É o que diz este analista político, na verdade um filósofo e professor:
Trapalhadas inconstitucionais
Ricardo Vélez Rodríguez
O Estado de São Paulo, 13.01.2010
Chegando à última etapa do segundo mandato, parece que o presidente se desatrela da linha que pautou a sua ação até agora, à luz do documento de 2002 intitulado Carta ao Povo Brasileiro, para enveredar pela linha fixada pelo texto em que o PT vazava, inicialmente, as suas propostas eleitorais, a Carta de Olinda. Saudades da pureza ideológica ou malandragem para testar até onde a opinião pública no Brasil é contrária às propostas marxistizantes? O tempo dirá. Por enquanto, quero dizer seis coisas a respeito do Decreto nº 7.037, de 21 de dezembro de 2009, que estabelece o "Programa Nacional de Direitos Humanos".
1) É uma bobagem achar que Lula "não sabia de nada". Já conhecemos essa saída macunaímica, alegada, também, nos casos do "mensalão", dos "aloprados", dos "cartões corporativos", etc. Não vamos, outra vez, fazer o papel de bobos da corte que podem ser ludibriados na sua boa-fé. Bobagem tem limite. O presidente tem de ser responsabilizado pelo que assinou.
2) O que Lula assinou no malfadado decreto constitui uma tentativa de golpe de Estado, que deita por terra a Constituição. Gravíssimo. Isso daria ensejo, seguindo o rigor da lei, ao estabelecimento de um processo de impeachment.
3) À luz da denominada "Diretriz 1: Interação democrática entre Estado e sociedade civil como instrumento de fortalecimento da democracia participativa", o decreto estabelece praticamente uma ditadura chefiada pelo Executivo e intermediada pelos denominados "movimentos sociais", deixando de fora o Legislativo (substituído pela consulta plebiscitária) e a própria Justiça (anulada pelos "tribunais populares"). Esse seria o passo anterior para uma escancarada "ditadura do proletariado", nos moldes defendidos pelos comunistas. A revisão da Lei da Anistia ocorrerá, certamente, por conta desses "tribunais populares", no contexto de uma verdadeira aberração jurídica, como muito bem destacou, em artigo recente, eminente jurista gaúcho.
O papel atribuído aos sindicatos e aos tais movimentos é hegemônico, segundo o texto do decreto, como se essas organizações fossem as únicas responsáveis pelas mudanças que consolidaram o exercício da democracia no Brasil, desde o fim do regime militar até os dias de hoje. Para a petralhada, a única versão de democracia que vale é a que Benjamin Constant de Rebecque chamava de "democracia dos antigos", a exercitada na praça pública mediante plebiscito. Os constitucionalistas do PT desconhecem a democracia representativa das nações modernas. Ora, sem ela não há democracia. Daí a necessidade de aperfeiçoar, não de achincalhar o Congresso, como Lula e os petistas fazem.
Lembrando os textos da vulgata marxista que circulam nas universidades e nos sindicatos, o decreto afirma: "Os movimentos populares e sindicatos foram, no caso brasileiro, os principais promotores da mudança e da ruptura política em diversas épocas e contextos históricos. (...) Durante a etapa de elaboração da Constituição Cidadã de 1988, esses segmentos atuaram de forma especialmente articulada, afirmando-se como um dos pilares da democracia e influenciando diretamente os rumos do País. (...) Nos anos 1990, desempenharam papel fundamental na resistência a todas as orientações do neoliberalismo de flexibilização dos direitos sociais (...). Nesse mesmo período, multiplicaram-se pelo País experiências de gestão estadual e municipal em que lideranças desses movimentos, em larga escala, passaram a desempenhar funções de gestores públicos."
Não é dita nenhuma palavra acerca do importante papel que o Congresso teve na elaboração da Carta de 1988. Tampouco é lembrado o trabalho do Legislativo, bem como da Justiça em geral, no intuito de regulamentar os artigos da mencionada Constituição e de resolver os conflitos surgidos ao ensejo da sua aplicação. Ora, houve governabilidade, ao longo de todos estes anos, porque Congresso e magistrados deram uma contribuição de grande valor para o funcionamento das instituições.
4) O decreto praticamente anula o direito de propriedade privada, em especial o agronegócio. Tiro no pé de quem financia a beneficência oficial com o superávit das exportações. As questões relativas a conflitos de terra que levem a invasões devem ser analisadas por "tribunais populares", cujas decisões são prioritárias, de forma semelhante a como o presidente Evo Morales acaba de propor na Bolívia e analogamente a como o chavismo equaciona os problemas de posse da terra e das empresas particulares.
5) É estruturada uma rígida rede de controle da informação, bem como de domínio do Estado sobre o sistema educacional, à luz da denominada "Diretriz 3: Integração e ampliação dos sistemas de informações em Direitos Humanos e construção de mecanismos de avaliação e monitoramento de sua efetivação". Graças a esse dispositivo, só será veiculado pela mídia e ensinado nas escolas e universidades o que interessar aos donos do poder. Estamos passando do patrimonialismo ao totalitarismo! Lula segue fiel ao Foro de São Paulo, criado por ele, por Fidel, pelas Farc e outras organizações comunistas para dar sobrevida, na América Latina, ao cadáver insepulto do comunismo, que caiu por terra no final dos anos 80 do século passado, mas que teima em viver, nos dias atuais, ecotoplasmaticamente encarnado no movimento bolivariano do coronel Hugo Chávez, que, infelizmente, traça a pauta para o constitucionalismo petista, como se vê pelo teor do mostrengo que estamos apreciando.
6) Ponto positivo: já conhecemos, pelo menos, o programa de Dilma Rousseff, resumido nesse decreto.
Ricardo Vélez Rodríguez é coordenador do Centro de Pesquisas Estratégicas da Universidade Federal de Juiz de Fora
quarta-feira, 13 de janeiro de 2010
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