Abaixo, transcrevo artigo do colunista Mailson da Nobrega, ex-ministro da Fazenda no governo Sarney.
Concordo com a maior parte dos argumentos, mas já vou dizer do que discordo.
Também acho que o Brasil mudou o PT, posto que a sociedade, suas permanências e pesos derivados das estruturas econômicas e dos comportamentos políticos, é bem mais forte do que um partido político, feitos de simples mortais (alguns não se acham), que precisa, portanto, se acomodar a compromissos que antes pretendia ignorar, ou passar por cima.
Todo o voluntarismo transformista, justamente, se transforma com a realidade, e o partido se converte em reformista e adaptador de coisas possíveis.
Mas, não concordo em absoluto com o ex-ministro em que o PT seria, agora, "em todos os sentidos, um partido como os outros."
De forma nenhuma, o PT não é um partido como todos os outros, que jogam o jogo tradicional da política, com a hipocrisia costumeira dos políticos, suas mentiras recorrentes, o oportunismo rentista e a busca insaciável de posições na máquina do Estado apenas para o enriquecimento pessoal de seus integrantes. Isso, de fato, o PT faz, como todos os outros, mas muito pior.
Onde os demais políticos atuam, digamos assim, no varejo, de forma individual, quase manufatureira, o PT faz de forma sistemática, no atacado, de maneira industrial, assaltando o Estado com todas as suas tropas obedientes, militantes lobotmizados por uma causa supostamente transformadora, que acaba sendo apenas o velho e tradicional enriquecimento pessoal, neste caso, duplicado pelo desejo do partido de monopolizar todos os poros da sociedade e do Estado para melhor sugar os seus recursos. Ele é, portanto, mais "eficiente" que os partidos tradicionais na "extração" de recursos da sociedade, via Estado, obviamente, mas também assaltando diretamente empresários e outros agentes econømicos como uma espécie de pedágio para os favores do poder, sempre e quando ele controla a máquina do Estado (e sabemos que o faz com uma voracidade insaciável).
O outro aspecto em que eu discordo do ex-ministro é que o PT teria sido transformado pelo Brasil.
Não, acredito que o PT também transformou o Brasil, e para pior, muito pior.
Ele conseguiu emascular o Congresso, comprou e corrompeu parlamentares e partidos inteiros -- não foi outro o sentido do mensalão, que continua de forma mais atenuada --, dominou instituições públicas e tenta mudar as leis do Brasil, sempre para pior, com sua concepções liberticidas, inimigas do capitalismo e promotoras da censura, do controle da sociedade, de um socialismo tão anacrônico quanto nefasto.
Ele também pratica o mais deslavado populismo, fisiologismo, assistencialismo e outros ismo ainda piores.
Ele está fazendo o Brasil ficar pior do que era, posto que vai deixar uma herança fiscal maldita, um Estado sobredimensionado, encarregado de tudo e de todos, e que precisará se transformar (se já não é) em um ogro devorador dos recursos e da renda de quem trabalha, apenas para entregar aos pobres assistidos e, sobretudo, aos militantes da causa, que vivem de empregos públicos.
Não, ministro, o PT não é um partido igual aos outros, é muito pior...
Paulo Roberto de Almeida (16.01.2010)
O PT mudou o Brasil?
Maílson da Nóbrega
Revista Veja, edição 2148 - 20 de janeiro de 2010
Ou foi o contrário?
"Lula e o PT conseguiram, mediante a desconstrução sistemática das realizações de outros governos, convencer a maioria de que o Brasil teria começado em 2003. Nunca antes"
Nunca antes na história deste país um partido se vangloriou tanto de feitos que não realizou. É o caso do PT. No seu último programa no rádio e na TV, o partido reivindicou o papel de marco zero. Até a estabilização da economia teria sido obra sua. Os petistas se jactam de ter mudado o país. Para um de seus senadores, 2009 foi "a segunda descoberta do Brasil".
No mundo, três transformações radicais sobressaem: (1) a Revolução Gloriosa (1688), que extinguiu o absolutismo inglês e levaria a Inglaterra à Revolução Industrial; (2) a Revolução Americana (1776), da qual surgiria a maior potência no século XIX; e (3) a Revolução Francesa (1789), a profunda mudança que substituiria os privilégios da nobreza, do clero e dos senhores feudais pelos direitos inalienáveis dos cidadãos.
Nada desse porte aconteceu no Brasil, nem agora nem antes. A independência foi declarada por dom Pedro, representante da metrópole. A República nasceu de um golpe de estado dado por Deodoro da Fonseca. A Revolução de 1930, a única que talvez possa ter esse título, promoveu mudanças, mas não daquela magnitude. Aqui não se viram rupturas nem violências. O regime militar findou sob negociação.
O PT pretendia mudar o Brasil, mas para pior. O título de seu programa para as eleições de 2002 era "a ruptura necessária". Prometia "uma ruptura com o atual modelo econômico, fundado na abertura e na desregulação radicais da economia nacional e na consequente subordinação de sua dinâmica aos interesses e humores do capital financeiro globalizado". Soa ridículo hoje, não?
As propostas continham inúmeros disparates: controles na entrada de capitais estrangeiros, mudanças na captação de recursos externos pelos bancos e a denúncia do acordo com o FMI, entre outros. Uma reforma tributária taxaria as grandes fortunas. O pagamento dos juros da dívida pública seria reduzido de forma voluntarista.
A Carta ao Povo Brasileiro (22 de junho de 2002) foi o começo do fim dessas ideias. Nela, Lula ainda defendia "um projeto nacional alternativo", mas falava em "respeito aos contratos e obrigações do país". O superávit primário seria preservado "para impedir que a dívida interna aumente e destrua a confiança na capacidade do governo de honrar os seus compromissos".
As visões econômicas do PT morreram de vez com Lula na Presidência. Um banqueiro foi presidir o Banco Central. No primeiro mês, elevaram-se a taxa de juros e a meta de superávit primário. Tudo o que o PT tachava de neoliberal. Na política, a coalizão de governo incluiu partidos políticos e figuras conhecidas que o PT abominava.
A política econômica foi mantida. Com a preservação da plataforma construída por seus antecessores, Lula conseguiu alçar o Brasil a novas alturas. O amadurecimento das mudanças anteriores ampliou o potencial de crescimento da economia, que foi adicionalmente impulsionada pelos ventos favoráveis da economia mundial entre 2003 e 2008. Tornou-se possível manter e ampliar os programas sociais herdados.
Muito se deve à intuição política do presidente e ao trabalho de seu primeiro ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Lula percebeu que a preservação de sua popularidade dependia do controle da inflação e por isso reforçou a autonomia do Banco Central. Ele cresceu aos olhos do mundo em razão de sua simpatia, de seu carisma e por ser um líder de esquerda moderado, defensor da democracia e da economia de mercado.
Lula e o PT conseguiram, mediante a desconstrução sistemática das realizações de outros governos, convencer a maioria de que o Brasil teria começado em 2003. Nunca antes. É um grande tento, que requereu doses elevadas de desfaçatez. Recentemente, na falta de energia no Sul e Sudeste, a preocupação não foi explicar, mas mostrar que o apagão de Lula era melhor que o de FHC.
A manutenção da política econômica foi uma decisão corajosa. Respondeu a um novo ambiente, caracterizado pela intolerância da sociedade à inflação, pela imprensa livre, pela nascente valorização da democracia e pela disciplina do mercado. Lula curvou-se às imposições dessa nova realidade. Ainda bem. O Brasil mudou o PT, que agora é, em todos os sentidos, um partido como os outros.
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