainda uma outra azeitada em políticas de desenvolvimento. Serra é um candidato. Resta a ele explicitar mais como baixar a taxa de juros e financiar a dívida pública e ajustar a taxa de câmbio de uma maneira que não veja voluntarista.
"O Brasil deve ter hoje 190 milhões de habitantes, perto disso; daqui a dez anos, teremos dezenas de milhões de pessoas a mais no mercado de trabalho", argumenta. "O modelo primário exportador, para onde o país está caminhando, não é capaz de gerar empregos com o dinamismo que a oferta de trabalho exige. Ele não vai gerar desenvolvimento sustentado (e sustentável) e o país está caminhando para isso". Essa é o desafio a que Serra se propõe: reinventar o desenvolvimento.
Bolas nas costas
A candidatura da ministra Dilma Rousseff (PT) mudou de ano com dificuldades em mais de uma frente estratégica. Uma delas diz respeito à criação do conselho de comunicação e ao incentivo dado a outras formas de quebrar monopólios na área de comunicação. A ministra da Casa Civil inclusive já sinalizou aos interessados que não teria posição tão radical sobre o assunto quanto alguns de seus conselheiros de campanha. Outra refere-se ao relacionamento de Dilma com o jornalista e marqueteiro João Santana, que já foi bem melhor. O publicitário Duda Mendonça ronda o território do antigo afilhado. O PT treme só de ouvir falar.
Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília.
terça-feira, 5 de janeiro de 2010
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